Captirado do Blog de Roberto Romano
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CGU vê erros crassos no noticiário sobre cartões
Alan E. Cober
Quando focalizou o atacado dos R$ 171,5 mil que Matilde Ribeiro pendurara no cartão de crédito, a imprensa mandou ao olho da rua uma ministra que não conseguiu explicar o inexplicável. Quando se deixou seduzir pelo apelo da tapioca de R$ 8,30 do ministro Orlando Silva, o noticiário descambou para um varejão de miudezas que pendurou nas manchetes uma penca de equívocos e injustiças.
O ministro Jorge Hage (Controladoria Geral da União) guarda no computador um texto que deixa mal o jornalismo. Relaciona 11 erros crassos que envenenaram o noticiário sobre cartões corporativos. Considerando-se que o Congresso se prepara para instalar uma CPI que vai se ocupar do tema, vale a pena reproduzir o conteúdo do arquivo eletrônico de Hage.
1. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) foi acusada de ter utilizado o cartão corporativo para adquirir roupa de cama. Despesa regular e necessária, atestaram os técnicos da CGU. Os panos forraram as camas utilizadas por servidores da agência que realizam a fiscalização sanitária no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. São plantonistas, obrigados a pernoitar no batente.
2. A Polícia Federal escalou o noticiário por ter sacado o cartão numa clínica de estética chamada By Kimberly. Eis o detalhe que a reportagem não relatou: a despesa decorre de pagamento de um revólver, devolvido à PF nos termos do Programa Nacional de Desarmamento;
3. Denunciou-se que o cartão do Ministério da Agricultura despejara verbas públicas numa agência de matrimônio. Os técnicos da CGU foram atrás. Descobriram o seguinte: pagou-se, na verdade, a manutenção de veículo do ministério numa oficina mecânica. Por equívoco da Receita Federal, a oficina fora classificada no Cadastro de Pessoas Físicas como intermediária de casamentos. Alertado, o fisco promoveu a correção.
4. Acusou-se o comando da Marinha de sacar o cartão para adquirir um bichinho de pelúcia. Era lorota. Comprou-se, na verdade, um pedaço de veludo. A loja trazia o vocábulo “pelúcia” na logomarca. Mas o pano foi usado para forrar uma bandeja que carrega medalhas em solenidades de condecoração militar.
5. Criticou-se a Marinha por ter manuseado o cartão corporativo numa casa chamada Beleza Cosméticos Ltda.. A compra destinava-se à aquisição de material de consumo para um curso de barbeiro ministrado na Escola de Fuzileiros Navais;
6. Atacou-se a Marinha, de novo, por conta da aquisição de uma caixa de bombons. Os chocolates serviram para retribuir gentilezas à esposa de uma autoridade militar estrangeira que visitou instalações navais do Brasil.
7. Noticiou-se o gasto de uma repartição pública numa loja que trazia o termo “joalheria” enganchado no nome. Compraram-se jóias? Não. Foram adquiridas baterias para um telefone celular.
8. Informou-se que, na Universidade de Uberlândia, até motoboy dispunha de cartão de crédito. Na verdade, tratava-se de um agente administrativo que tem entre suas atribuições a realização de compras emergenciais da reitoria.
Por acaso, o servidor vai às compras equilibrando-se numa motocicleta.
9. A própria CGU freqüentou o noticiário por ter mandado roupas para uma lavanderia. Foram à máquina de lavar toalhas de mesa usadas num evento festivo da repartição: o Natal dos funcionários.
10. Um servidor do setor de manutenção do Ministério das Comunicações ganhou notoriedade por ter mandado reparar o forro de uma mesa de sinuca. O móvel encontra-se na garagem do ministério há 16 anos, desde 1992. Traz a plaqueta de “patrimônio da União”. É usado como passatempo dos motoristas, nos horários de folga. Para a CGU, a despesa foi absolutamente legal.
11. Entre as supostas irregularidades praticadas pelo ministro Altemir Gregolin (Pesca) mencionou-se um gasto de R$ 70 feito na choperia Pingüim, em Ribeirão Preto (SP). Varejando as notas da prestação de contas, a CGU verificou que o cartão pagou uma refeição do ministro. Não há no documento menção a bebida alcoólica. Perscrutando a agenda de Gregolin, verificou-se que teve compromisso oficial na cidade no dia em que comeu na choperia mais famosa de Ribeirão.
Nem todas as miudezas escaparam à glosa da CGU. O próprio ministro da Pesca viu-se constrangido a devolver às arcas da Viúva R$ 538 –R$ 512 de um almoço que pagou, sem amparo legal, a uma delegação de autoridades chinesas e R$ 26 de uma outra refeição na qual dividiu a mesa com um acompanhante.
Também o custeio da tapioca do ministro Orlando Silva (Esportes) não pôde ser encaixado na lei. Como as suspeitas stenderam-se dos R$ 8,30 a gastos mais robustos, feitos em restaurantes e hotéis, o ministro optou pos restituir ao Tesouro os R$ 30,8 mil que gastara entre 2006 e 2007. Aguarda a conclusão de auditoria da CGU, para saber se terá direito a algum troco.Por ora, a CGU concluiu apenas a análise dos gastos de Gregolin.
Nos próximos dias, será encerrada a inspeção nos extratos da ex-ministra Matilde. O repórter apurou que ela terá de ressarcir aos cofres públicos uma cifra bem mais expressiva do que os R$ 461 que deixou numa loja de free shop. A auditoria de Orlando Silva será mais demorada.
Seja como for, parece recomendável que a nova CPI concentre-se no atacado dos gastos com cartões -as despesas à Matilde e os dispêndios secretos do Palácio do Planalto, por exemplo. Se deslizarem para a miudeza, os congressistas arriscam-se a ter de fazer uma outra CPI, dessa vez para investigar o teatro das comissões parlamentares de inquérito e a inutilidade de boa parte do noticiário.
3 comentários:
O buraco eh realmente muito mais embaixo!!!
Cervo™ $$$$$$$$$$$ Servo™
Certíssimo. Escorregar nas miudezas e cair na casca da banana. Mas, mesmo assim... Sempre me saltam algumas palavras que deixam a pulga atrás da orelha:
1) Por que é preciso comprar roupa de cama para parada transitória? Não se pode alugar, que é mais em conta? E de cada vez é necessário comprar? Em casa, eu costumo lavar…
2) Porque despesas programadas – como a do programa de desarmamento, são pagas com cartão? O cartão não é para coisas emergenciais? Idem para manutenção de veículos – não há contrato feito a partir de pregão para manutenção da frota pública? Eu, pelo menos, antes arrumar minha poderosa carroça, faço alguns orçamentos! Mas bem, talvez isto seja mania de pobre, que não cabe em um Estado rico, como o Brasil.
E por aí vai. Mas paro, antes que este comentário fique maior que o post! Só para finalizar: não me conformo em ter que pagar com meu rico dinheiro o Natal de quem quer que seja no funcionalismo publico. Este estado tem ou não tem separação com a Igreja? E durma-se com um barulho destes!
Gostei. Especialmente por abordar a inutilidade de certos noticiários.
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