Até o Fim da Terra por Maurício Santoro do BLOG Todos os fogos o fogo ver AQUI
Meu ritmo acadêmico neste fim de ano anda tranqüilo e tenho aproveitado para ler romances, em especial de autores do Oriente Médio. Já comentei aqui sobre Amós Oz e agora é a vez de David Grossman, cujo “A Mulher Foge” está em praticamente todas as listas dos melhores livros do ano, com sua mistura épica de guerra e amor.
O romance conta a história de Ora, uma mulher que resolve vagar pelo interior de Israel enquanto seu caçula, Ofer, serve o Exército na guerra do Líbano, em 2006. Ela acredita que se não puder ser contactada pelos militares, isso de algum modo protegerá o rapaz de morrer em combate. Ela é acompanhada em sua jornada por um ex-amante com quem pouco falava nas últimas décadas, mas que é o pai de seu filho, embora ela tenha se casado com outro homem.
A narrativa do triângulo amoroso é contada com grande sensibilidade, num prólogo inesquecível. Os três se conheceram adolescentes, isolados num hospital durante a Guerra dos Seis Dias (1967). Eles se tornam amigos inseparáveis, ainda que os dois rapazes disputem o amor de Ora. A história tem um desfecho trágico quando, no conflito do Yom Kippur (1973), Avram é capturado pelos egípcios e destruído psicologicamente pelas severas torturas que sofre na prisão. Apesar do apoio que o casal lhe dá, ele não consegue se recuperar e tem contatos apenas esporádicos com eles.
A jornada de Ora e Avram é, evidentemente, um acerto de contas com o passado, na medida em que a mulher recria com palavras a infância e juventude de Ofer, tentando compensar o pai pelos anos que perdeu da vida do filho. Difícil dizer o que é apenas ficção: Grossman escreveu o romance quando seu próprio caçula servia no Líbano, e ele morreu nas últimas horas da guerra, quando seu blindado foi destruído por um míssil disparado pelo Hezbolá. Os dois aparecem lado a lado na foto que abre este post.
Grossman despontou como escritor como um crítico da ocupação israelense da Cisjordânia e o modo como o conflito corrói as duas sociedades é belamente explorado neste romance. Na passagem que dá título à edição em inglês (To the End of the Land), Ora pede a um taxista árabe, velho amigo da família, que a conduza “até onde acaba o país”. Sua resposta: “Para mim, já acabou faz tempo”. Igualmente tocante é o despertar da identidade judaica de Ofer, ainda criança, quando decide que se chamará John e será inglês, povo que segundo ele “não tem inimigos”, ao passo que “todos querem matar os judeus, nossos feriados são todos sobre isso!”.
Há muita injustiça e violência na América Latina, mas somos amadores na arte de odiar. São necessários muitos séculos, talvez milênios, para aperfeiçoá-la ao ponto em que ela existe hoje no Oriente Médio. Não são dilemas políticos aptos a serem resolvidos de maneira racional, mas se há alguma esperança está na capacidade de empatia e compreensão, e a literatura é uma aposta tão boa quanto qualquer outra na aptidão humana por entender os sentimentos alheios.
Meu ritmo acadêmico neste fim de ano anda tranqüilo e tenho aproveitado para ler romances, em especial de autores do Oriente Médio. Já comentei aqui sobre Amós Oz e agora é a vez de David Grossman, cujo “A Mulher Foge” está em praticamente todas as listas dos melhores livros do ano, com sua mistura épica de guerra e amor.
O romance conta a história de Ora, uma mulher que resolve vagar pelo interior de Israel enquanto seu caçula, Ofer, serve o Exército na guerra do Líbano, em 2006. Ela acredita que se não puder ser contactada pelos militares, isso de algum modo protegerá o rapaz de morrer em combate. Ela é acompanhada em sua jornada por um ex-amante com quem pouco falava nas últimas décadas, mas que é o pai de seu filho, embora ela tenha se casado com outro homem.
A narrativa do triângulo amoroso é contada com grande sensibilidade, num prólogo inesquecível. Os três se conheceram adolescentes, isolados num hospital durante a Guerra dos Seis Dias (1967). Eles se tornam amigos inseparáveis, ainda que os dois rapazes disputem o amor de Ora. A história tem um desfecho trágico quando, no conflito do Yom Kippur (1973), Avram é capturado pelos egípcios e destruído psicologicamente pelas severas torturas que sofre na prisão. Apesar do apoio que o casal lhe dá, ele não consegue se recuperar e tem contatos apenas esporádicos com eles.
A jornada de Ora e Avram é, evidentemente, um acerto de contas com o passado, na medida em que a mulher recria com palavras a infância e juventude de Ofer, tentando compensar o pai pelos anos que perdeu da vida do filho. Difícil dizer o que é apenas ficção: Grossman escreveu o romance quando seu próprio caçula servia no Líbano, e ele morreu nas últimas horas da guerra, quando seu blindado foi destruído por um míssil disparado pelo Hezbolá. Os dois aparecem lado a lado na foto que abre este post.
Grossman despontou como escritor como um crítico da ocupação israelense da Cisjordânia e o modo como o conflito corrói as duas sociedades é belamente explorado neste romance. Na passagem que dá título à edição em inglês (To the End of the Land), Ora pede a um taxista árabe, velho amigo da família, que a conduza “até onde acaba o país”. Sua resposta: “Para mim, já acabou faz tempo”. Igualmente tocante é o despertar da identidade judaica de Ofer, ainda criança, quando decide que se chamará John e será inglês, povo que segundo ele “não tem inimigos”, ao passo que “todos querem matar os judeus, nossos feriados são todos sobre isso!”.
Há muita injustiça e violência na América Latina, mas somos amadores na arte de odiar. São necessários muitos séculos, talvez milênios, para aperfeiçoá-la ao ponto em que ela existe hoje no Oriente Médio. Não são dilemas políticos aptos a serem resolvidos de maneira racional, mas se há alguma esperança está na capacidade de empatia e compreensão, e a literatura é uma aposta tão boa quanto qualquer outra na aptidão humana por entender os sentimentos alheios.
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