Para além da espuma dos dias, por Joana Lopes, Portugal, Blog Entre as brumas da memória AQUI
Estou longe de ser admiradora incondicional de Boaventura Sousa Santos, e discordo muitas vezes do que escreve, mas li ontem grande parte do seu último livro (*) e destaco esta parágrafo que, sem trazer nada de novo, resume de um modo simples e directo muito do que penso e para que encontro pouco eco. Sem ter medo de «etiquetas», hoje politicamente incorrectas.
«O que é novo hoje é o facto de as classes populares se terem apropriado do ideal democrático, entrando no jogo democrático, apesar das condições adversas e das muitas frustrações, dando ao conceito e prática da democracia entendimentos novos e mais ricos (demagogia participativa), expandindo-se para campos sociais antes vedados ao jogo democrático (família, escola, comunidade, relações entre sexos e entre grupos étnicos, etc.) e conquistando através das lutas democráticas alguns direitos importantes. O ataque sistemático que o capitalismo global tem vindo a fazer a estas conquistas – um ataque que se torna mais virulento à medida que o capitalismo financeiro prevalece sobre o capital produtivo e o Estado – é vivido pelas classes populares como uma crise da democracia. A centralidade desta crise, sendo vivencial, é também estrutural; revela que o capitalismo só é compatível com formas muito pobres de democracia (democracia de baixa-densidade, semi-democracia, democracia política combinada com fascismo social). Assim sendo, deixa de fazer sentido discutir a crise do capitalismo fora do muro da crise da democracia (o que é novo para a esquerda) tal como deixa de fazer sentido não questionar o capitalismo como um obstáculo à democratização (o que é novo para a social-democracia). A luta pelo aprofundamento da democracia é necessariamente uma luta anti-capitalista.» (p. 85)
(O realce é meu.)
(*) Portugal. Ensaio contra a autoflagelação, Almedina.
«O que é novo hoje é o facto de as classes populares se terem apropriado do ideal democrático, entrando no jogo democrático, apesar das condições adversas e das muitas frustrações, dando ao conceito e prática da democracia entendimentos novos e mais ricos (demagogia participativa), expandindo-se para campos sociais antes vedados ao jogo democrático (família, escola, comunidade, relações entre sexos e entre grupos étnicos, etc.) e conquistando através das lutas democráticas alguns direitos importantes. O ataque sistemático que o capitalismo global tem vindo a fazer a estas conquistas – um ataque que se torna mais virulento à medida que o capitalismo financeiro prevalece sobre o capital produtivo e o Estado – é vivido pelas classes populares como uma crise da democracia. A centralidade desta crise, sendo vivencial, é também estrutural; revela que o capitalismo só é compatível com formas muito pobres de democracia (democracia de baixa-densidade, semi-democracia, democracia política combinada com fascismo social). Assim sendo, deixa de fazer sentido discutir a crise do capitalismo fora do muro da crise da democracia (o que é novo para a esquerda) tal como deixa de fazer sentido não questionar o capitalismo como um obstáculo à democratização (o que é novo para a social-democracia). A luta pelo aprofundamento da democracia é necessariamente uma luta anti-capitalista.» (p. 85)
(O realce é meu.)
(*) Portugal. Ensaio contra a autoflagelação, Almedina.
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