TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Ouvir argumentações diferentes é saudável!

Salve, ministro Brossard! por Orlando Tambosi, de Florianópolis
Lembro da palestra do então senador Paulo Brossard, em meados dos anos 70, quando eu ainda freqüentava a faculdade de Direito da UFSC, em Florianópolis. Ele era um dos grandes críticos da ditadura militar. Sempre com seu chapéu panamá, empolgava a platéia com sua dicção claríssima e pontual. Fico feliz em ver que, octogenário, critica agora os excessos do governo lulista, legítimo filhote da ditadura que todos combatíamos.
Surrupio a entrevista da Folha (conduzida por Graciliano Rocha, da agência Folha em Porto Alegre) na íntegra:
EX-MINISTRO do STF (Supremo Tribunal Federal), ex-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ex-ministro da Justiça (governo Sarney), o jurista gaúcho Paulo Brossard de Souza Pinto, 83, afirma que a exposição de suspeitos em operações da Polícia Federal é "abuso" e fere o princípio da presunção da inocência. O ex-ministro sustenta que algemas só devam ser usadas em suspeitos com possibilidade real de fuga ou de resistência. Fora disso, é "agressão gratuita". "Está havendo uma tolerância com o abuso", critica ele.
Segundo Brossard, o uso disseminado de grampos telefônicos em investigações indica um resquício de autoritarismo, "que destruiu o conceito de legalidade". Para ele, os juízes erram ao permitir que a quebra de sigilo seja regra. "O uso do poder é um convite ao excesso." Embora tenha evitado comentar detalhes da polêmica envolvendo a prisão e a liberação do banqueiro Daniel Dantas, Brossard afirma que a disputa entre instâncias do Judiciário abriu uma crise inédita e de conseqüências imprevisíveis para o Poder.
FOLHA - O sr. é um crítico da chamada "espetacularização" das ações da PF. O que há de errado?
PAULO BROSSARD - Há alguns fatos que estão acontecendo que são inequivocamente graves e também inéditos. De tudo que vem acontecendo, uma das coisas mais importantes que foram ditas pelo presidente do STF [Gilmar Mendes] é que o país está atravessando uma fase policialesca. A expressão, embora forte, é verdadeira. Pelo menos é verossímil. A interferência policial, sendo legítima, tudo bem, porque a polícia existe é para isso. Quando existe uma infração que se apresenta com a natureza penal, aí é obrigação, não é favor. O que me chama a atenção, ao mesmo tempo, é que está havendo uma tolerância com o abuso.
FOLHA - Que tipo de abuso pela PF?
BROSSARD - Se eu, amanhã, exercendo uma autoridade legal, me deparasse com uma situação em que o meu dever é prender alguém, eu não hesitaria, mas prenderia com a finalidade de chegar ao resultado mais útil com o menor dano.Uma coisa é prender uma pessoa condenada com uma pena a cumprir, onde não há uma necessidade de discrição. Agora, quando se trata de suposição de um crime, a conduta há de ser diferente, há de se levar em conta o que a Constituição estabeleceu, há de se levar em conta o patrimônio da humanidade. O que estou notando agora é que está se perdendo o apreço por essas garantias.
FOLHA - A prisão provisória não é um instrumento adequado para garantir que suspeitos, por exemplo, não destruam provas?
BROSSARD - A prisão provisória é legítima, desde que haja a observância daquelas regras que não são de agora. Para quê algemas? Haverá casos em que será necessário. Há casos em que há verdadeiros artistas em se evadir, neste caso a prudência recomenda as algemas. Mas há casos aí de pessoas em idade avançada, que não têm condições de correr. Algemar uma pessoa dessas é agressão gratuita. E para quê? Só para humilhar. Isso é estúpido e brutal.Fotografar, filmar e publicar é para achincalhar uma pessoa que pode ser autora de grandes responsabilidades ou não.Agora, num critério utilitário, o que é que isso ajuda? A Constituição garante ao preso, o preso condenado, que seja preservado na sua integridade física e moral. Então imagine aquele que está sendo preso porque está sendo investigado, porque há uma dúvida. Isso é um índice de falta de critério, quem parte daí não tem limites.
FOLHA - Quem está sendo tolerante com o abuso?
BROSSARD - É difícil dizer, são todos e não é ninguém. A sociedade se compõe de mil parcelas e não existe uma expressão adequada. Isso me impressiona vivamente. Por maiores que sejam os indícios, a pessoa que não é condenada deve ser considerada inocente. A presunção de inocência é uma norma de validade universal, salvo naturalmente naqueles países que ainda vegetam em tiranias. Estamos vivendo aqui um período de investigação judicial. Hoje não se faz uma investigação policial sem recorrer a [quebra de] sigilo. Isso não é normal. Haverá casos que será justificável, é por isso que se tem que requerer a um juiz e o juiz pode conceder ou não. Em geral, concede-se. Agora, isso não pode ser regra, porque é perigoso.
FOLHA - Mas os juízes aprovam quebras de sigilos depois que lhes são apresentados indícios.
BROSSARD - Os juízes também erram, os tribunais também erram, porque não são formados nem de santos nem de sábios.Estabelecer [a quebra do sigilo] numa mera investigação pode ser até útil, mas é preciso haver determinados limites. Há um velho princípio segundo o qual o uso do poder é um convite ao excesso. Uma pessoa bem intencionada que está fazendo uma investigação e encontra tropeços aqui e ali é tentada a transcender este óbice. É perigoso, sobretudo quando se dá secretamente. Vai acontecendo sem que ninguém saiba, salvo quem pratica ou quem sofre.Sabe-se como começa e não se sabe como termina, até porque pode estar em curso uma investigação comprometida.
FOLHA - Comprometida politicamente, o sr. quer dizer?
BROSSARD - Eu não tenho elementos. No tempo em que fui ministro da Justiça, não tive atritos com a Polícia Federal. Eu não posso dizer que esteja havendo isso, mas, no caso do R$ 1,7 milhão para a compra do dossiê contra o [então candidato a governador José] Serra [em 2006, quando duas pessoas ligadas ao PT foram presas tentando comprar supostas denúncias contra tucanos], onde parou aquele dinheiro? Eu pergunto porque não sei. A polícia procedeu com correção naquele caso ou não? Alguém respondeu pela compra de um instrumento de crime contra um cidadão que era candidato a governador? Alguém prestou contas disso? Ninguém. Isso não é correto e não fica bem à polícia, seja de que nível for.
FOLHA - A decisão do ministro Gilmar Mendes de soltar Daniel Dantas pela segunda vez e a forte reação das entidades que reúnem magistrados e procuradores em favor do juiz Fausto De Sanctis instalou uma crise no Judiciário?
BROSSARD - Eu não vou falar sobre qualquer coisa que esteja sub judice. Não falo sobre isso até porque já fui do tribunal. Eu acho graça porque "crise" é o vocábulo mais usado na língua portuguesa. Mas aí [atrito entre STF e instâncias inferiores] é crise mesmo. Crise é vida, o que está em crise está vivo -também aí, nisso que estamos vendo nos jornais. Eu estou com mais de 80 anos e não me lembro de ter visto isso, de ter lido isso em tempo algum.
FOLHA - O ministro Gilmar Mendes considerou que o juiz Sanctis se insurgiu contra o STF. Isso não fere o princípio da independência do juiz?
BROSSARD - Não posso comentar, é mérito. Faço uma generalização: em princípio, o juiz é independente, talvez nem todos saibam o que isso representa para ele e para a sociedade.
FOLHA - O sr. é favorável a que o juiz Sanctis responda ao Conselho Nacional de Justiça? Qual papel o CNJ deve desempenhar nessa crise?
BROSSARD - Repito que não falo sobre o que está sub judice. Eu já não estou no tribunal, mas é uma tarefa muito difícil a do Conselho Nacional de Justiça. Tem que usar poder com critério, mas acho que tem de haver alguém que tenha uma autoridade [sobre juízes]. O conselho tem essa finalidade.Quando estava no Senado, isso foi apresentado em uma daquelas reformas, combati e votei contra. Quando entrei no STF, mudei de opinião. Quantos juízes há no Brasil? O juiz deve ter todas as virtudes humanas e sobre-humanas, mas nem todos têm porque é a fragilidade da argila humana. É preciso que haja alguém que possa fazer alguma coisa na medida que possa fazer. Na ausência de solução melhor, o conselho foi um aperfeiçoamento.
FOLHA - Que desdobramentos essa disputa entre instâncias pode ter?
BROSSARD - Ninguém sabe, mas temo que não sejam bons.
FOLHA - De alguma maneira, as turbulências no Judiciário e a própria crítica do STF à ação da PF podem ter uma repercussão mais profunda, como no conceito de separação de Poderes no Brasil?
BROSSARD - No conceito de separação dos Poderes, não. Talvez o período autoritário tenha deixado seqüelas que nós não nos damos conta. De todos os males do autoritarismo, nenhum é superior à destruição do conceito de legalidade.Cumprir a lei se tornou quase uma coisa inimaginável e isso não se apaga de uma hora para outra. Uma coisa que também foi desaparecendo -em todas as entidades, em todas as Casas, em todos os Poderes- foram as referências não escritas.No mundo parlamentar, no mundo partidário, por exemplo, as Casas Legislativas tinham cardeais. Tinham a mesma investidura dos demais, mas a palavra deles era melhor acolhida, todo mundo sabia que não iriam dizer uma coisa que não fosse o bem da instituição. Essas referências não existem mais. Isso é visível em todos os setores. Faltam líderes.
FOLHA - Desde que o sr. deixou o Supremo, em 1994, o tribunal vem passando por mudanças. No julgamento das células-tronco, por exemplo, a corte ouviu pela primeira vez muitas entidades da sociedade civil. Para onde vai o STF?
BROSSARD - Realmente não havia precedente a esse respeito, mas naquele julgamento havia duas posições inconciliáveis. Foi um julgamento de alta categoria, das duas posições, histórico. Também é a primeira vez que um assunto desta natureza chega ao tribunal. É a necessidade que cria o hábito.
(Foto: Folha Imagem).

2 comentários:

Anônimo disse...

Soh nao eh saudavel ouvir argumentos diferentes para a minhas Faas e os CCCIs (Companheiros Comparsas Completamente Imbecis).

Cervo™ $$$$$$$$$$$ Servo™

Anônimo disse...

Me parece que o fato é que certas garantias constitucionais das quais fala o jurista já foram perdidas há muito (na verdade, nunca existiram) quando se trata de pessoas pobres. Agora voltam à tona quando se trata de prisão de ricos (e põe rico nisso, hem!!!). O problema, aqui, não são as garantias, mas saber se essa mesma cobrança por ´respeito aos direitos constitucionalmente estabelecidos´ vai se estender para as circunstâncias onde pobres e não-poderosos são afetados. Ora, disso já temos provas que não vai ocorrer: qual jurista ou ministro do supremo veio a público se manifestar com respeito às mortes da jovem paranaense ou do administrador carioca, ocorridas ainda esta semana? O fato, portanto (e a opinião pública, por pior que seja, não é burra, como alguns querem fazer crer) é que se algema é ´exagero´, quando se fala em ricos e poderosos, bala na cabeça é coisa pequena, quando a cabeça é de pobre!!!
JM

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