TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Brasiu


Do Blog de Roberto Romano
Roberto Romano Grosserias e jornalismo

Bruno Betelheim, um observador da alma, foi obrigado a suportar a violência nazista nos campos de concentração. Em textos quase insuportáveis, ele mostrou as técnicas usadas para quebrar a vontade e o auto-respeito dos judeus aprisionados. O primeiro ato é falar com os filhos de Israel sem as fórmulas civilizadas de polidez. Um judeu (o relato é corroborado por outras testemunhas, como Victor Klemperer) não mereceria o tratamento respeitoso consignado no vocábulo “senhor”, o conhecido “vós”. Num regresso ao Antigo Regime, quando os plebeus podiam ser tratados pelos aristocratas como “tu” (não importava a sua idade ou condição civil) os judeus deveriam ser chamados de modo a patentear a sua “inferioridade”. Os mesmos judeus não teriam direito aos títulos universitários e demais distinções por estudo e trabalho. Era proibido o seu tratamento como “doutor” e demais qualificações.
A sociedade brasileira caminha para algo próximo, dada a nossa corrosão ética. É triste ver guaranis mendigando, sem orgulho ou distinção. Se as mulheres e homens, jovens e crianças brasileiros soubessem que seguem célere para repetir aquela degradação, teriam cautela com a “informalidade” acanalhada que exigem para si e aplicam nos outros. “Senhora está no céu” dizem as candidatas à vida destribalizada. A versão masculina também existe. São pessoas que se envergonham da maturidade e desejam agradar aos jovens. Estes, sem modelos de respeito, julgam-se corretos ao atropelar nas calçadas os demais passantes, bater a porta no rosto de quem segue depois deles, etc. E também endereçam aos desconhecidos o tratamento de “você” (em São Paulo, o substituto prostituído do “vós”, fazendo as vezes do “tu”).
Nada que não tenha sido descrito por Platão, quando analisa a passagem para a tirania. No regime licencioso, supostamente democrático, diz o filósofo, os velhos temem ser tidos como autoritários e ultrapassados, imitam os jovens. Os professores têm medo de ensinar.
Existem muitos exemplos dessa barbárie ética brasileira. Aqui, um professor é tratado por “você”. Mas a bravata acaba na delegacia de polícia. O maroto que julga ridículo chamar um idoso ou professor de “senhor ou senhora”, mais o título acadêmico, ajoelha em lágrimas diante de um policial que exige, com armas e fardas, ser tratado como “doutor” (mesmo sendo apenas bacharel em Direito). Covardia manifesta: os “avançados” dobram a língua e tremem, as suas calças ou demais peças íntimas exalam o cheiro desagradável do medo em forma líquida.
E mesmo jornalistas agem assim. Outro dia, toca o telefone em minha casa. Minha esposa atende. “Quero falar com o Roberto”. Assim, sem bom-dia ou por favor. “Ele não está”. E a voz do outro lado: “Sou da revista X e tenho um questionário para ele responder até sexta-feira. Com quem falo?”. Minha esposa: “Com a mulher dele”. Replica a voz: “Pois bem, quero o telefone dele, agora”. “Não será possível a senhora falar com ele, pois é horário de aula, na Unicamp”. E a voz: “Anota aí o meu número e diz para ele me ligar”. O “tu” da frase é mais do que insultuoso. Minha esposa não anotou nada. Ao abrir o correio eletrônico, mensagem idêntica com um questionário ridículo, comum em “revistas femininas”. Não respondo e “deleto”. Dia seguinte, a voz cobra a resposta, sempre como o “você”, “tu” “faça”, “responda”. “Falei com alguém de sua casa, não me lembro bem, parece que o nome é Maria”. Se a voz tivesse cultura, saberia ter falado com a autora de livro posto entre os dez mais influentes no Brasil do século 20 (em votação acadêmica, na Folha de são Paulo). Não trabalho com partos, núcleo do questionário enviado. Indico a assessoria de imprensa da Unicamp que ajuda quem é polido, ou não. A voz desliga o telefone. Ah! Guimarães Rosa do bom Matraga: “Jesus, manso e humilde de coração, fazei meu coração semelhante ao vosso!”. Tenho paciência imensa com profissionais da imprensa. Mas o próximo jornalista que me tratar de “você” e ordenar coisas, será mandado ao inferno. Terei pena do diabo

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