TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009



PÁTRIOS E GENTÍLICOS
José Augusto Carvalho

Os gramáticos costumam usar os termos pátrio e gentílico como sinônimos. Celso Cunha e Lindley Cintra, em sua Nova gramática do português contemporâneo, estabelecem uma distinção que alguns dicionários registram: os adjetivos que se referem a continentes, países, estados, cidades, municípios ou regiões são os pátrios. Os que se referem a raças e povos são os gentílicos. Os pátrios opõem-se aos ádvenas, isto é, aos não-nativos. Infelizmente, aqueles autores não dão exemplos de gentílicos, mas apenas de pátrios.
Antes de prosseguirmos, convém-nos explicar o que significa a palavra hiperônimo. Hiperônimo é um nome mais genérico que se opõe a outro mais específico, chamado hipônimo. Por exemplo: cereal é um hiperônimo em relação a trigo ou a centeio; assento é hiperônimo em relação a cadeira, banco, poltrona, sofá, etc. Já gato, por exemplo, é hipônimo em relação a felino, mamífero e animal; flor é hipônimo em relação a vegetal ou a planta, mas é hiperônimo em relação a rosa ou a lírio.
Podemos dizer, portanto, que o gentílico atua como hiperônimo de adjetivos pátrios, como mesopotâmico, por exemplo, que compreende diversas nacionalidades: assírios, caldeus, sumérios e babilônicos. Semita é um gentílico que engloba vários nomes pátrios, como hebreus, assírios, aramaicos, fenícios, palestinos e árabes. Ameríndio, ameríncola e amerígena são hiperônimos de brasilíndio, que é hiperônimo de tupi, xavante, goitacá ou tememinó. Ameríndio é um gentílico, um hiperônimo, cujo significado abrange tanto os maias, os incas e os astecas quanto os sioux ou os navajos americanos e os tupinambás brasileiros.
Judeu, originalmente designativo do adepto do judaísmo (religião de Jesus Cristo), por força da tradição endogâmica, acabou por constituir um gentílico, o que nos permite falar em judeu brasileiro, judeu americano ou judeu húngaro. Assim, judeu israelita não constitui redundância, já que o primeiro elemento é gentílico, e o segundo é pátrio.
Malê é um gentílico que designa o escravo muçulmano procedente do Noroeste da África ou o seu descendente brasileiro. O nome malês, sinônimo de maliano ou malinês, é o pátrio que designa o nativo de Mali, república da África Ocidental, antigo Sudão. Assim, o plural malês (de malê, o gentílico) é igual ao singular malês (o pátrio que designa o nativo de Mali).
A propósito, o nome da cidade de Campos, deveria ser Campos dos Goitacás e não dos Goytacazes. O Aurélio registra o singular “goitacá”, embora o Houaiss registre o singular “goitacaz”, com base parcialmente na grafia registrada por Theodoro Sampaio, no livro O tupi na geographia nacional. Theodoro Sampaio, contudo, deve ter-se equivocado ao grafar “goytacaz”, porque dá como étimo a expressão “guay-atacá” (o indivíduo veloz, a gente andeja), e registra também a forma “Guaytacá”, no mesmo verbete. O –z final, certamente, é fruto de equívoco. Cf. Goiá, plural: Goiás.
Eis, por curiosidade, alguns pátrios reduzidos: luso, afro, anglo, sino (chinês), euro, franco, ítalo, nipo (japonês), teuto (alemão), austro, indo (indiano) e hispano (espanhol). Eis alguns pátrios interessantes: avaricense (Bourges), bagdali (Bagdá), bonaerense, buenairense (Buenos Aires), cairota (Cairo), bracarense (Braga), cingalês (Ceilão), congolês (Congo), ebúrneo, marfinense (Costa do Marfim), curdo (Curdistão), olisiponense, lisboeta, lisbonense, lisboano (Lisboa), soteropolitano (Salvador)... Além, é claro, dos capixabas e dos canelas-verdes (os nascidos em Vila Velha-ES).
Atente-se para o fato de que os pátrios em sua forma reduzida podem ser formas presas (isto é, não existem sozinhas e formam adjetivos compostos) ou formas livres (isto é, têm existência independente). Assim, “nipo”, “euro” e “sino”, por exemplo, são adjetivos presos: só se usam em nomes compostos: nipo-brasileiro, euro-asiático, sino-americano. Não se pode dizer “revolução sina”, mas apenas “revolução chinesa”, já que “sino” não tem existência independente. Mas é possível dizer “música afra”, “bandeira lusa”, porque “afro” e “luso” são formas livres que também podem ser usadas como formas presas: acordo luso-brasileiro, canção afro-portuguesa. Os bons dicionários normalmente registram as formas exclusivamente presas, nos verbetes próprios, com um tracinho depois: sino-, euro-, nipo-. As formas livres não têm esse hífen depois: afro, luso.

(José Augusto Carvalho é Mestre em Linguística pela Unicamp, Doutor em Letras pela USP e professor no Mestrado em Linguística da Universidade Federal do ES.)

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