De Roberto Romano
Recebi e repasso a todos os interessados e amigos.
Prezado amigo, professor Romano, agradeço a divulgação deste vídeo entre os outros seus amigos.
Primeiro os que têm perdido a esperança, para que voltem aos sonhos e à vida...
Francisco Fernandes de Araújo.
A mensagem está pronta para ser enviada com estes anexos de arquivo ou link:
Atalho para: http://www.youtube.com/watch?v=3O5ODMW9-Bw
Prezado amigo, professor Romano, agradeço a divulgação deste vídeo entre os outros seus amigos.
Primeiro os que têm perdido a esperança, para que voltem aos sonhos e à vida...
Francisco Fernandes de Araújo.
A mensagem está pronta para ser enviada com estes anexos de arquivo ou link:
Atalho para: http://www.youtube.com/watch?v=3O5ODMW9-Bw
Revista Neo-Mundo. Coordenada por Gabriel Arcanjo Nogueira.
Edição 37/set. 2010.
Sob império disfarçado
Seção: Editorias - Categoria: Perfil
Escrito por Gabriel Arcanjo Nogueira Seg, 20 de Setembro de 2010 14:22
Roberto Romano, doutor em Filosofia Política e professor titular de Ética e Filosofia Política da Unicamp, é categórico: o que há no Brasil é uma falsa federação ou, como dizem juristas, vivemos sob império disfarçado. Para o cientista político, a boa notícia seria uma ruptura com as oligarquias para mudar o cenário sociopolítico nacional.
NEO MONDO traz, neste Perfil, sua contribuição para candidatos e eleitores clarearem suas ideias e suas práticas sobre temas de suma importância não só da política partidária, mas da cidadania, do meio ambiente, da ética.
NEO MONDO: Estamos em mais um ano eleitoral, para escolher os governantes majoritários. Que diferença fundamental o senhor vê no atual quadro político-partidário em relação a períodos anteriores da República?
Roberto Romano: Quase nenhuma diferença. Os partidos políticos ainda são dirigidos por oligarquias minúsculas que se comportam como proprietárias das siglas. Em determinadas agremiações os coordenadores estão no poder interno após décadas e décadas. Eles decidem tudo sem nenhuma consulta séria aos militantes da base partidária. Programas (que são jogados ao lixo na primeira oportunidade eleitoreira), candidatos, propaganda, alianças, tudo se decide em pequeno grupo de líderes. Não temos ainda eleições primárias reais nos partidos, de modo que os eleitores escolham todos os itens que formam a ossatura programática e decisória. Enquanto os partidos políticos brasileiros não forem democratizados internamente, veremos o triste espetáculo das eleições que mais se parecem com imenso balcão de venda e compras de votos. A lei da ficha limpa, apesar de todos os seus equívocos, ajuda a melhorar o quadro geral. Se fosse conseguido o fim do privilégio de foro para os políticos, com participação popular expressiva quanto a que ocorreu no caso daquela lei (mais de 2 milhões de apoios populares), poderíamos dizer que algo se modificou substancialmente na política nacional.
NEO MONDO: Passado o ciclo de ditaduras militares, seguido pelo de presidentes messiânicos neoliberais, estaríamos em um ciclo de poder-se eleger políticos comprometidos, ao menos em tese, com conquistas sociais, e não vindos das tradicionais oligarquias. O senhor concorda com essa visão do atual momento político-partidário brasileiro?
Roberto Romano: É preciso ir às causas. O defeito maior de nossa vida política e cívica encontra-se na falsa federação brasileira. Na verdade, como afirmam juristas prudentes, temos de fato um império disfarçado. Não possuímos municípios com autonomia, em especial financeira. Aliás, nunca tivemos municípios em nossa história. Municípios são um invento da república romana. Nenhum outro império antigo conheceu a instituição do município. A Grécia, por exemplo, só teve cidades-estado, não municípios. Estes últimos eram um complexo de autonomia concedido às cidades aliadas de Roma, que ao se integrarem no império romano guardavam sua autonomia de culto, de justiça com autoridades civis e impostos próprios. Com a queda do Império do Ocidente, os municípios resistiram às invasões bárbaras, aos senhores feudais, à igreja também feudal. Eles também resistiram ao nascente Estado moderno centralizado. Foi com muita luta que o rei centralizador conseguiu vencer, apenas em parte, a resistência de municípios europeus. O começo da intervenção real nos municípios, que lhes diminuiu a autonomia, foi no Renascimento, por volta do século 15 e 16.
NEO MONDO: Onde entra o Brasil na história?
Roberto Romano: Ora, é neste momento que o Brasil passou a existir, ou seja, já sob um centralismo absolutista que não reconhecia autonomias financeiras e jurídicas municipais. Nossas cidades foram, desde o início, originadas como entrepostos comerciais ou bélicos. Elas não tinham a tradição de luta e de autonomia conhecida pelos municípios europeus. Assim, desde o começo de nossa vida política, tivemos uma crônica de centralização excessiva e abusiva dos poderes centrais, tanto na Colônia quanto no império e na república. Aqui tudo é centralizado no núcleo do poder. Leis uniformes são impostas, sem considerar as diferenças regionais de cultura, economia etc. Em federações já muito centralizadas, como a norte-americana, os Estados e cidades possuem larga margem de autonomia diante do poder central. Aqui não. Resulta que a maior parte dos impostos segue diretamente para os cofres federais com retorno penoso aos municípios.
O único meio de conseguir obras e verbas para as regiões e urbes é praticando, no Congresso Nacional, a política corrupta e corruptora do “é dando que se recebe”. E as populações locais, embora condenando da boca para fora os “corruptos de Brasília”, só votam nos deputados, senadores, governadores e prefeitos que trazem verbas para a sua região. Ou seja, temos uma ética servil e, não raro, hipócrita vigorando entre políticos e população. Sem federalizar de fato o país (tarefa árdua que exigiria muitos e muitos anos e iniciativas corajosas de verdadeiros estadistas), o Brasil continuará a terra dos coronéis que, em oligarquia, vendem seus votos ao ou exercem chantagens sobre os presidentes da República, pouco importa a coloração ideológica ostentada por eles.
NEO MONDO: Como a população poderia de fato pensar e agir pelo bem comum?
Roberto Romano: Se existisse de fato uma ruptura com as oligarquias que servem de canal entre cidades/Estados e Brasília, levando recursos para as regiões em troca de votos congressuais para o Executivo federal, teríamos uma excelente notícia. Infelizmente não é o que assistimos.
NEO MONDO: É possível ter uma ideia clara sobre se, hoje, há moral em algum dos partidos que disputam a Presidência, para ficarmos apenas no cargo de maior peso nos destinos do País?
Roberto Romano: Existe a moral correta em muitos partidos. Mas moral não é ética. Esta última opera coletivamente nos partidos e na sociedade, sendo vincada de hábitos não democráticos e não igualitários. Assim, vários segmentos políticos trazem percepção e prática moral nova ao quadro nacional. Mas enquanto a ética dos partidos e de boa parte da sociedade for a ética do favor, da violência face a face, da esperteza, não teremos mudanças morais significativas.
NEO MONDO: Em outras palavras, a ética na política ainda é possível?
Roberto Romano: A ética é o complexo de hábitos, posturas, orientações intelectuais e volitivas que definem uma coletividade. Tais hábitos, uma vez inseridos no cotidiano, tendem a se transformar em uma espécie de segunda natureza, sendo praticados de modo automático. Uma das tarefas mais difíceis da política é mudar hábitos que se transformaram em ética. No mundo moderno, apenas revoluções virulentas (como a inglesa do século 17, a norte-americana e a francesa do 18, as revoluções democráticas e socialistas dos séculos 19 e 20) mudaram hábitos tradicionais arraigados. Se eles melhoraram ou não, é discutível. Mas mudar a ética é uma tarefa gigantesca, só possível em prazo longo e com muito empenho no sentido do Bem Comum.
NEO MONDO: Há políticos mais ou menos prontos para as responsabilidades que os aguardam, aí nos mais diversos níveis de poder, seja Legislativo seja Executivo?
Roberto Romano: Sim, existem políticos empenhados no Bem coletivo, em todos os segmentos e partidos. Mas eles são presos em verdadeiras jaulas burocráticas e oligárquicas, que não raro lhes retiram todo entusiasmo democrático, igualitário, de justiça etc. Se encontramos um político assim, nosso dever é dar-lhes o máximo apoio, porque nada mais solitário do que ser justo em estruturas sociais ou políticas injustas.
NEO MONDO: O senhor tem, como poucos, a capacidade de conciliar conhecimento e clareza em transmiti-lo. O que cabe a cada eleitor(a) pesar no momento da escolha e, de outro lado, que aspectos cada candidato deve levar em conta para corresponder a essas expectativas?
Roberto Romano: Deve ponderar em especial a prudência e humildade verdadeiras dos candidatos. Se eles forem arrogantes, jamais aprenderão lições políticas que sejam eficazes para o respeito do eleitor. Além disso, o que pretende fazer o referido candidato. Candidatos que prometem coisas que seriam de um âmbito bem maior ao seu (por exemplo, que caberiam à Presidência da República ou à ONU, sendo a pessoa aspirante a um cargo menor) não mostram prudência e saber (não me refiro, de modo algum, a saber científico ou técnico, mas ao saber prudencial, o que se adquire com o tempo e com a educação política).
NEO MONDO: É possível vislumbrar alguma agenda verde dos partidos? Ou basta termos um partido com sigla que lembra a causa?
Roberto Romano: O Partido Verde foi pioneiro da referida agenda e deve ser elogiado por sua coragem. Hoje, graças ao seu labor, os demais partidos notaram que a pauta verde corresponde a fortes anseios da humanidade e dos brasileiros. Esperemos que tais partidos não usem apenas aquela trilha como instrumento para captar votos, mas que inscrevam suas determinações no cotidiano político e jurídico nacional.
NEO MONDO: A escola no Brasil, desde o pré às instituições de ensino superior, pode fazer o que para que o meio ambiente se torne matéria obrigatória? E aos governos o que compete nesse mesmo sentido?
Roberto Romano: Sim, me parece que é preciso aprender, desde os mais tenros anos, a respeitar o pequeno mundo que nos foi reservado.
As ciências e as técnicas, bem como as artes e as humanidades, deveriam mostrar o quanto estamos em simbiose com o nosso planeta. Aos governos, deveria caber a tarefa de bem administrar nosso trato com o meio ambiente. Seria um exemplo notável. Infelizmente estamos muito longe de tal coisa.
NEO MONDO: O senhor partilha da tese, defendida por exemplo pelo pensador Leonardo Boff, da governança planetária como saída para salvar a Mãe Terra? O que fazer para viabilizá-la?
Roberto Romano: Não partilho desse programa político, embora o respeite. Creio que será preciso ainda muito tempo até que ocorra uma transformação na humanidade, a partir da qual os Estados nacionais deixarão de ser o sustentáculo dos povos. O problema da governança planetária é o mesmo, mudada a urgência, dos planos de paz elaborados na modernidade, como é o caso dos planos de Paz Perpétua. Enquanto existir guerra para usufruto dos bens materiais do planeta, é muito difícil se falar em acordo ou harmonia política global.
NEO MONDO: A arquiteta, com especialização em filosofia e meio ambiente, Vania Velloso, fala em re-educação pela sustentabilidade. Algo como uma saída para sanar o caos urbano, a degradação de recursos hídricos. Deve-se começar por onde: nas escolas ou nos gabinetes políticos?
Roberto Romano: Como disse antes, uma das tarefas mais árduas é modificar uma ética que se definiu como segunda natureza. Creio que a educação escolar pode fazer sua parte, bem como os gabinetes políticos. Mas apenas uma prática volitiva e a cada hora mais urgente pode trazer mudanças significativas. Vejam-se a lei contra a bebida alcoólica e a lei contra o cigarro: só com muita atividade dos médicos, ecologistas, jornalistas, juristas, professores, sacerdotes, elas apresentam hoje alguma chance de se instalar nas pessoas, gerando novos hábitos. A guerra movida contra tais leis mostra o quanto é difícil mudar posturas éticas negativas.
NEO MONDO: Citando Frei Betto, a principal crítica que ele faz ao governo Lula é que se passaram 8 anos, e nenhuma das reformas estruturais foi feita: nem agrária nem tributária nem política nem a da saúde nem a da educação. Em que ordem de importância o senhor as colocaria e por quê?
Roberto Romano: A escolha do presidente e de seu partido pelas formas estabelecidas no Estado brasileiro (conivência com oligarquias e oligarcas, alianças conservadoras e pouco republicanas, política econômica que favorece mais o capital financeiro etc.) impediu que iniciativas democráticas fossem assumidas com radicalidade. Por exemplo: quais passos foram dados para marcar uma nova prática federativa no Brasil no período Lula? Poucos.
Se somarmos os poucos passos dados em governos anteriores, veremos que a soma só leva à reprodução do centralismo excessivo, que impede a iniciativa dos municípios e de seus cidadãos. Uma iniciativa formidável do PT, antes de chegar ao poder, era o Orçamento Participativo. Ele seria um educador coletivo que geraria lideranças para a dura tarefa das reformas, pois estas últimas não podem vir apenas de cima. O que ocorreu com iniciativas como a do Orçamento Participativo?
NEO MONDO: O senhor conhece ou participou de algum estudo a respeito de como encaminhar essas pendências? A Unicamp, por exemplo, realizou algum trabalho nesse sentido?
Roberto Romano: Existem trabalhos de grupos e setores. Mas uma crítica que sempre faço é que nenhuma universidade brasileira se empenha coletivamente no estudo das questões nacionais. Este é um ponto negativo em nossas excelentes universidades públicas.
NEO MONDO: A seu ver, o meio acadêmico-científico nacional é ouvido na medida certa por empresas e governos, e mesmo ONGs? Há algum caso bem-sucedido de parceria que envolva esses segmentos sociais?
Roberto Romano: Existem, sim, casos de estudos e parcerias grupais ou em âmbito restrito. Eles são bem-sucedidos. Mas creio ser tempo de as universidades elaborarem, com os governos e sociedade, planos de estudo e inserção definidos rigorosamente.
A TEORIA QUE NA PRÁTICA VALE
“Gosto de música, das artes em geral e de poesia. Na verdade, no meu trabalho em Filosofia, sempre insiro a estética e a política. Num de meus livros, Conservadorismo Romântico, falo justamente sobre a arte romântica na política conservadora dos séculos XIX e XX, sobre a Doutrina das Cores de Goethe. Para mim, a estética, a política e a ética têm de ser vistas sob o prisma da beleza e da verdade.”
Dessa maneira, Roberto Romano faz a sua apresentação pela internet.
Mais que isso, mostra - a exemplo de sua dedicação a pesquisas, dos cinco livros escritos como autor e outros tantos como colaborador, dos artigos e entrevistas em publicações brasileiras e das conferências e palestras no Brasil e no exterior - que, para ele, a teoria na prática é que vale.
A TEORIA
• Graduado em Filosofia pela USP.
• Pós-graduação na USP e na Escola de Altos Estudos Sociais de Paris, onde se doutorou em 1978.
• Livre docente adjunto e professor titular da Unicamp. Foi diretor Associado da Faculdade de Educação.
• Membro da Cadi, integrou o Consu e a Congregação do IFCH. Leciona História da Filosofia Moderna na graduação e Ética e Filosofia na pós-graduação do IFCH.
NA PRÁTICA
• Pesquisador 1-A do CNPq. Orientou dez dissertações
de mestrado e cinco teses de doutoramento.
• Assessor ad hoc do CNPq, da Capes, da Fapesp,
da Faperj, da Fapemig e do Faep.
• Coordenou durante dois anos a Frente Nacional
em Defesa da Ciência e Tecnologia.
• Foi presidente da Comissão de Perícias da Unicamp, no período em que resolveu, de modo positivo, a questão das “Ossadas de Perus”.
• Distinguido, em 2000, pela Associação Juízes para
a Democracia como defensor dos direitos humanos no Brasil.
PERIPÉCIAS DE UM CONFERENCISTA
Na elaboração desta matéria, entrevistado e entrevistador divagam um pouco sobre os tempos em que estudaram Filosofia, na capital paulista. Era o período de vigência do famigerado AI 5, “coisas desagradáveis acontecendo....”. O primeiro virou brilhante pensador; o segundo, jornalista que dá pro gasto.
Roberto tem um jeito peculiar de relembrar, mais que isso, a origem do nome. “Minha família viveu em Itapeva (SP) e, mais particularmente, no antigo Núcleo Colonial Barão de Antonina. Minha madrinha de batismo, minha avó, era católica fervorosa. Tanto que deu o nome de ‘Romano’ ao meu pai, em homenagem à Igreja Católica Apostólica Romana. Assim, ‘Romano’ não é nome de família, mas apenas de meu pai, como em Luiz Carlos, e dos filhos dele. Na verdade o nome de família é português (da Silva), e outros nomes de minha família são Ribeiro, Marins, Salles. Como vê, nada de italiano.
“Tenho passado coisas engraçadas por causa do nome/sobrenome. Certa feita eu iria fazer uma palestra na Associação Judaica. Enquanto esperava o começo, na porta de entrada, chegou-se a mim um velhinho muito velhinho mesmo. Deu um abraço e me disse em belíssimo italiano: ‘Tenho muito prazer de ouvir um intelectual como o senhor, de origem italiana’. Era o cônsul honorário da Itália em São Paulo. Atordoado, sussurrei para um outro velhinho judeu, ao qual muito respeito, perguntando o que eu deveria fazer. ‘Finja’, me disse ele baixinho. Então repliquei ao primeiro velhinho, em italiano, que a honra era minha, de ter como ouvinte um outro italiano... É o que Torquato Acetto chamaria Dela dissimulazione onesta...”
“O MUNDO CAMINHA PARA O FASCISMO”
Em um dos livros de que participou: Tiradentes, um presídio da ditadura, Roberto escreveu apenas um capítulo. Espaço suficiente para relatar e analisar o período em que o Brasil viveu sob o terror estatal, com projeções que soam como alerta. Reproduzo alguns trechos.
“A cada instante, a violência mostrava soberania. Alguém, ao lado, enlouqueceu de fato. Músicas variadas, conforme a visão dos prisioneiros, eram entoadas. Católicos berravam um absurdo: ‘ Vai trabalhar pelo mundo afora, eu estarei até o fim contigo’. Liberais cantavam a ‘Marselhesa´. Comunistas repetiam as novas versões da ‘Internacional´. Sangue, sons, corpos esmagados. Almas jogadas entre o medo e a esperança. Salve regina ... cantavam de vez em quando os frades. Clima de pentecostes com apocalipse.”
Roberto é implacável ante a complacência de quem estava à frente da Igreja paulistana na época ou era influente sobre ela. “D. Rossi deu uma declaração ao Estado de S. Paulo: ‘ Se eles, os dominicanos, de fato falsificaram documentos, serão expulsos da Igreja´. Santo homem. Fiquei na cela, durante dias, sem ser molestado. Enquanto isso, os frades continuavam a ser interrogados, tanto pelo delegado Fleury quanto na delegacia de cultos. Do fundo de uma cortina, foi-lhes dirigida a palavra por uma voz inconfundível, a de Lenildo Tabosa Pessoa. A náusea atingia seu ponto máximo.”
Roberto não poupa também a ignorância tragicômica dos que desconheciam as regras básicas da clandestinidade. “A primeira e suprema é o cuidado com a língua”, constata. Antes tivessem lido “Plutarco sobre a curiosidade e a garrulice”, lamenta. Para o professor de Ética e Filosofia Política, “foi semelhante exército de Brancaleone que enfrentou o monopólio da força física estatal, potencializado pela ditadura e pela propaganda da imprensa”.
Roberto questiona: “Quantos adversários do regime tinham uma noção aproximada de seu perfil, de sua dinâmica, de seu alcance?”. E defende “a importância da educação cidadã, teórica e prática”, ao discorrer:
“O cabresto ideológico, os preconceitos, a fé absoluta no valor das ideologias, a repressão interna nos partidos, o velho oportunismo, tudo isso armou os militantes com instrumentos letais, mas desarmou a sua inteligência, embotando-a. Quem deseja libertar um povo através desses meios cumpre uma tarefa impossível e indesejável. Foi essa a lição que eu tirei da época. Espero que semelhante autoritarismo... seja banido do universo espiritual brasileiro.
“Com a ‘ globalização’ da miséria e o renascimento dos vários neofascismos - na esteira do desemprego, com a hegemonia das finanças sobre a produção -, precisamos de pessoas lúcidas, corajosas, conhecedoras do mundo em que vivem, sem medo ou esperança, mas com força para entender e agir de modo livre. E isso, cada vez mais, é difícil de se encontrar ...
“...E o mundo
Roberto Romano: Não partilho desse programa político, embora o respeite. Creio que será preciso ainda muito tempo até que ocorra uma transformação na humanidade, a partir da qual os Estados nacionais deixarão de ser o sustentáculo dos povos. O problema da governança planetária é o mesmo, mudada a urgência, dos planos de paz elaborados na modernidade, como é o caso dos planos de Paz Perpétua. Enquanto existir guerra para usufruto dos bens materiais do planeta, é muito difícil se falar em acordo ou harmonia política global.
NEO MONDO: A arquiteta, com especialização em filosofia e meio ambiente, Vania Velloso, fala em re-educação pela sustentabilidade. Algo como uma saída para sanar o caos urbano, a degradação de recursos hídricos. Deve-se começar por onde: nas escolas ou nos gabinetes políticos?
Roberto Romano: Como disse antes, uma das tarefas mais árduas é modificar uma ética que se definiu como segunda natureza. Creio que a educação escolar pode fazer sua parte, bem como os gabinetes políticos. Mas apenas uma prática volitiva e a cada hora mais urgente pode trazer mudanças significativas. Vejam-se a lei contra a bebida alcoólica e a lei contra o cigarro: só com muita atividade dos médicos, ecologistas, jornalistas, juristas, professores, sacerdotes, elas apresentam hoje alguma chance de se instalar nas pessoas, gerando novos hábitos. A guerra movida contra tais leis mostra o quanto é difícil mudar posturas éticas negativas.
NEO MONDO: Citando Frei Betto, a principal crítica que ele faz ao governo Lula é que se passaram 8 anos, e nenhuma das reformas estruturais foi feita: nem agrária nem tributária nem política nem a da saúde nem a da educação. Em que ordem de importância o senhor as colocaria e por quê?
Roberto Romano: A escolha do presidente e de seu partido pelas formas estabelecidas no Estado brasileiro (conivência com oligarquias e oligarcas, alianças conservadoras e pouco republicanas, política econômica que favorece mais o capital financeiro etc.) impediu que iniciativas democráticas fossem assumidas com radicalidade. Por exemplo: quais passos foram dados para marcar uma nova prática federativa no Brasil no período Lula? Poucos.
Se somarmos os poucos passos dados em governos anteriores, veremos que a soma só leva à reprodução do centralismo excessivo, que impede a iniciativa dos municípios e de seus cidadãos. Uma iniciativa formidável do PT, antes de chegar ao poder, era o Orçamento Participativo. Ele seria um educador coletivo que geraria lideranças para a dura tarefa das reformas, pois estas últimas não podem vir apenas de cima. O que ocorreu com iniciativas como a do Orçamento Participativo?
NEO MONDO: O senhor conhece ou participou de algum estudo a respeito de como encaminhar essas pendências? A Unicamp, por exemplo, realizou algum trabalho nesse sentido?
Roberto Romano: Existem trabalhos de grupos e setores. Mas uma crítica que sempre faço é que nenhuma universidade brasileira se empenha coletivamente no estudo das questões nacionais. Este é um ponto negativo em nossas excelentes universidades públicas.
NEO MONDO: A seu ver, o meio acadêmico-científico nacional é ouvido na medida certa por empresas e governos, e mesmo ONGs? Há algum caso bem-sucedido de parceria que envolva esses segmentos sociais?
Roberto Romano: Existem, sim, casos de estudos e parcerias grupais ou em âmbito restrito. Eles são bem-sucedidos. Mas creio ser tempo de as universidades elaborarem, com os governos e sociedade, planos de estudo e inserção definidos rigorosamente.
A TEORIA QUE NA PRÁTICA VALE
“Gosto de música, das artes em geral e de poesia. Na verdade, no meu trabalho em Filosofia, sempre insiro a estética e a política. Num de meus livros, Conservadorismo Romântico, falo justamente sobre a arte romântica na política conservadora dos séculos XIX e XX, sobre a Doutrina das Cores de Goethe. Para mim, a estética, a política e a ética têm de ser vistas sob o prisma da beleza e da verdade.”
Dessa maneira, Roberto Romano faz a sua apresentação pela internet.
Mais que isso, mostra - a exemplo de sua dedicação a pesquisas, dos cinco livros escritos como autor e outros tantos como colaborador, dos artigos e entrevistas em publicações brasileiras e das conferências e palestras no Brasil e no exterior - que, para ele, a teoria na prática é que vale.
A TEORIA
• Graduado em Filosofia pela USP.
• Pós-graduação na USP e na Escola de Altos Estudos Sociais de Paris, onde se doutorou em 1978.
• Livre docente adjunto e professor titular da Unicamp. Foi diretor Associado da Faculdade de Educação.
• Membro da Cadi, integrou o Consu e a Congregação do IFCH. Leciona História da Filosofia Moderna na graduação e Ética e Filosofia na pós-graduação do IFCH.
NA PRÁTICA
• Pesquisador 1-A do CNPq. Orientou dez dissertações
de mestrado e cinco teses de doutoramento.
• Assessor ad hoc do CNPq, da Capes, da Fapesp,
da Faperj, da Fapemig e do Faep.
• Coordenou durante dois anos a Frente Nacional
em Defesa da Ciência e Tecnologia.
• Foi presidente da Comissão de Perícias da Unicamp, no período em que resolveu, de modo positivo, a questão das “Ossadas de Perus”.
• Distinguido, em 2000, pela Associação Juízes para
a Democracia como defensor dos direitos humanos no Brasil.
PERIPÉCIAS DE UM CONFERENCISTA
Na elaboração desta matéria, entrevistado e entrevistador divagam um pouco sobre os tempos em que estudaram Filosofia, na capital paulista. Era o período de vigência do famigerado AI 5, “coisas desagradáveis acontecendo....”. O primeiro virou brilhante pensador; o segundo, jornalista que dá pro gasto.
Roberto tem um jeito peculiar de relembrar, mais que isso, a origem do nome. “Minha família viveu em Itapeva (SP) e, mais particularmente, no antigo Núcleo Colonial Barão de Antonina. Minha madrinha de batismo, minha avó, era católica fervorosa. Tanto que deu o nome de ‘Romano’ ao meu pai, em homenagem à Igreja Católica Apostólica Romana. Assim, ‘Romano’ não é nome de família, mas apenas de meu pai, como em Luiz Carlos, e dos filhos dele. Na verdade o nome de família é português (da Silva), e outros nomes de minha família são Ribeiro, Marins, Salles. Como vê, nada de italiano.
“Tenho passado coisas engraçadas por causa do nome/sobrenome. Certa feita eu iria fazer uma palestra na Associação Judaica. Enquanto esperava o começo, na porta de entrada, chegou-se a mim um velhinho muito velhinho mesmo. Deu um abraço e me disse em belíssimo italiano: ‘Tenho muito prazer de ouvir um intelectual como o senhor, de origem italiana’. Era o cônsul honorário da Itália em São Paulo. Atordoado, sussurrei para um outro velhinho judeu, ao qual muito respeito, perguntando o que eu deveria fazer. ‘Finja’, me disse ele baixinho. Então repliquei ao primeiro velhinho, em italiano, que a honra era minha, de ter como ouvinte um outro italiano... É o que Torquato Acetto chamaria Dela dissimulazione onesta...”
“O MUNDO CAMINHA PARA O FASCISMO”
Em um dos livros de que participou: Tiradentes, um presídio da ditadura, Roberto escreveu apenas um capítulo. Espaço suficiente para relatar e analisar o período em que o Brasil viveu sob o terror estatal, com projeções que soam como alerta. Reproduzo alguns trechos.
“A cada instante, a violência mostrava soberania. Alguém, ao lado, enlouqueceu de fato. Músicas variadas, conforme a visão dos prisioneiros, eram entoadas. Católicos berravam um absurdo: ‘ Vai trabalhar pelo mundo afora, eu estarei até o fim contigo’. Liberais cantavam a ‘Marselhesa´. Comunistas repetiam as novas versões da ‘Internacional´. Sangue, sons, corpos esmagados. Almas jogadas entre o medo e a esperança. Salve regina ... cantavam de vez em quando os frades. Clima de pentecostes com apocalipse.”
Roberto é implacável ante a complacência de quem estava à frente da Igreja paulistana na época ou era influente sobre ela. “D. Rossi deu uma declaração ao Estado de S. Paulo: ‘ Se eles, os dominicanos, de fato falsificaram documentos, serão expulsos da Igreja´. Santo homem. Fiquei na cela, durante dias, sem ser molestado. Enquanto isso, os frades continuavam a ser interrogados, tanto pelo delegado Fleury quanto na delegacia de cultos. Do fundo de uma cortina, foi-lhes dirigida a palavra por uma voz inconfundível, a de Lenildo Tabosa Pessoa. A náusea atingia seu ponto máximo.”
Roberto não poupa também a ignorância tragicômica dos que desconheciam as regras básicas da clandestinidade. “A primeira e suprema é o cuidado com a língua”, constata. Antes tivessem lido “Plutarco sobre a curiosidade e a garrulice”, lamenta. Para o professor de Ética e Filosofia Política, “foi semelhante exército de Brancaleone que enfrentou o monopólio da força física estatal, potencializado pela ditadura e pela propaganda da imprensa”.
Roberto questiona: “Quantos adversários do regime tinham uma noção aproximada de seu perfil, de sua dinâmica, de seu alcance?”. E defende “a importância da educação cidadã, teórica e prática”, ao discorrer:
“O cabresto ideológico, os preconceitos, a fé absoluta no valor das ideologias, a repressão interna nos partidos, o velho oportunismo, tudo isso armou os militantes com instrumentos letais, mas desarmou a sua inteligência, embotando-a. Quem deseja libertar um povo através desses meios cumpre uma tarefa impossível e indesejável. Foi essa a lição que eu tirei da época. Espero que semelhante autoritarismo... seja banido do universo espiritual brasileiro.
“Com a ‘ globalização’ da miséria e o renascimento dos vários neofascismos - na esteira do desemprego, com a hegemonia das finanças sobre a produção -, precisamos de pessoas lúcidas, corajosas, conhecedoras do mundo em que vivem, sem medo ou esperança, mas com força para entender e agir de modo livre. E isso, cada vez mais, é difícil de se encontrar ...
“...E o mundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário