TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

De Roberto Romano. AQUI
Correio Popular de Campinas
Publicada em 15/9/2010
Sofismas e marketing político

Em artigo anterior discuti a propaganda autoritária. Citei o pensador Serge Tchakhotine e seu livro publicado em 1939 na França, quando se fazia notória a maré montante nazista orquestrada por Hitler, Mussolini, Goebbels, os mestres da sofística que manietou a consciência de milhões. Em O Estupro das Massas pela Propaganda Política, Tchakhotine mostra que em 100 entes humanos, apenas 10 conseguem lutar contra as técnicas de engodo e manipulação. Quando toca o coração e os fígados dos indivíduos ou grupos dominados, exacerbando o medo e a esperança popular, o líder tirânico chega ao poder e nele garante sua pessoa e a de seus apaniguados.

Se prestarmos atenção às vozes dos “especialistas” que profetizam na mídia brasileira, parece que a taxa de 10% proposta por Tchakhotine é exagerada. Não escutamos perguntas ou dúvidas dos chamados pesquisadores, o que deveria acender a luz vermelha diante de suas frases. Eles acumulam teses sem preocupação com a antítese, soltam certezas como se falar fosse uma operação fisiológica a mais. É impressionante, diante da campanha governista para garantir a continuidade no Planalto, o adesismo pouco disfarçado dos acadêmicos. Boa parte deles não é cristã. Logo me eximo de lhes recordar o ensinamento de Santo Agostinho: “Deus não precisa da nossa mentira”. Seria possível secularizar o dito agostiniano: a república e a democracia, dispensam sofismas. Mas a tarefa é inglória: os responsáveis pela nova traição dos intelectuais e seus aliados na política buscam vender a si mesmos como produtos no mercado eleitoral. A concorrência é grande, logo a qualidade das mercadorias diminui a olhos vistos. Artigos de “consultores” e “cientistas” descem ao plano do panfleto. E neles a receita dos sofistas, bem elaborada por Goebbels, funciona às maravilhas. E segue uma formidável bajulação do governo.

Um truque usado nas “análises” da ordem política brasileira surge no mantra de que “o povo está feliz, a economia vai bem, as instituições democráticas mostram solidez”. Recordo o enunciado de Erich Auerbach, um dos mais finos pensadores da literatura mundial e da propaganda. Em seu livro Mimesis ele comenta o seguinte fato ao falar, justamente, do marketing reinventado por Goebbels: o mundo é imenso palco no qual incontáveis cenas se apresentam. O sofista (ou “marqueteiro” mesmo que disfarçado) escolhe algumas cenas e sobre elas joga a luz dos holofotes, deixando as demais na sombra. A plateia, que enxerga apenas aquele setor, acredita na verdade enunciada, porque foi dela escondida a rede complexa dos outros ângulos. O poder de persuasão é causado pela verdade parcial: a cena iluminada é efetiva. Mas as demais cenas dariam sentido muito diferente, que negaria o afirmado pelo mágico das imagens e palavras.

Na esteira de “a economia vai bem”, os marqueteiros na pele de teóricos apontam para as massas do que eles convencionaram chamar “a nova classe média”. Do consumo inédito ao acerto eleitoral, na ladainha da propaganda, o passo é rápido. Quem aprendeu as belezas do consumo, dizem aqueles manipuladores, só pode ser prudente na compra e venda dos votos políticos. Não é verdade, no entanto, que a “classe média” (ninguém conta os recursos efetivos que, per capita, tal classe milagrosa possui) seja plenamente racional no mercado econômico. Aliás nenhuma outra classe assume tal racionalidade. Os mesmos comerciantes que comemoram com rojões a bonança de hoje (que pode mudar em tsunami amanhã) possuem dados que mostram riscos eminentes de inadimplência em grande escala. Propaganda e consumo levam às compras irrefletidas. Daí, à insolúvel situação de dívidas em financeiras “populares” e aos agiotas, o passo é curto.

Política e democracia: vai bem o país onde governadores, prefeitos (com o secretariado) são presos, indicando que a corrupção “punida” é a ponta de um iceberg que desestabiliza qualquer ordem jurídica? As instituições vão bem quando setores da justiça praticam a censura em jornais, blogues e outras formas de mídia, para garantir os privilégios de oligarcas corrompidos? Cuidado, senhores, com o holofote!

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