Pensamentos de domingo por Maria João Freitas, Blog A namorada de Wittgenstein aqui
Espreito para o jardim, como se estivesse à janela e entre o meu olhar e o mundo houvesse uma transparente fronteira feita de vidro. Penso que o vidro é um espelho sem fundo, que deixa ver através dele. E o que mostra esse espelho sem fundo? Pessoas que passam, trocando passos e pensamentos que não se podem agarrar ou medir. Há algo de comovente em todas as pessoas que passam e não me refiro à solidão que as segue como uma sombra. Nas pessoas que passeiam carrinhos de bebé, lêem as notícias no jornal, jogam às cartas, discutem futebol, atravessam o jardim com o seu cão, falam ao telemóvel, comem um croissant e bebem uma bica na esplanada, fazem planos para o jantar, correm ao Pingo Doce e inventam histórias que outros já viveram mas não contaram desta mesma maneira. As pessoas comportam-se como se não fossem morrer. Esquecidas da sua condição humana, ignoram que por cima da copa das árvores, há uns olhos que crescem. Ali onde pairam as asas azuis de um anjo mudo que não pode dizer a sua mensagem. A luz da tarde, cansada, ilumina em fade-out os cantos do jardim de onde se desprende, das árvores e flores, o milagre do perfume. No parque, os risos das crianças murcham, sem que elas percebam porquê. Uma noite lenta cai sobre todas as coisas, desfeita de palavras.
Viver é fingir que a morte não existe.
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