TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Reforma ortográfica

Ainda a ortografia Veja aqui
Sírio Possenti, De Campinas (SP) De 12 de junho de 2008
A reforma ortográfica parece assunto inesgotável. Os jornais não a esquecem, entrevistam usuários, professores, pedagogos e outros interessados (supostamente) na escola. Querem saber se a reforma é boa ou ruim, se ajuda ou não ajuda, a quem ajuda ou desajuda. A meu ver, só vai ser boa para as editoras, eventualmente. E prejudicará os consumidores. Se você acaba de comprar um dicionário e está interessado em saber como se escrevem as palavras, logo vai ter que comprar outro. Não sei como o DEMOCRATAS ainda não acordou para essa nova causa...
O único argumento razoável a favor da reforma, que produzirá uma unificação quase total da grafia nos diversos países lusófonos, é exatamente a possibilidade de livros circularem mais facilmente. Livros brasileiros na África: é disso que se trata. O resto é simbólico (mas aviso que acho os efeitos simbólicos muito relevantes). Mas, para isso, precisava de reforma?
Procurado para duas ou três entrevistas, começava a conversa avisando que provavelmente teria pouco a dizer, porque não acompanhei o debate nem me interessei muito pela lista das mudanças (tenho isso em vários textos, de papel ou no computador; se precisar, encontro logo). O que sempre fiz questão de dizer é o que disse também aqui há duas ou três semanas: que a reforma não aumenta em nada a capacidade de leitura de textos (já que me perguntavam sobre isso). Dito de outra maneira, que fazer uma reforma porque ela facilitaria a leitura de livros brasileiros na África ou em Portugal é uma bobagem. Qualquer pessoa que saiba ler, mesmo precariamente, lê textos com a grafia de Portugal e do Brasil, assim como lê textos mais antigos e textos escolares, por mais que estes apresentem problemas de grafia.
O principal argumento que expus aqui há três semanas (sim, foi há três semanas, confirmei) era um texto todo "errado", cuja leitura, obviamente, não era difícil. Hoje vou só multiplicar os exemplos, com uma só finalidade: mostrar que obviamente podemos ler textos em grafias variadas. Não estou defendendo nenhuma dessas opções, nem dizendo que não deve haver regras. Digo apenas que, com reforma ou sem reforma, e até mesmo sem regras ortográficas rígidas, nossa capacidade de ler um texto em qualquer das grafias existentes hoje (ou antigamente) não é afetada.
Começo minha listinha de exemplos com um texto de José Simão na Folha Ilustrada de hoje (10/06/2008):
Carla Perez faz iscola! Governo de SP distribui livros com a palavra ensino grafada com C. ENCINO. Então toca os cinos! Rarará! C de Zé Cerra! Rarará! Serto ou herrado, o qui emporta, desdi qui a iscola seje iscrita com "i"!
Ilegível? Duvido!!!
Agora, mais ou menos na mesma toada, e certamente com os mesmos efeitos, um trecho de redação de aluno da terceira série (publicado em Franchi, E. Redação na escola. S. Paulo, Martins Fontes):
Eu e o meu golega fomos pescar no riu comesou a puxar e ele viu e puxou e o ansol subiu na arvore para desenrosça e o ansol caio dreto no riu.
Certamente, o texto apresenta muitos problemas. Mas não é ilegível. Tanto que qualquer um de nós saberia corrigir tudo, ou seja, todos sabemos qual é a palavra que se esconde por detrás da grafia com que o aluno a representou.
Agora, vejam um texto bem antigo, de 1189 (citado em Tarallo, F. Tempos sociolingüísticos. S. Paulo, Ática), certamente não na grafia da época, mas às vezes longe da atual:
No mundo nom me sei parelha
Mentre me for como me vay
Ca já moiro por vos - e ay!
Mia senhor branca e vermelha,
Queredes que vos retraya
Quando eu vus vi em saya!
Se não compreendemos alguma passagem do poema, isso não se deve à grafia, mas ao desconhecimento do sentido de algumas palavras (coisa que a reforma ortográfica não elimina, evidentemente).
Os exemplos poderiam ser multiplicados. Mas creio que bastam esses poucos, um pouco variados. Acho desnecessário argumentar mais. Contra fatos, etc. Se os leitores não se convencerem, paciência!

Um comentário:

Anônimo disse...

Possenti, ótimo como sempre. Ele deixou sua marca durante a I JIED, em março, em Maringá.

Braziu!

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