Por Helena Damião, Portugal, Blog Rerum Natura
Nas última décadas, o investimento material e humano tem aumentado nos sistemas educativos ocidentais: os edifícios escolares melhoraram, os equipamentos sofisticaram-se, a formação de professores generalizou-se, a investigação educacional proporcionou dados sobre os mais diversos aspectos, a acção social esteve e está presente, novos especialistas surgiram…
Porém, inúmeros estudos que incidem nesses sistemas, realizados nas últimas décadas, denunciam problemas graves em muitos deles, no que respeita a aprendizagens académicas (conhecimentos e competências cognitivas) e a comportamentos dos alunos.
Alguma coisa está, portanto, errada. Mas o quê?
Vários teóricos que têm reflectido sobre o assunto afirmam que o erro está na renúncia a educar.
Educar é um dever inalienável que as gerações mais velhas têm para com as mais novas, dado que as crianças e os jovens não se educam a si próprios, precisam de ser educadas.
Parecendo uma verdade óbvia tem sido negligenciada pelos pais e família, por decisores de políticas de ensino, por directores de escola, professores, auxiliares de acção educativa, por outros elementos da sociedade.
Referindo-se à realidade norte-americana, a filósofa Hannah Arendt escrevia em 1957:
"Deste modo, o que faz com que a crise da educação seja tão especialmente aguda entre nós é o temperamento político do país, o qual luta, por si próprio, por igualar ou apagar tanto quanto possível a diferença entre novos e velhos, entre dotados e não dotados, enfim, entre crianças e adultos, em particular, entre alunos e professores. É óbvio que este nivelamento só pode ser efectivamente alcançado à custa da autoridade do professor e em detrimento dos estudantes mais dotados. No entanto, é igualmente óbvio para quem alguma vez esteve em contacto com o sistema educativo americano que esta dificuldade, enraizada na atitude política do país, tem também grandes vantagens, não apenas do ponto de vista humano, mas no plano da educação. De qualquer forma, estes factores gerais não podem explicar a crise em que nos encontramos no presente nem as medidas que a precipitaram.
Estas medidas catastróficas podem ser esquematicamente explicadas por intermédio de (...) ideias-base, porventura demasiado familiares. A primeira é a de que existe um mundo da criança e uma sociedade formada pelas crianças; que estas são seres autónomos e que, na medida do possível, se devem deixar governar a si próprias. O papel dos adultos deve então consistir em limitar-se a assistir a esse processo. É o grupo de crianças ele mesmo que detém a autoridade que vai permitir dizer a cada criança o que ela deve e não deve fazer. Entre outras consequências, isso cria uma situação na qual o adulto, não se encontra só desamparado face à criança tomada individualmente, como fica privado de todo o contacto com ela. Quanto muito pode dizer-lhe que faça o que lhe apetecer e, depois, impedir que aconteça o pior. As relações reais e normais entre crianças e adultos – relações que decorrem do facto de, no mundo, viverem em conjunto e simultaneamente pessoas de todas as idades – se encontram portanto hoje quebradas (...)
Uma crise na educação suscitaria sempre graves problemas mesmo se não fosse, como no presente, o reflexo de uma crise muito mais geral e da instabilidade da sociedade moderna. E isto porque a educação é uma das actividades mais elementares e mais necessárias da sociedade humana a qual não permanece nunca tal como é mas antes se renova sem cessar pelo nascimento, pela chegada dos novos seres humanos. Acresce que, esses récem-chegados não atingiram a sua maturidade, estão ainda em devir. Assim, a criança, objecto da educação, apresenta-se ao educador sob um duplo aspecto: ela é nova num mundo que lhe é estranho, e ela está em devir. Ela é um novo ser humano e está a caminho de devir um ser humano. Este duplo aspecto não é evidente (...). A criança só é nova em relação a um mundo que já existia antes dela, que continuará depois da sua morte e no qual ele deve passar a sua vida (...)
Que a educação moderna, na medida em que tenta esclarecer um mundo próprio das crianças, destrói as condições necessárias para o seu desenvolvimento e crescimento, é algo que parece óbvio. Porém, é de facto estranho que esse pernicioso procedimento possa ser o resultado da educação moderna, tanto mais que essa educação declarava ter por único objcetivo servir a criança (...) O século da criança, como lhe podemos chamar, pretendia emancipar a criança e libertá-la dos padrõesde vida retirados do mundo dos adultos. Como foi então possível que as mais elementares condições de vida, necessárias ao crescimento e desenvolvimento da criança, tivessem sido ignoradas ou, simplesmente, não tivessem sido reconhecidas como tal?
Referência completa:
Original: Arendt, H (1957). The crisis in Education. Partisan Review, 25, 4.
Tradução portuguesa: Arendt, H (1957). A crise na Educação. In Entre o passado e o futuro: oito exercícios sobre o pesamento político. Lisboa: Relógio D´Água, 183-206.
Na imagem: Hannah Arendt
Porém, inúmeros estudos que incidem nesses sistemas, realizados nas últimas décadas, denunciam problemas graves em muitos deles, no que respeita a aprendizagens académicas (conhecimentos e competências cognitivas) e a comportamentos dos alunos.
Alguma coisa está, portanto, errada. Mas o quê?
Vários teóricos que têm reflectido sobre o assunto afirmam que o erro está na renúncia a educar.
Educar é um dever inalienável que as gerações mais velhas têm para com as mais novas, dado que as crianças e os jovens não se educam a si próprios, precisam de ser educadas.
Parecendo uma verdade óbvia tem sido negligenciada pelos pais e família, por decisores de políticas de ensino, por directores de escola, professores, auxiliares de acção educativa, por outros elementos da sociedade.
Referindo-se à realidade norte-americana, a filósofa Hannah Arendt escrevia em 1957:
"Deste modo, o que faz com que a crise da educação seja tão especialmente aguda entre nós é o temperamento político do país, o qual luta, por si próprio, por igualar ou apagar tanto quanto possível a diferença entre novos e velhos, entre dotados e não dotados, enfim, entre crianças e adultos, em particular, entre alunos e professores. É óbvio que este nivelamento só pode ser efectivamente alcançado à custa da autoridade do professor e em detrimento dos estudantes mais dotados. No entanto, é igualmente óbvio para quem alguma vez esteve em contacto com o sistema educativo americano que esta dificuldade, enraizada na atitude política do país, tem também grandes vantagens, não apenas do ponto de vista humano, mas no plano da educação. De qualquer forma, estes factores gerais não podem explicar a crise em que nos encontramos no presente nem as medidas que a precipitaram.
Estas medidas catastróficas podem ser esquematicamente explicadas por intermédio de (...) ideias-base, porventura demasiado familiares. A primeira é a de que existe um mundo da criança e uma sociedade formada pelas crianças; que estas são seres autónomos e que, na medida do possível, se devem deixar governar a si próprias. O papel dos adultos deve então consistir em limitar-se a assistir a esse processo. É o grupo de crianças ele mesmo que detém a autoridade que vai permitir dizer a cada criança o que ela deve e não deve fazer. Entre outras consequências, isso cria uma situação na qual o adulto, não se encontra só desamparado face à criança tomada individualmente, como fica privado de todo o contacto com ela. Quanto muito pode dizer-lhe que faça o que lhe apetecer e, depois, impedir que aconteça o pior. As relações reais e normais entre crianças e adultos – relações que decorrem do facto de, no mundo, viverem em conjunto e simultaneamente pessoas de todas as idades – se encontram portanto hoje quebradas (...)
Uma crise na educação suscitaria sempre graves problemas mesmo se não fosse, como no presente, o reflexo de uma crise muito mais geral e da instabilidade da sociedade moderna. E isto porque a educação é uma das actividades mais elementares e mais necessárias da sociedade humana a qual não permanece nunca tal como é mas antes se renova sem cessar pelo nascimento, pela chegada dos novos seres humanos. Acresce que, esses récem-chegados não atingiram a sua maturidade, estão ainda em devir. Assim, a criança, objecto da educação, apresenta-se ao educador sob um duplo aspecto: ela é nova num mundo que lhe é estranho, e ela está em devir. Ela é um novo ser humano e está a caminho de devir um ser humano. Este duplo aspecto não é evidente (...). A criança só é nova em relação a um mundo que já existia antes dela, que continuará depois da sua morte e no qual ele deve passar a sua vida (...)
Que a educação moderna, na medida em que tenta esclarecer um mundo próprio das crianças, destrói as condições necessárias para o seu desenvolvimento e crescimento, é algo que parece óbvio. Porém, é de facto estranho que esse pernicioso procedimento possa ser o resultado da educação moderna, tanto mais que essa educação declarava ter por único objcetivo servir a criança (...) O século da criança, como lhe podemos chamar, pretendia emancipar a criança e libertá-la dos padrõesde vida retirados do mundo dos adultos. Como foi então possível que as mais elementares condições de vida, necessárias ao crescimento e desenvolvimento da criança, tivessem sido ignoradas ou, simplesmente, não tivessem sido reconhecidas como tal?
Referência completa:
Original: Arendt, H (1957). The crisis in Education. Partisan Review, 25, 4.
Tradução portuguesa: Arendt, H (1957). A crise na Educação. In Entre o passado e o futuro: oito exercícios sobre o pesamento político. Lisboa: Relógio D´Água, 183-206.
Na imagem: Hannah Arendt
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