Lie to Me
Publicado às 17:32 de Sexta-feira, 1 de Abril de 2011
Até há algumas décadas, cada Primeiro de Abril era um dia especial. E não apenas para as crianças. A expectativa era grande, talvez maior até, pelo menos para uns quantos, do que aquela que antecipava pontualmente a noite de Natal. O dia 1 começava cedo, vasculhando cada um nos títulos dos jornais, nas notícias da rádio e da televisão, a mentira pela qual tanto aguardara.
O embuste fazia parte do jogo e era mais saboroso se parecesse verosímil, ou pelo menos incerto, podendo ser mantido até à manhã seguinte sem que alguém tivesse a coragem de desmentir. A 2 lá vinha então o anúncio, também ele esperado, revelando a extensão da aldrabice e confirmando, quase sempre com algum pudor, que quem nela se deixara envolver o não tinha feito por desconhecimento ou burrice, mas apenas por cumplicidade ou distracção. Assim foi durante bastante tempo, não sei dizer até quando. Mas é provável que tudo tenha começado a mudar algures nos anos oitenta. E na década seguinte já o Dia das Mentiras tinha deixado de ser aquilo que havia sido. Não por se perder a magia do engano, mas por este se haver vulgarizado, deixando de corresponder a um estado de excepção para se transformar em companhia diária. A velocidade e a imprevisibilidade da mudança, a generalização do boato e da imprecisão, o uso jornalístico da possibilidade com um tratamento análogo àquele conferido ao facto, a desculpabilização da «inverdade», a manipulação dos acontecimentos pelas manchetes sensacionalistas, banalizaram então a boa velha mentira. Por isso o April Fool’s Day, o Primeiro de Abril, não voltará a ser o que foi: o dia, diferente de todos os outros, em que a mentira alimentava, divertia, e o engano acendia a imaginação. Isso já foi, «já era».
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