TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Che...



Guevara e Theroux
Publicado em História, Memória, Olhares a 29 de Junho de 2011 por RUI BEBIANO AQUI



Conta Pierre Kalfon, um dos seus mais importantes e razoavelmente isentos biógrafos, que numa tarde de Abril de 1964, durante uma brevíssima passagem por Paris, a caminho da União Soviética em missão diplomática da ainda jovem revolução cubana, Ernesto Guevara almoçou descontraidamente numa pizzaria da Boulevard Saint-Michel. Passeou depois, por uma boa meia hora, pelas movimentadas imediações do Collège de France e da Sorbonne. Relatará o próprio que de repente, na Rue des Écoles, um sujeito reparou no seu inconfundível aspecto – a barba rala e desalinhada, a boina preta estrelada e o dólman de caqui verde-oliva – comentando para a pessoa que o acompanhava: «Vê bem no atrevimento daquele tipo que ali vai, a tentar parecer-se com o Che Guevara!» Desde muito cedo, de facto, a figura do antigo estudante de medicina argentino viu-se colada ao ícone que excedia já o seu corpo físico, definindo-se muito para além do lugar datado e objectivo que a História lhe reservou.

De início, e durante bastantes anos, ela ganhou vida no espectro das crenças insurrectas que interpretavam as possibilidades de erguer, a contragosto da ordem estabelecida, um mundo melhor, mais igualitário e mais justo. Conquistado, se preciso fosse, a tiro de bazuca e de metralhadora. Esse é o vulto que alguns dos nossos contemporâneos, com sentido de missão ou necessidade de ratificação tribal – desde os suburbanos um tanto suspeitos da Cidade do México a alguns dos milicianos rebeldes da Líbia anti-Khadaffi –, ainda transportam, com vestígios de uma real ou imaginada insolência, em medalhas, colantes e t-shirts. Quase sem de tal se aperceberem, eles rompem porém as configurações da rebeldia e do desespero, associando-se a algo de mais amplo, mas não de imediatamente apreensível, que integra o conjunto de sinais dos quais servem habitualmente os imaginários de fuga. Aproximando-se do logótipo dos velhos cigarros Camel, do mapa irregular de uma ilha das Caraíbas gravado na publicidade colorida de uma marca de rum, das capas tentadoras dos livros de Bruce Chatwin ou de Paul Theroux. Para os quais olhamos sem grandes conjecturas, projectando a ideia da viagem, da partida, associada a uma vaga e errática noção de liberdade.

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