São Paulo, sexta-feira, 24 de junho de 2011
TENDÊNCIAS/DEBATES
Contra o mérito!
FLÁVIO SACCO DOS ANJOS
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É visível e patético o ocaso da Associação Nacional de Docentes de Nível Superior; hoje, ela é uma trincheira de partidos políticos minoritários
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Especialistas em cienciometria indicam que a produção científica brasileira aumentou 56% entre 2007 e 2008, situando-a na 13ª posição no ranking mundial de artigos publicados em revistas especializadas. É no bojo desse processo que se constata o avanço substancial do sistema brasileiro de pós-graduação, com um incremento notável no número de programas destinados a formar recursos humanos em todos os campos do conhecimento.
Há, entretanto, um aspecto que é crucial para entender a mecânica dessa transformação de nosso país na última década.
Refiro-me, sobretudo, ao fortalecimento de sistemas de avaliação centrados na perspectiva do mérito científico e acadêmico, traduzido no neologismo, já consagrado nas hostes universitárias, como o regime da meritocracia.
Sob sua égide, a missão de aprovar um projeto e de conseguir recursos para financiar suas pesquisas tornou-se o centro de uma acirrada disputa que se instala entre os membros de uma comunidade científica, sagrando-se vencedor aquele que mais publica em revistas qualificadas.
Essa dinâmica alimenta complexo sistema, em que a transparência e a veracidade das informações são asseguradas por instrumentos como a plataforma Lattes do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico).
Qualquer pessoa acessa a base de dados de currículos e conhece a trajetória de todo e qualquer pesquisador, do ponto de vista de sua produção intelectual.
Não é à toa que os salários dos docentes de nível superior das instituições federais de ensino incluem gratificações cujo pagamento está atrelado ao cumprimento de índices de desempenho.
Lamentavelmente, tal imperativo vem sendo reiteradamente rechaçado pela Associação Nacional de Docentes de Nível Superior (Andes). Fugindo de seus propósitos, essa instituição se converteu numa trincheira de partidos políticos minoritários ou em local para abrigar verdadeiras nulidades, que, por sua total incompetência e despreparo, não encontrariam espaço para trabalhar em qualquer instituição respeitável de ensino deste e de qualquer outro país do planeta.
O ocaso da Andes é visível e patético. Assembleias de docentes são recorrentemente minúsculas, em que um número reduzido de professores decide pelos demais, propondo a deflagração de greves que só contam com o apoio da militância de plantão, que se locupleta de vantagens para financiar suas viagens ao planalto central e a outros locais do país, onde realizam congressos cujas teses são cada vez mais absurdas e distantes do cotidiano das universidades.
Não me parece um exagero afirmar que a Andes se converteu numa sinecura mantida com os salários dos demais e ao arrepio de qualquer princípio de legitimidade.
Basta olhar o currículo dos membros que compõem a diretoria da Andes para entender essa espúria realidade. Há docentes que jamais orientaram um só aluno de pós-graduação ou publicaram um único artigo científico em toda a sua vida.
Evidentemente, esse tipo de excrescência não representa a regra, mas, sim, a exceção.
A maior parte dos professores tem seu dia a dia marcado por jornadas intermináveis de aulas, orientações de alunos ou elaboração de novos projetos.
Mas o aspecto paradoxal é que são essas as pessoas que se consideram aptas para falar em nome dos demais, sendo a expressão última de flagrante crise de representatividade que se negam a enfrentar, porque, tomando as rédeas do debate, cairiam no ridículo, expondo as vísceras desse ingente paradoxo.
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FLÁVIO SACCO DOS ANJOS, 49, é sociólogo, professor da Universidade Federal de Pelotas e pesquisador do CNPq.
O QUE FALAR QUER DIZER:
Marta Bellini
Começo dizendo que o autor apresenta suas credenciais: é PESQUISADOR DO CNPq. É uma poderosa credencial. É sociólogo. Poderosa rubrica também. Faltou acrescentar: é professor. Trabalha TAMBÉM em sala de aula. Ah, essa credencial, atualmente, não conta em nossas carreiras acadêmicas. Ano passado quando uma comissão da Capes, esteve em minha universidade, deu a rubrica de pesquisador a um professor. E os outros? Professores. Ah, bahh, professores apenas.
Eu e mais duas colegas estamos em um projeto da CAPES e nunca trabalhamos nesse projeto. Nem sabemos dele. Somos o que? Otárias. Expertas? Espertas? Já escrevi à Capes perguntando o que sou. Não obtive resposta até hoje. Sigilo?
As universidades públicas são diferentes das privadas pelo incentivo à pesquisa. Isso não quer dizer que somos pesquisadores. Somos professores e pesquisadores. Também estamos em projetos de extensão e ensino. Cada vez menos, é claro. A extensão sempre foi o patinho feio das universidades públicas. Agora, é feio e excluído. Temos que ter pesquisa. E as salas de aula? Melhoraram depois que nos tornamos pesquisadores? Creio que sim. Mas apenas em alguns bolsões em que a qualidade de pesquisador alia-se à qualidade de bom professor. Entenda-se aqui bom professor, aquele que dá aulas, aquele que dá boas aulas, aquele que procura pensar a dinâmica das aulas e das avaliações em um mundo em que os jovens estão em contato com novas tecnologias. Aquele fala a língua culta. Não é fácil ser professor. É uma das profissões mais difícies que conheço.
Sempre fui a favor do mérito na Universidade. Vim trabalhar há 25 anos em uma Universidade pública em que o mérito não existia. Era um sistema burocrático baseado em tempo de serviço. Hoje é por mérito. Mas, o mérito de transformou em burocracia do produtivismo. Conta-se o número de artigos no Lattes (eu também era a favor da trnsparência do Lattes, agora acho que essa transparência, se por lado traz a publicidade do que fazemos na Universidade, por outro, é uma cortina que camufla a hipocrisia, a rapidez, o fast food acadêmico) mas não a CONTA A PERMANÊNCIA DAS IDEIAS, DAS TEORIAS.. . Por exemplo, um livro como FOLCLORE E MUDANÇA SOCIAL NA CIDADE DE SÃO PAULO, teria validade de DOIS anos pela estrutura do CNPq e Capes. Mas esse livro é de 1961 e é LEITURA PERMANENTE na vida intelectual dos estudantes brasileiros. O livro HOMENS LIVRES NA SOCIEDADE ESCRAVOCRATA, de Maria Sylvia Carvalho Franco é outro clássico. Vale dois anos? Não! Vale sempre. Faz parte das grandes obras do pensamento brasileiro.
Fui ao Wikipedia ver quantos livros o professor Florestan escreveu em sua longa e dura vida. Em 40 anos, suas principais obras contam 10 livros. Livros que mudaram a cabeça de muitos brasileiros. Se estivesse sob a batuta do CNPq e Capes, estaria em apuros. Hoje em poucos 10 anos há muitos publicando 20 livros. QUE TAL ENTRARMOS NA ESFERA DE ANALISAR ESSAS OBRAS?
O Professor Flávio Sacco provavelmente estudou os livros de Florestan e os recomendaria aos seus alunos, sociólogo que é. Por outro lado, há livros atuais que nem eu, nem o Professor Flávio Sacco recomendaria aos alunos. Li um livreto de um aluno recém mestre. Era sobre e contra DEWEY. Em dois anos o autor publicou uma obra contra DEWEY. DOIS ANOS! É de uma arrogância de brejo!
Empreender uma luta ideológica contra os sindicalistas da ANDES não justifica dizer que eles não publicam. É de uma arrogância louca. É dar mãos às cabeças produtivistas que nós temos. Afirmar que eu publico e eles não (e ainda são contra!) não faz de nossas publicações as melhores do país, do mundo. Aliar-se ao fast food das publicações não quer dizer que quem não escreve está errado. Aliás, a instância sindical é diferente da acadêmica, mas não quer dizer que a última está coberta de razão.
E, por fim, falar em representatividade de poucos sobre muitos é o dilema de toda democracia. Em qualquer instância. No senado, no congresso, etc. Dizer que são grupos minoritários que estão lá... é esquisito para um sociólogo. Sempre grupos minoritários estarão em algum lugar, sobretudo, de esquerda. Vide o que o sociólogo Moscovici diz em Psicologia das Minorias ativas.
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