Miséria política brasileira por Roberto Romano
“Uma cena ocorrida na semana passada na Assembléia Legislativa do Paraná mostrou como os políticos profissionais se relacionam com a política teórica. O deputado Rafael Greca (PMDB) citou em plenário o Barão de Montesquieu, o principal teórico da divisão dos poderes, um dos homens que viabilizaram, em última instância, a existência de Legislativos fortes. Jocelito Canto (PTB) respondeu dizendo que não sabia de quem se tratava. Acabou chamando Montesquieu de Moscão, meio na base da brincadeira” (Gazeta do Povo, jornal de Curitiba, 27/06/2010). O companheiro paranaense do Correio Popular colheu uma pérola das mais brilhantes no mundo político. Depois que Luiz Inácio da Silva elogiou ditadores e ditaduras, lascou um “emprenhei a galega” em pleno comício na cidade de Porto Alegre e sussurrou ao prefeito de Pelotas que sua urbe exportava, vocês sabem, “heterodoxos sexuais”, o Brasil caiu na gandaia. Agora sabemos que, para legislar e governar não é preciso conhecer a história do direito e da legislação. E viva o filósofo Moscão! Tal pensador representa uma parcela muito significativa dos nossos legisladores.
Dá para entender a causa de tanta desfaçatez corrupta, impunidade, arrogância dos políticos. Elas se baseiam na beata ignorância. Parcela considerável de políticos não sabe o que faz, literalmente. Daí seguimos para o privilégio de foro, para os atos secretos do Senado, para as notas nas roupas íntimas (íntimas?), nas bolsas e nos bolsos (também nas meias, em todo lugar imaginável), para a perda do Estado democrático de direito. E voamos para a saúde em frangalhos (menos, claro, na propaganda oficial e oficiosa), para a insegurança mais do que sinistra, para as escolas que não ensinam e universidades que não formam. Políticos ignaros são eleitos, praticam atos corruptos com recursos públicos e bênçãos do eleitor. Vivemos sob o signo da hipocrisia coletiva: é possível fazer um desafio aos moralistas de fancaria que rebolam os olhos, os ombros e os quadris ao lamentar a roubalheira em grande parte do Executivo ou Legislativo, dos municípios à federação. Desafio: em quem eles, moralistas, votam? No deputado e senador que trazem obras para sua região, ou nos candidatos íntegros? Não é preciso responder: a maioria esmagadora vota em quem carrega obras para a sua cidade. E todos sabem que, para conseguir tal feito, o mesmo político é obrigado a abandonar qualquer pretensão ética, moral, religiosa etc. Com a concentração dos impostos no governo federal, chegam as verbas apenas quando se negocia apoio ao mesmo governo. “É dando que se recebe”. Insisto: todos sabem que a “negociação” é imperativa. Daí a hipocrisia quando alguém brada: “eles são corruptos”. Não, caros concidadãos: o país é vendido, no atacado e no varejo, a preço vil. E poucos escapam da corrupção endêmica.
“Estranho povo, o ateniense”, parafraseio Platão que assim falava pela boca de Sócrates. “Na hora de se construir uma casa, contratam o melhor arquiteto. Quando precisam fabricar navios, escolhem o artesão exímio. Para tudo buscam o melhor técnico. Quando se trata de fazer leis e governar... contratam qualquer um”. Estranho povo, o brasileiro. Aqui, dizer que Montesquieu é Moscão torna-se engraçado quando, na verdade, exibe profunda miséria espiritual. E depois, na hora das chuvas e das mortes por afogamento, o mesmo povo ergue as mãos para os céus, pede ou ameaça o ser divino. Este, como também dizia Platão, não tem culpa pelos nossos erros. Tragédia não é a chuva que desgraça Alagoas ou Santa Catarina. Tragédia é sermos um povo que confia seu destino político a pessoas que deliberadamente desconhecem a lei e se espojam na ignorância. Deixemos de mentiras: aceitemos nosso quinhão no descalabro de nossa fingida república. Não senhores: quando são eleitos corruptos e ignorantes notórios, a culpa é de toda a cidadania. Diz Santo Agostinho: “Deus não precisa de nossa mentira”. Você acha certo que legisladores ignorem o modo de fazer leis, a história do direito, sejam “espertos e populares”? Então pague impostos que não têm retorno. E pare de fingir indignação!
“Uma cena ocorrida na semana passada na Assembléia Legislativa do Paraná mostrou como os políticos profissionais se relacionam com a política teórica. O deputado Rafael Greca (PMDB) citou em plenário o Barão de Montesquieu, o principal teórico da divisão dos poderes, um dos homens que viabilizaram, em última instância, a existência de Legislativos fortes. Jocelito Canto (PTB) respondeu dizendo que não sabia de quem se tratava. Acabou chamando Montesquieu de Moscão, meio na base da brincadeira” (Gazeta do Povo, jornal de Curitiba, 27/06/2010). O companheiro paranaense do Correio Popular colheu uma pérola das mais brilhantes no mundo político. Depois que Luiz Inácio da Silva elogiou ditadores e ditaduras, lascou um “emprenhei a galega” em pleno comício na cidade de Porto Alegre e sussurrou ao prefeito de Pelotas que sua urbe exportava, vocês sabem, “heterodoxos sexuais”, o Brasil caiu na gandaia. Agora sabemos que, para legislar e governar não é preciso conhecer a história do direito e da legislação. E viva o filósofo Moscão! Tal pensador representa uma parcela muito significativa dos nossos legisladores.
Dá para entender a causa de tanta desfaçatez corrupta, impunidade, arrogância dos políticos. Elas se baseiam na beata ignorância. Parcela considerável de políticos não sabe o que faz, literalmente. Daí seguimos para o privilégio de foro, para os atos secretos do Senado, para as notas nas roupas íntimas (íntimas?), nas bolsas e nos bolsos (também nas meias, em todo lugar imaginável), para a perda do Estado democrático de direito. E voamos para a saúde em frangalhos (menos, claro, na propaganda oficial e oficiosa), para a insegurança mais do que sinistra, para as escolas que não ensinam e universidades que não formam. Políticos ignaros são eleitos, praticam atos corruptos com recursos públicos e bênçãos do eleitor. Vivemos sob o signo da hipocrisia coletiva: é possível fazer um desafio aos moralistas de fancaria que rebolam os olhos, os ombros e os quadris ao lamentar a roubalheira em grande parte do Executivo ou Legislativo, dos municípios à federação. Desafio: em quem eles, moralistas, votam? No deputado e senador que trazem obras para sua região, ou nos candidatos íntegros? Não é preciso responder: a maioria esmagadora vota em quem carrega obras para a sua cidade. E todos sabem que, para conseguir tal feito, o mesmo político é obrigado a abandonar qualquer pretensão ética, moral, religiosa etc. Com a concentração dos impostos no governo federal, chegam as verbas apenas quando se negocia apoio ao mesmo governo. “É dando que se recebe”. Insisto: todos sabem que a “negociação” é imperativa. Daí a hipocrisia quando alguém brada: “eles são corruptos”. Não, caros concidadãos: o país é vendido, no atacado e no varejo, a preço vil. E poucos escapam da corrupção endêmica.
“Estranho povo, o ateniense”, parafraseio Platão que assim falava pela boca de Sócrates. “Na hora de se construir uma casa, contratam o melhor arquiteto. Quando precisam fabricar navios, escolhem o artesão exímio. Para tudo buscam o melhor técnico. Quando se trata de fazer leis e governar... contratam qualquer um”. Estranho povo, o brasileiro. Aqui, dizer que Montesquieu é Moscão torna-se engraçado quando, na verdade, exibe profunda miséria espiritual. E depois, na hora das chuvas e das mortes por afogamento, o mesmo povo ergue as mãos para os céus, pede ou ameaça o ser divino. Este, como também dizia Platão, não tem culpa pelos nossos erros. Tragédia não é a chuva que desgraça Alagoas ou Santa Catarina. Tragédia é sermos um povo que confia seu destino político a pessoas que deliberadamente desconhecem a lei e se espojam na ignorância. Deixemos de mentiras: aceitemos nosso quinhão no descalabro de nossa fingida república. Não senhores: quando são eleitos corruptos e ignorantes notórios, a culpa é de toda a cidadania. Diz Santo Agostinho: “Deus não precisa de nossa mentira”. Você acha certo que legisladores ignorem o modo de fazer leis, a história do direito, sejam “espertos e populares”? Então pague impostos que não têm retorno. E pare de fingir indignação!
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