TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Ressentimentos ....


Arte: da Maria Helena Santini
texto: Por Augusto Nunes



Maria Rita Kehl radiografa o ressentimento - sobrinho do orgulho, primo da cobiça e irmão da inveja

Ressentimento
Maria Rita Kehl
Casa do Psicólogo, 248 páginas
R$ 28


É preciso muita audácia - saudável audácia - para aventurar-se pelas trilhas na selva e pelos atalhos à beira de penhascos percorridos por Maria Rita Kehl até alcançar o ponto final desta jornada de 248 páginas. Ao decidir escrever sobre o ressentimento, essa brilhante psicanalista logo descobriu que não disporia de mapas suficientes para orientar o percurso. São raras e ralas as incursões sobre o tema registradas por escrito. Maria Rita entrou sem medos na mata virgem, tangenciou despenhadeiros e, no percurso, foi coletando descobertas que faltavam a estantes do mundo inteiro. Ressentimento, editado pela Casa do Psicólogo, é obra para ser lida em muitos idiomas.

''A memória do ressentido é uma digestão que não termina'', constatara o filosófo alemão Friedrich Wilhelm Nietzche (1844-1900), único pensador ocidental a examinar mais demoradamente esses abismos humanos. Ele catalogou as características do ressentido:

1. O ressentimento nunca é difuso: dirige-se contra alguém, alguma coisa, alguma entidade. (O Outro, na certidão de batismo forjada por Maria Rita).

2. Há um contencioso entre o ressentido e o objeto do ressentimento. O ressentido tem contas a ajustar.

3. Para o ressentido, o desejo de vingança é suficiente. O ressentimento é uma revolta e, simultaneamente, o triunfo dessa revolta.

4. O ressentido invariavelmente acredita que sua infelicidade resulta do erro de outra pessoa, ou de um grupo. (Do Outro, dirá Maria Rita).

5. ''É tua culpa se ninguém me ama'', raciocina o ressentido. ''É tua culpa se estraguei minha vida, e também é tua culpa se estragaste a tua''.

6. O ressentido atribui todos os erros ao outro e permanece a acusações irrevogáveis. Não consegue aguardar em silêncio o momento do acerto. Explode freqüentemente em amargas recriminações.

7. O ressentido não sabe amar e não quer amar, mas quer ser amado. Mais que amado, quer ser alimentado, acariciado, acalentado, saciado. Não amar o ressentido é prova de maldade.

8. Para poder sentir-se um homem bom, o ressentido precisa acreditar que os outros são maus.


Oito clarões. A transformar as luzes oferecidas por Nietzche em balizas do caminho, Maria Rita delas se serviu para localizar o marco zero das trilhas a devassar. Durante meses, pesquisou em profundidade o que, como explica na introdução, ''não é um conceito da psicanálise''. Seria ''uma constelação afetiva''. Apoiada nos próprios conhecimentos, mergulhou em obras de autores que compõem uma galeria de notável abrangência.

A rigor, nenhum tratou objetivamente do tema em questão. Coube a Maria Rita estabelecer conexões e vínculos (eventualmente retocando ou ampliando afirmações do filósofo alemão), para montar a radiografia do ressentimento. Com a clareza de linguagem aperfeiçoada em textos com os quais vem enriquecendo há anos as melhores publicações do país, tornou-a perfeitamente inteligível.

A contemplação do resultado reafirma a certeza de que o ressentimento merece ser oficializado como o oitavo pecado capital, vinculado aos sete restantes por afinidades evidentes ou estreitos laços de parentesco. Freqüentador dos subúrbios da ira, sobrinho do orgulho e primo da cobiça, o ressentimento é irmão da inveja, com quem costuma ser confundido. ''Não deixa de ser uma forma de inveja destrutiva, mas tem singularidades suficientes para diferencia-lo de qualquer outro pecado capital'', diz a psicóloga paulista Patrícia Abbud.

O ressentido é antes de tudo um fraco, constata Maria Rita. Não conseguiu responder em tempo a uma agressão, real ou imaginária, e rumina a vingança que não será perpetrada. Ficará estacionada na amargura que envenena a alma. O ressentimento, adverte a autora, virtualmente impossibilita a felicidade real, aquela que não está na publicidade nem na auto-ajuda, aquela que não tem receita.

O livro também induz a uma suspeita incômoda: no Brasil, suposto habitat do homem cordial, a tribo de ressentidos exibe formidáveis proporções. Eles estão aí ao lado, pouco adiante, na mesa à frente. Ou, como convém, logo atrás.

Um comentário:

Fernando Neves - KroSS disse...

Interessante! Fiquei com vontade de dar uma olhadinha nesse livro...

Braziu!

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