Roberto Romano: De quando em quando, algo interessante (em termos éticos) na Folha.
São Paulo, sábado, 17 de setembro de 2011
PAUL KRUGMAN
Livre para morrer
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A falta de compaixão tornou-se uma questão de princípio, pelo menos na base republicana
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EM 1980, justamente quando os Estados Unidos estavam descrevendo uma virada política para a direita, Milton Friedman defendeu a mudança com a famosa série de TV "Free to Choose". Em um episódio após outro, o simpático economista identificou a economia do laissez-faire com a escolha e o empoderamento pessoais -uma visão otimista que seria ecoada e ampliada por Ronald Reagan.
Mas, hoje, "livre para escolher" virou "livre para morrer".
No debate dos pré-candidatos republicanos na última segunda-feira, Wolf Blitzer, da CNN, perguntou ao deputado Ron Paul o que deveríamos fazer se um homem de 30 anos que optou por não ter convênio médico precisasse de seis meses de atendimento em UTI.
Paul respondeu: "A liberdade implica nisso -assumir seus próprios riscos". Blitzer o pressionou outra vez, perguntando se "a sociedade deveria simplesmente deixá-lo morrer". A plateia explodiu com aplausos e gritos de "sim, sim!".
O incidente destacou algo que a maioria dos comentaristas políticos ainda não absorveu: hoje, a política americana envolve visões morais fundamentalmente distintas.
Poucas das pessoas que morrem por falta de atendimento médico se parecem com o indivíduo hipotético postulado por Blitzer, que poderia ter pagado seguro médico.
A maioria dos americanos sem seguro médico ou tem renda baixa e não pode pagar, ou é rejeitada pelos convênios porque sofre de problemas médicos crônicos.
Então pessoas da direita estariam dispostas a permitir que as pessoas que não têm seguro médico, sem serem culpadas por isso, morram por falta de atendimento? Com base na história recente, a resposta é um "sim!" retumbante.
No dia seguinte ao debate, o Birô do Censo divulgou suas estimativas mais recentes. O quadro geral é lamentável, mas um ponto relativamente positivo foi o atendimento médico a crianças. A porcentagem de crianças sem cobertura foi mais baixa em 2010 que antes da recessão, graças à ampliação em 2009 do Programa de Seguro-Saúde Infantil do Estado, ou SCHIP.
O ex-presidente George W. Bush tinha bloqueado tentativas anteriores de proporcionar cobertura a mais crianças -sob aplausos de muitos da direita.
Logo, a liberdade de morrer se estende não apenas aos imprevidentes, mas também às crianças e às pessoas sem sorte. E a adesão da direita a essa noção assinala um deslocamento importante na natureza da política americana.
Agora, a compaixão está fora de moda -na realidade, a falta de compaixão tornou-se uma questão de princípio, pelo menos na base republicana.
O conservadorismo moderno é, na realidade, um movimento profundamente radical, hostil ao tipo de sociedade que temos há três gerações -que, agindo por meio do governo, procura mitigar alguns dos "perigos comuns da vida" por meio de programas como a Previdência Social, seguro-desemprego, Medicare e Medicaid.
Os eleitores estão preparados para aderir a uma rejeição tão radical do tipo de América em que todos nós crescemos? Vamos descobrir em 2012.
Tradução de CLARA ALLAIN
São Paulo, sábado, 17 de setembro de 2011
PAUL KRUGMAN
Livre para morrer
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A falta de compaixão tornou-se uma questão de princípio, pelo menos na base republicana
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EM 1980, justamente quando os Estados Unidos estavam descrevendo uma virada política para a direita, Milton Friedman defendeu a mudança com a famosa série de TV "Free to Choose". Em um episódio após outro, o simpático economista identificou a economia do laissez-faire com a escolha e o empoderamento pessoais -uma visão otimista que seria ecoada e ampliada por Ronald Reagan.
Mas, hoje, "livre para escolher" virou "livre para morrer".
No debate dos pré-candidatos republicanos na última segunda-feira, Wolf Blitzer, da CNN, perguntou ao deputado Ron Paul o que deveríamos fazer se um homem de 30 anos que optou por não ter convênio médico precisasse de seis meses de atendimento em UTI.
Paul respondeu: "A liberdade implica nisso -assumir seus próprios riscos". Blitzer o pressionou outra vez, perguntando se "a sociedade deveria simplesmente deixá-lo morrer". A plateia explodiu com aplausos e gritos de "sim, sim!".
O incidente destacou algo que a maioria dos comentaristas políticos ainda não absorveu: hoje, a política americana envolve visões morais fundamentalmente distintas.
Poucas das pessoas que morrem por falta de atendimento médico se parecem com o indivíduo hipotético postulado por Blitzer, que poderia ter pagado seguro médico.
A maioria dos americanos sem seguro médico ou tem renda baixa e não pode pagar, ou é rejeitada pelos convênios porque sofre de problemas médicos crônicos.
Então pessoas da direita estariam dispostas a permitir que as pessoas que não têm seguro médico, sem serem culpadas por isso, morram por falta de atendimento? Com base na história recente, a resposta é um "sim!" retumbante.
No dia seguinte ao debate, o Birô do Censo divulgou suas estimativas mais recentes. O quadro geral é lamentável, mas um ponto relativamente positivo foi o atendimento médico a crianças. A porcentagem de crianças sem cobertura foi mais baixa em 2010 que antes da recessão, graças à ampliação em 2009 do Programa de Seguro-Saúde Infantil do Estado, ou SCHIP.
O ex-presidente George W. Bush tinha bloqueado tentativas anteriores de proporcionar cobertura a mais crianças -sob aplausos de muitos da direita.
Logo, a liberdade de morrer se estende não apenas aos imprevidentes, mas também às crianças e às pessoas sem sorte. E a adesão da direita a essa noção assinala um deslocamento importante na natureza da política americana.
Agora, a compaixão está fora de moda -na realidade, a falta de compaixão tornou-se uma questão de princípio, pelo menos na base republicana.
O conservadorismo moderno é, na realidade, um movimento profundamente radical, hostil ao tipo de sociedade que temos há três gerações -que, agindo por meio do governo, procura mitigar alguns dos "perigos comuns da vida" por meio de programas como a Previdência Social, seguro-desemprego, Medicare e Medicaid.
Os eleitores estão preparados para aderir a uma rejeição tão radical do tipo de América em que todos nós crescemos? Vamos descobrir em 2012.
Tradução de CLARA ALLAIN
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