Reflexões sobre o STF (ultimo), sobre peças, cenas, personagens....
Publicada em 3/10/2007
Publicada em 3/10/2007
Reflexões sobre o STF (3), por Roberto Romano
O STF encenou uma peça que não corresponde à função de seu palco. Dois juízes - Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa - trocaram insultos e deixaram perplexa a cidadania. Gilmar Mendes afirmou que seu oponente não tinha lições de moralidade a oferecer aos pares. E recebeu uma réplica à altura do desafio, mas abaixo do múnus confiado aos magistrados.
Se um juiz do supremo não tem lições de moral a oferecer, quem as teria? E se lhe falta o saber da moralidade, quem no país pode corrigir a injustiça?
Se um dos desafiantes tem razão, o tribunal guarda certa pessoa sem qualificações para o cargo. Se ambos emitem um juízo correto, só nos resta exclamar : “...todo homem deveria ter duas vozes (dissas phonas), a justa (dikaian) e a usual, de modo que alguém acostumado a pensar coisas injustas fosse desmentido e visto como culpado pela voz justa, e não sofreríamos enganos” (Eurípides, Hipólito).
Se um dos juízes em luta diz a verdade sobre o outro, o Estado deve retirar o incapaz de expor a moralidade e, portanto, de praticá-la. Se ambos não falam a verdade, enganam de algum modo o povo soberano. Na democracia grega, quem ludibriava a cidadania deveria pagar o feito com a morte. (Cf. MacDowell, Douglas M.: The law in classical Athens, NY, Cornell University Press, 1978).
Seria interessante restaurar aquele procedimento. No instante em que o Estado brasileiro enfrenta a maior crise de credibilidade e apenas 11% dos que pagam impostos confiam nos dirigentes das instituições, quando a corrupção endêmica sapa os fundamentos da vida civil, é mais do que lamentável o uso de insultos como os mencionados, no âmbito supremo da justiça: trata-se de uma confissão de que o país é inviável nos parâmetros regulares do direito. E se as regras não valem, a exceção reclama prerrogativas.
O Brasil já pagou tributo caro ao enunciado de Carl Schmitt: “soberano, é quem decide sobre o estado de exceção”. Se os aplicadores da regra não têm lições de moralidade a oferecer, resta a violência dos que decidem com a força.
Retorno ao Chanceler Bacon. O seu exame das leis é feito em De Dignitate et augmentis scientiarum. No Livro 8 ele escreve sobre a raison d´État e cita Maquiavel, com atilada análise da política exterior. No mesmo livro, ele afirma: “a melhor lei é a que deixa pouco à disposição do juiz”. A incerteza da lei vem sobremodo de sua forma ambigüa. Se a melhor lei é a que deixa pouco ao juiz, “o melhor juiz é o que menos deixa à sua própria vontade”. Importa deixar clara a gênese da lei. Em toda sociedade civil há uma autoridade legislativa como “absoluto poder (summa potestas) que faz e revoga a lei”. (Citado por M. Peltonen, The Cambridge Companion to Bacon, Cambridge, University Press, 1996)
Bacon ocupou cargos no Estado e na justiça inglesa. Foi Solicitor General (1607), Attorney General (1613), Lord Keeper (1617) e Lord Chancellor (1618). Sua atividade perene consistiu em aproximar o rei e o parlamento, “que não se anulam, mas se fortalecem e mantêm um ao outro”. O rei possui prerrogativas “mediatamente, devido às leis, mas imediatamente de Deus” e não pode ser censurado por nenhum juiz, pois está além de toda jurisdição. Mas, como o seu oficio é preservar o público, espera-se que ele não desobedeça a lei. Embora “legibus solutus, seus atos e garantias são limitados pela lei”. Bacon defendeu os Comuns em 1593, o que lhe valeu perder a carreira sob Elizabeth 2. O seu trato com o rei James foi mais balanceado, embora o soberano insistisse num absolutismo extremo. A confiança de Bacon no Parlamento foi recompensada. Em 1614 os Comuns decidiram que nenhum Attorney General teria lugar na Casa das Leis, mas fizeram exceção para ele. (Christopher Hill: Intelectual Origins of the English Revolution, London, Panther Books, 1972).
O Estado moderno, portanto, conhece exemplos de bom relacionamento entre executivos, juízes e Parlamentos. Seria bom que algo assim ocorresse no Brasil. Talvez os nossos homens públicos prestassem o serviço de respeitar o povo que os sustenta. Assim fazendo, com certeza a corrupção dos costumes seria bem menor.
Postado por Roberto Romano
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