Da Esperança à Utopia
Dom Paulo Evaristo Arns
O que os presos nos ensinaram
Foi só durante a minha estada na França que eu soube dar valor à palavra de Jesus reproduzida no vigésimo quinto capítulo do Evangelho de Mateus: "Estive preso e me visitastes."
Não apenas os meus colegas franciscanos voltavam das prisões horrorosas da Alemanha, mas também os alemães prisioneiros de guerra ocupavam o nosso convento franciscano de Garnstock, Eupen, na Bélgica. Com os primeiros travei conhecimento e amizade no primeiro dia de aulas. O grupo de alemães, alojado no Colégio Belga-Brasileiro, era quase todo composto de pessoas doentes ou feridas de guerra. Ali havia sobretudo um médico de grande experiência e dedicação sem par.
Na época do Natal e Ano Novo tivemos desejo de melhorar a qualidade da comida dos presos. Então, um padre belga me convidou a atravessar o país em todos os sentidos, pedindo nos conventos comida e agasalho para o inverno que estava chegando. Com ele percorri quase todas as casas religiosas, e não só trouxemos o jipe carregado, mas também muitas palavras de conforto para o padre que cuidava do bem-estar dos presos considerados "inimigos".
Nunca passei tanto frio, mas também não me lembro de ter tido tanto consolo pela realização da palavra de Cristo Juiz reproduzida pelo evangelista Mateus no seu vigésimo quinto capítulo.
Aliás, a convivência com presos e ex-presos de ambos os lados dessa guerra estúpida e total me fez abominar todo tipo de ditadura e aderir ao programa de solidariedade em qualquer ocasião e país.
Ao chegar à região norte de São Paulo verifiquei, de imediato, que a maior casa de detenção do Brasil e, talvez, também a maior penitenciária, ambas situadas no bairro do Carandiru, se encontravam ali.
Poucos dias depois de minha posse em Santana, veio ver-me o capelão salesiano da penitenciária, enérgico e totalmente dedicado tanto aos presos julgados quanto aos da casa de detenção, que aguardavam julgamento.
Convidou-me o padre Ismael Simões, em nome do juiz, a assistir a um julgamento rápido, dentro da detenção. Impressionou-me demais o fato de o preso estar aguardando há vinte e três anos o seu julgamento, desperdiçando quase toda a sua vida na inútil espera de justiça em São Paulo. As Irmãs do Bom Pastor, que trabalhavam na penitenciária feminina, me disseram também que quase todas as detentas mereciam ser soltas, pois tinham agido em legítima defesa e deviam poder retomar suas vidas em liberdade. Cheguei a procurar o ministro da Justiça, o secretário de Segurança e o governador de São Paulo, pedindo a revisão dos processos para presas e presos. Minha intercessão não teve qualquer resultado por causa da dureza dos corações.
Habituei-me de tal maneira às visitas à penitenciária que todas as semanas eu me oferecia para celebrar a eucaristia junto às irmãs encarregadas do presídio feminino, e comparecia ao menos uma vez por mês para visitar os presos, participar da reunião da Legião de Maria que ali funcionava, e até para cortar o cabelo e engraxar os sapatos.
Tanto o diretor quanto os demais funcionários sempre me acolheram com muita distinção, facilitando o contato necessário com os internos. Distribuir revistas e jornais, levar algumas notícias sobre resultados de recursos judiciais e ouvir as queixas dos presos era para mim um conforto na vida relativamente cômoda que levávamos fora da cadeia.
A questão, porém, tomou outro rumo. Um dia me avisaram que a irmã Maurina Borges havia chegado ao presídio feminino como presa política e iria assistir à minha celebração eucarística no dia seguinte. Através dela fiquei sabendo não só das torturas praticadas pela polícia em Ribeirão Preto, mas também do ato de excomunhão lançado sobre os autores dos crimes por meu amigo e arcebispo daquela arquidiocese, dom Felício Vasconcelos, meu antigo professor franciscano.
Também soube que, de início, os denunciados ridicularizavam tal ação da Igreja, mas aos poucos foram se sentindo marginalizados e punidos pela sociedade temente a Deus.
Foi o começo de uma ação que iria durar por toda a minha gestão de bispo em São Paulo.
Ficou conhecida, naquele tempo, a troca de presos pela restituição à liberdade do embaixador da Suíça, que fora seqüestrado. Nesse grupo também deveriam ir a irmã Maurina e um frade dominicano.
No dia anterior à execução dessa resolução extraordinária recebi de meu amigo e diretor da penitenciária o pedido para comparecer, às quatro horas da manhã, para celebrar a missa com todas as presas, inclusive a irmã Maurina, e assinar uma declaração de que ela nunca se oferecera para receber qualquer regalia, como era considerada a expulsão do Brasil para o México.
O diretor assinou o mesmo documento comigo e a irmã, mas não consegui acompanhá-la até o momento do embarque. Só mais tarde Deus me proporcionou a alegria e a graça de visitá-la no México, com a licença e a bênção do cardeal-arcebispo daquela cidade.
Fui um dia convocado com urgência pelo cardeal Rossi: "O senhor foi escolhido para visitar os dominicanos presos e verificar se realmente eles estão sendo torturados."
O único dominicano que eu conhecia até então era frei Gorgulho. Eu tomara conhecimento da transferência dos dominicanos para a prisão em São Paulo e me interessara em conhecer as razões que os levaram a ser presos.
Naquele momento, porém, não me empenhei em visitá-los ou prestar-lhes algum auxílio especial porque havia outro bispo auxiliar, dom Lucas Moreira Neves, que, por ser dominicano, devia interessar-se em dar auxílio a seus irmãos de ordem. O fato de dom Lucas não estar ligado a nenhuma região episcopal, como acontecia comigo na região norte, lhe dava uma liberdade maior. Além disso, eu considerava que qualquer ação que contestasse o regime militar teria mais eficácia se fosse exercida pelo cardeal-arcebispo de São Paulo, pois um bispo auxiliar nem era reconhecido como bispo.
Por isso, ante o pedido de dom Agnelo, respondi: "O senhor tem um bispo dominicano, e é mais interessante que ele vá, porque será certamente mais reconhecido e aceito pelos militares."
O cardeal limitou-se a insistir: "Eu peço que o senhor vá."
A palavra de meu superior, o cardeal, sempre fora ordem. Parti para o Presídio Tiradentes acompanhado de frei Gilberto Gorgulho, pedindo que ele se valesse de sua fabulosa memória para registrar cada palavra ou gesto dos dominicanos. Cuidei, é claro, de estar revestido de todas as insígnias episcopais, inclusive o solidéu. No horário estabelecido pelos militares, nós nos dirigimos ao quartel general da polícia, para visitar o primeiro preso, frei Giorgio Callegari, que vinha de uma greve de fome de seis dias. Subimos ao primeiro andar, percorremos um longo corredor, e me espantei ao ver seis soldados apontando a baioneta para nós, deixando apenas o espaço estrito para entrarmos na cela do religioso.
Dirigi-me ao grupo de soldados: "Poderia estar a sós com ele?"
A resposta não admitia argumentação: "Desculpe, recebemos ordens de acompanhá-lo. O senhor tem toda a liberdade..."
Eu não conhecia frei Giorgio até aquele momento. Resolvi abrir o jogo, dizendo que ali estava em nome do arcebispo de São Paulo e perguntando como ele estava sendo tratado.
Frei Giorgio, estudante de teologia, ainda não era padre (eu mesmo o ordenaria em dezembro de 1971). Mais tarde, ele se revelaria extrovertido e loquaz. Nesta hora, porém, nada falou. Apenas aproveitou os momentos de distração do soldado para me fazer sinais com o olhar de que não estava sendo bem tratado. Percebi o enorme medo e nervosismo que ele sentia. Logo os dois oficiais que se sentaram ao lado dele enquanto eu tentava um diálogo se movimentaram. Era o sinal de que eu não poderia ir mais longe. Nada perguntei sobre torturas e saí de lá sem ter certeza de nada, a não ser de que algo grave estava acontecendo.
A visita aos quatro frades dominicanos de nossa província de São Paulo foi bem mais dramática. Depois de passar por muitas portas e muitos guardas, chegamos ao lugar em que se encontravam as suas camas e os poucos utensílios à disposição de meus confrades presos. Mais uma vez os militares nos acompanharam e se sentaram entre mim e os prisioneiros, em atitude ameaçadora.
Repeti a mesma pergunta feita a frei Giorgio, tentando obter alguma informação, ainda que indiretamente. Frei Betto, hoje tão conhecido, espertamente se colocou atrás dos militares, de frente para nós, e com os olhos indicou o lugar em que se encontrava frei Tito de Alencar, acamado, visivelmente extenuado. Aproximei-me dele e levei um choque ao constatar o quanto ele havia sido torturado. Ensangüentado, deprimido, repetia: "O senhor está vendo... o senhor está vendo...", dirigindo-se mais a frei Gorgulho do que a mim.
Não foi difícil perceber as marcas profundas da tortura e o estado de desespero. Estivera isolado durante muitos dias no quarto, nessa situação, outra tortura. Aliás, ela penetrara em seu ser e iria tomar posse dele até lhe ordenar o ato supremo de desespero.
Eu tinha a impressão nítida de que frei Tito, generoso em sua vida, estava quase moribundo naquele momento. Não sei se ele conseguiu ouvir o que eu dizia, mas procurei comunicar que eu lá estava em nome da Igreja, para obter oficialmente informações sobre a sua condição, e de que todos podiam contar com a ajuda do cardeal-arcebispo de São Paulo.
Chegara a hora de comunicar as minhas impressões ao então arcebispo de São Paulo e meu superior, o cardeal Agnelo Rossi.
Para transmitir com precisão o que presenciara, conversei longamente com frei Gorgulho, cuja memória extraordinária guardara todas as palavras e os mais pequeninos gestos ocorridos durante nossas visitas.
Dom Agnelo sentou-se a meu lado e perguntou de imediato minha impressão. Respondi sem hesitar: "Minha impressão é de que frei Tito de Alencar foi horrivelmente torturado, e que alguma coisa grave está acontecendo com os demais."
Fiquei chocado quando o cardeal se levantou e disse: "Muito obrigado, dom Paulo, mas devo lhe confiar que outros me garantem que não há tortura nas nossas prisões."
Essas palavras ficaram ressoando em meus ouvidos até nas celebrações eucarísticas, quando me lembrava da paixão e morte de Cristo e do martírio dos primeiros apóstolos que ele nos deixou.
O seminarista dominicano Roberto Romano foi preso na rodoviária de São Paulo quando tentava embarcar para o Rio, onde pretendia avisar os pais de frei Ivo que seu filho estava detido. A depressão em que as condições da prisão o deixaram afetou seu equilíbrio emocional e ele tentou se matar, cortando os pulsos. Quando tomei conhecimento desse fato, fui visitá-lo com frei Gorgulho. Como sempre, fomos escoltados por dois soldados, apontando-nos metralhadoras. Roberto Romano, que parecia adormecido, assustou-se ao nos ver e em seus olhos surgiu uma pungente expressão de desamparo e temor, como se o fôssemos acusar pela tentativa de suicídio.
Instintivamente, a misericórdia me impulsionou em sua direção. Ignorando as armas que nos ameaçavam, sentei-me ao seu lado, abracei-o e, sem mesmo refletir, ninei-o, talvez reproduzindo o gesto amoroso com que minha mãe me confortara na infância.
Consegui outras vezes ter acesso ao Presídio Tiradentes. Lá encontrei mais ou menos uma dúzia de religiosos, todos eles encarcerados sob o pretexto de subversão. Alguns eram meus conhecidos e todos se tornaram meus amigos a partir dessa hora e da consagração aos serviços da Igreja e da humanidade. Ouvi tantas coisas e reparei em tantos ferimentos, que não tive mais dúvida de que a tortura se instalara como método de interrogatório para todos os presos políticos.
A partir dessas visitas tão deprimentes comecei a me interessar por todos eles. Fui celebrar missa para os dominicanos na prisão e pedi ao capelão militar, monsenhor Luís Marques, que servisse de intermediário e celebrasse a missa para eles. Monsenhor Marques assim o fez, até o momento em que me disse: "Dom Paulo, as coisas estão ficando perigosas para mim. Continuarei em contato, levando o seu consolo, dentro das possibilidades."
Isto deixou frei Betto e os demais religiosos bastante isolados, com pouca comunicação até com seu advogado, Dr. Mario Simas. Meus passos eram seguidos, e eu me dei conta de que também precisava tomar muito cuidado.
Aos presos políticos dediquei o primeiro dia depois de minha posse como arcebispo. Em seguida, mais sete longos anos, com horas e dias por vezes intermináveis. Quando Cristo me perguntar: "Estive preso, você me visitou?" – espero que me perdoe todas as omissões nessa área de sofrimentos indizíveis, porque não só os visitei, mas estive preso com eles, unido pela mais irrestrita solidariedade.
Estamos chegando aos anos setenta e se aproxima o momento de eu mudar de lugar e assumir responsabilidade ainda maior.
Foi o que aconteceu numa terça-feira de outubro, durante a reunião dos coordenadores da minha queridíssima região norte: "Telefonema do próprio cardeal. Venha logo atender, por favor."
Concluí a reunião com os meus padres e passei em casa para colocar roupa conveniente e apanhar os apetrechos indispensáveis para a viagem que, eu imaginava, seria até Brasília. Isso porque o cardeal havia estado em Roma e marcara uma data bem posterior para a sua volta. Deveria, portanto, pensava eu, ter acontecido alguma coisa especial.
Quando cheguei ao Palácio Pio XII, então residência do cardeal arcebispo de São Paulo, fui imediatamente levado ao escritório de Sua Eminência, que me disse: "Fui convidado pelo Papa Paulo VI a assumir a Congregação das Missões e a viajar com ele, nas próximas semanas, até o Oriente."
Formulei meus votos e transmiti meus parabéns, dizendo a dom Agnelo o quanto era importante estar ao lado do sucessor de São Pedro, sobretudo quando ele se chama Paulo VI. Ele agradeceu e me instruiu: "Vá ao telefone, por favor."
Este já estava fora do gancho, à espera de que eu atendesse ao chamado. Do outro lado da linha se encontrava o núncio apostólico, dom Humberto Mozzoni, dizendo que estava em Roma e me perguntando, em nome de Sua Santidade o Papa Paulo VI, se eu aceitava ser arcebispo de São Paulo, já que o cardeal Rossi fora transferido para Roma.
Perguntei: "É consulta ou é ordem? Se for consulta, queira responder ao Santo Padre, com todo o respeito, que não posso aceitar, por muitos motivos. Se, porém, for ordem, diga-lhe, com a mesma simplicidade, que como franciscano aprendi a nunca discutir decisões dos superiores de minha Igreja querida."
A resposta, naturalmente, demorou um pouco, pois o núncio voltou à presença do papa e, após alguns minutos, me transmitiu a confiante, mas terrível sentença: "É ordem de Sua Santidade."
Minha reação imediata foi: "Queira transmitir ao bondoso Papa Paulo VI que aceito todas as suas ordens e darei o meu sangue para cumprir essa missão tão espinhosa. Que ele me dê a bênção para tão grande missão em tempos perturbados do Brasil."
Naquele 22 de outubro de 1970 eu deixava de ser bispo da região norte para tornar-me arcebispo metropolitano de cinco milhões e novecentos mil católicos, de uns quinhentos e noventa padres na ativa e de umas cinco mil irmãs nas instituições e nas pastorais desta maravilhosa arquidiocese que é São Paulo.
O que os presos nos ensinaram
Foi só durante a minha estada na França que eu soube dar valor à palavra de Jesus reproduzida no vigésimo quinto capítulo do Evangelho de Mateus: "Estive preso e me visitastes."
Não apenas os meus colegas franciscanos voltavam das prisões horrorosas da Alemanha, mas também os alemães prisioneiros de guerra ocupavam o nosso convento franciscano de Garnstock, Eupen, na Bélgica. Com os primeiros travei conhecimento e amizade no primeiro dia de aulas. O grupo de alemães, alojado no Colégio Belga-Brasileiro, era quase todo composto de pessoas doentes ou feridas de guerra. Ali havia sobretudo um médico de grande experiência e dedicação sem par.
Na época do Natal e Ano Novo tivemos desejo de melhorar a qualidade da comida dos presos. Então, um padre belga me convidou a atravessar o país em todos os sentidos, pedindo nos conventos comida e agasalho para o inverno que estava chegando. Com ele percorri quase todas as casas religiosas, e não só trouxemos o jipe carregado, mas também muitas palavras de conforto para o padre que cuidava do bem-estar dos presos considerados "inimigos".
Nunca passei tanto frio, mas também não me lembro de ter tido tanto consolo pela realização da palavra de Cristo Juiz reproduzida pelo evangelista Mateus no seu vigésimo quinto capítulo.
Aliás, a convivência com presos e ex-presos de ambos os lados dessa guerra estúpida e total me fez abominar todo tipo de ditadura e aderir ao programa de solidariedade em qualquer ocasião e país.
Ao chegar à região norte de São Paulo verifiquei, de imediato, que a maior casa de detenção do Brasil e, talvez, também a maior penitenciária, ambas situadas no bairro do Carandiru, se encontravam ali.
Poucos dias depois de minha posse em Santana, veio ver-me o capelão salesiano da penitenciária, enérgico e totalmente dedicado tanto aos presos julgados quanto aos da casa de detenção, que aguardavam julgamento.
Convidou-me o padre Ismael Simões, em nome do juiz, a assistir a um julgamento rápido, dentro da detenção. Impressionou-me demais o fato de o preso estar aguardando há vinte e três anos o seu julgamento, desperdiçando quase toda a sua vida na inútil espera de justiça em São Paulo. As Irmãs do Bom Pastor, que trabalhavam na penitenciária feminina, me disseram também que quase todas as detentas mereciam ser soltas, pois tinham agido em legítima defesa e deviam poder retomar suas vidas em liberdade. Cheguei a procurar o ministro da Justiça, o secretário de Segurança e o governador de São Paulo, pedindo a revisão dos processos para presas e presos. Minha intercessão não teve qualquer resultado por causa da dureza dos corações.
Habituei-me de tal maneira às visitas à penitenciária que todas as semanas eu me oferecia para celebrar a eucaristia junto às irmãs encarregadas do presídio feminino, e comparecia ao menos uma vez por mês para visitar os presos, participar da reunião da Legião de Maria que ali funcionava, e até para cortar o cabelo e engraxar os sapatos.
Tanto o diretor quanto os demais funcionários sempre me acolheram com muita distinção, facilitando o contato necessário com os internos. Distribuir revistas e jornais, levar algumas notícias sobre resultados de recursos judiciais e ouvir as queixas dos presos era para mim um conforto na vida relativamente cômoda que levávamos fora da cadeia.
A questão, porém, tomou outro rumo. Um dia me avisaram que a irmã Maurina Borges havia chegado ao presídio feminino como presa política e iria assistir à minha celebração eucarística no dia seguinte. Através dela fiquei sabendo não só das torturas praticadas pela polícia em Ribeirão Preto, mas também do ato de excomunhão lançado sobre os autores dos crimes por meu amigo e arcebispo daquela arquidiocese, dom Felício Vasconcelos, meu antigo professor franciscano.
Também soube que, de início, os denunciados ridicularizavam tal ação da Igreja, mas aos poucos foram se sentindo marginalizados e punidos pela sociedade temente a Deus.
Foi o começo de uma ação que iria durar por toda a minha gestão de bispo em São Paulo.
Ficou conhecida, naquele tempo, a troca de presos pela restituição à liberdade do embaixador da Suíça, que fora seqüestrado. Nesse grupo também deveriam ir a irmã Maurina e um frade dominicano.
No dia anterior à execução dessa resolução extraordinária recebi de meu amigo e diretor da penitenciária o pedido para comparecer, às quatro horas da manhã, para celebrar a missa com todas as presas, inclusive a irmã Maurina, e assinar uma declaração de que ela nunca se oferecera para receber qualquer regalia, como era considerada a expulsão do Brasil para o México.
O diretor assinou o mesmo documento comigo e a irmã, mas não consegui acompanhá-la até o momento do embarque. Só mais tarde Deus me proporcionou a alegria e a graça de visitá-la no México, com a licença e a bênção do cardeal-arcebispo daquela cidade.
Fui um dia convocado com urgência pelo cardeal Rossi: "O senhor foi escolhido para visitar os dominicanos presos e verificar se realmente eles estão sendo torturados."
O único dominicano que eu conhecia até então era frei Gorgulho. Eu tomara conhecimento da transferência dos dominicanos para a prisão em São Paulo e me interessara em conhecer as razões que os levaram a ser presos.
Naquele momento, porém, não me empenhei em visitá-los ou prestar-lhes algum auxílio especial porque havia outro bispo auxiliar, dom Lucas Moreira Neves, que, por ser dominicano, devia interessar-se em dar auxílio a seus irmãos de ordem. O fato de dom Lucas não estar ligado a nenhuma região episcopal, como acontecia comigo na região norte, lhe dava uma liberdade maior. Além disso, eu considerava que qualquer ação que contestasse o regime militar teria mais eficácia se fosse exercida pelo cardeal-arcebispo de São Paulo, pois um bispo auxiliar nem era reconhecido como bispo.
Por isso, ante o pedido de dom Agnelo, respondi: "O senhor tem um bispo dominicano, e é mais interessante que ele vá, porque será certamente mais reconhecido e aceito pelos militares."
O cardeal limitou-se a insistir: "Eu peço que o senhor vá."
A palavra de meu superior, o cardeal, sempre fora ordem. Parti para o Presídio Tiradentes acompanhado de frei Gilberto Gorgulho, pedindo que ele se valesse de sua fabulosa memória para registrar cada palavra ou gesto dos dominicanos. Cuidei, é claro, de estar revestido de todas as insígnias episcopais, inclusive o solidéu. No horário estabelecido pelos militares, nós nos dirigimos ao quartel general da polícia, para visitar o primeiro preso, frei Giorgio Callegari, que vinha de uma greve de fome de seis dias. Subimos ao primeiro andar, percorremos um longo corredor, e me espantei ao ver seis soldados apontando a baioneta para nós, deixando apenas o espaço estrito para entrarmos na cela do religioso.
Dirigi-me ao grupo de soldados: "Poderia estar a sós com ele?"
A resposta não admitia argumentação: "Desculpe, recebemos ordens de acompanhá-lo. O senhor tem toda a liberdade..."
Eu não conhecia frei Giorgio até aquele momento. Resolvi abrir o jogo, dizendo que ali estava em nome do arcebispo de São Paulo e perguntando como ele estava sendo tratado.
Frei Giorgio, estudante de teologia, ainda não era padre (eu mesmo o ordenaria em dezembro de 1971). Mais tarde, ele se revelaria extrovertido e loquaz. Nesta hora, porém, nada falou. Apenas aproveitou os momentos de distração do soldado para me fazer sinais com o olhar de que não estava sendo bem tratado. Percebi o enorme medo e nervosismo que ele sentia. Logo os dois oficiais que se sentaram ao lado dele enquanto eu tentava um diálogo se movimentaram. Era o sinal de que eu não poderia ir mais longe. Nada perguntei sobre torturas e saí de lá sem ter certeza de nada, a não ser de que algo grave estava acontecendo.
A visita aos quatro frades dominicanos de nossa província de São Paulo foi bem mais dramática. Depois de passar por muitas portas e muitos guardas, chegamos ao lugar em que se encontravam as suas camas e os poucos utensílios à disposição de meus confrades presos. Mais uma vez os militares nos acompanharam e se sentaram entre mim e os prisioneiros, em atitude ameaçadora.
Repeti a mesma pergunta feita a frei Giorgio, tentando obter alguma informação, ainda que indiretamente. Frei Betto, hoje tão conhecido, espertamente se colocou atrás dos militares, de frente para nós, e com os olhos indicou o lugar em que se encontrava frei Tito de Alencar, acamado, visivelmente extenuado. Aproximei-me dele e levei um choque ao constatar o quanto ele havia sido torturado. Ensangüentado, deprimido, repetia: "O senhor está vendo... o senhor está vendo...", dirigindo-se mais a frei Gorgulho do que a mim.
Não foi difícil perceber as marcas profundas da tortura e o estado de desespero. Estivera isolado durante muitos dias no quarto, nessa situação, outra tortura. Aliás, ela penetrara em seu ser e iria tomar posse dele até lhe ordenar o ato supremo de desespero.
Eu tinha a impressão nítida de que frei Tito, generoso em sua vida, estava quase moribundo naquele momento. Não sei se ele conseguiu ouvir o que eu dizia, mas procurei comunicar que eu lá estava em nome da Igreja, para obter oficialmente informações sobre a sua condição, e de que todos podiam contar com a ajuda do cardeal-arcebispo de São Paulo.
Chegara a hora de comunicar as minhas impressões ao então arcebispo de São Paulo e meu superior, o cardeal Agnelo Rossi.
Para transmitir com precisão o que presenciara, conversei longamente com frei Gorgulho, cuja memória extraordinária guardara todas as palavras e os mais pequeninos gestos ocorridos durante nossas visitas.
Dom Agnelo sentou-se a meu lado e perguntou de imediato minha impressão. Respondi sem hesitar: "Minha impressão é de que frei Tito de Alencar foi horrivelmente torturado, e que alguma coisa grave está acontecendo com os demais."
Fiquei chocado quando o cardeal se levantou e disse: "Muito obrigado, dom Paulo, mas devo lhe confiar que outros me garantem que não há tortura nas nossas prisões."
Essas palavras ficaram ressoando em meus ouvidos até nas celebrações eucarísticas, quando me lembrava da paixão e morte de Cristo e do martírio dos primeiros apóstolos que ele nos deixou.
O seminarista dominicano Roberto Romano foi preso na rodoviária de São Paulo quando tentava embarcar para o Rio, onde pretendia avisar os pais de frei Ivo que seu filho estava detido. A depressão em que as condições da prisão o deixaram afetou seu equilíbrio emocional e ele tentou se matar, cortando os pulsos. Quando tomei conhecimento desse fato, fui visitá-lo com frei Gorgulho. Como sempre, fomos escoltados por dois soldados, apontando-nos metralhadoras. Roberto Romano, que parecia adormecido, assustou-se ao nos ver e em seus olhos surgiu uma pungente expressão de desamparo e temor, como se o fôssemos acusar pela tentativa de suicídio.
Instintivamente, a misericórdia me impulsionou em sua direção. Ignorando as armas que nos ameaçavam, sentei-me ao seu lado, abracei-o e, sem mesmo refletir, ninei-o, talvez reproduzindo o gesto amoroso com que minha mãe me confortara na infância.
Consegui outras vezes ter acesso ao Presídio Tiradentes. Lá encontrei mais ou menos uma dúzia de religiosos, todos eles encarcerados sob o pretexto de subversão. Alguns eram meus conhecidos e todos se tornaram meus amigos a partir dessa hora e da consagração aos serviços da Igreja e da humanidade. Ouvi tantas coisas e reparei em tantos ferimentos, que não tive mais dúvida de que a tortura se instalara como método de interrogatório para todos os presos políticos.
A partir dessas visitas tão deprimentes comecei a me interessar por todos eles. Fui celebrar missa para os dominicanos na prisão e pedi ao capelão militar, monsenhor Luís Marques, que servisse de intermediário e celebrasse a missa para eles. Monsenhor Marques assim o fez, até o momento em que me disse: "Dom Paulo, as coisas estão ficando perigosas para mim. Continuarei em contato, levando o seu consolo, dentro das possibilidades."
Isto deixou frei Betto e os demais religiosos bastante isolados, com pouca comunicação até com seu advogado, Dr. Mario Simas. Meus passos eram seguidos, e eu me dei conta de que também precisava tomar muito cuidado.
Aos presos políticos dediquei o primeiro dia depois de minha posse como arcebispo. Em seguida, mais sete longos anos, com horas e dias por vezes intermináveis. Quando Cristo me perguntar: "Estive preso, você me visitou?" – espero que me perdoe todas as omissões nessa área de sofrimentos indizíveis, porque não só os visitei, mas estive preso com eles, unido pela mais irrestrita solidariedade.
Estamos chegando aos anos setenta e se aproxima o momento de eu mudar de lugar e assumir responsabilidade ainda maior.
Foi o que aconteceu numa terça-feira de outubro, durante a reunião dos coordenadores da minha queridíssima região norte: "Telefonema do próprio cardeal. Venha logo atender, por favor."
Concluí a reunião com os meus padres e passei em casa para colocar roupa conveniente e apanhar os apetrechos indispensáveis para a viagem que, eu imaginava, seria até Brasília. Isso porque o cardeal havia estado em Roma e marcara uma data bem posterior para a sua volta. Deveria, portanto, pensava eu, ter acontecido alguma coisa especial.
Quando cheguei ao Palácio Pio XII, então residência do cardeal arcebispo de São Paulo, fui imediatamente levado ao escritório de Sua Eminência, que me disse: "Fui convidado pelo Papa Paulo VI a assumir a Congregação das Missões e a viajar com ele, nas próximas semanas, até o Oriente."
Formulei meus votos e transmiti meus parabéns, dizendo a dom Agnelo o quanto era importante estar ao lado do sucessor de São Pedro, sobretudo quando ele se chama Paulo VI. Ele agradeceu e me instruiu: "Vá ao telefone, por favor."
Este já estava fora do gancho, à espera de que eu atendesse ao chamado. Do outro lado da linha se encontrava o núncio apostólico, dom Humberto Mozzoni, dizendo que estava em Roma e me perguntando, em nome de Sua Santidade o Papa Paulo VI, se eu aceitava ser arcebispo de São Paulo, já que o cardeal Rossi fora transferido para Roma.
Perguntei: "É consulta ou é ordem? Se for consulta, queira responder ao Santo Padre, com todo o respeito, que não posso aceitar, por muitos motivos. Se, porém, for ordem, diga-lhe, com a mesma simplicidade, que como franciscano aprendi a nunca discutir decisões dos superiores de minha Igreja querida."
A resposta, naturalmente, demorou um pouco, pois o núncio voltou à presença do papa e, após alguns minutos, me transmitiu a confiante, mas terrível sentença: "É ordem de Sua Santidade."
Minha reação imediata foi: "Queira transmitir ao bondoso Papa Paulo VI que aceito todas as suas ordens e darei o meu sangue para cumprir essa missão tão espinhosa. Que ele me dê a bênção para tão grande missão em tempos perturbados do Brasil."
Naquele 22 de outubro de 1970 eu deixava de ser bispo da região norte para tornar-me arcebispo metropolitano de cinco milhões e novecentos mil católicos, de uns quinhentos e noventa padres na ativa e de umas cinco mil irmãs nas instituições e nas pastorais desta maravilhosa arquidiocese que é São Paulo.
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Comentário de ROBERTO ROMANOAGRADEÇO A DOM PAULO A SUA BONDADE E SUA PRÓPRIA EXISTÊNCIA. EM DUAS OCASIÕES ELE ME SALVOU A VIDA E A ALMA. A PRIMEIRA, NO RELATO DE MINHA TENTATIVA DE SUICÍDIO. DEPOIS, QUANDO ESTAVA PRESO NO QUARTEL GENERAL DA POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO, UM GRUPO DE INTEGRANTES DO ESQUADRÃO DA MORTE QUERIA ME LEVAR PARA UM DESTINO COMUM AOS PRESOS, NA ÉPOCA. SEM A ORDEM EXPRESSA DO GENERAL CONFUCIO DANTON DE PAULA, EM ENTENDIMENTOS COM A CURIA, O FATO SERIA CONSUMADO. SOU GRATO, ATÉ HOJE, AO JOVEM MAJOR DA PM QUE SE RECUSOU A ME LIBERAR AOS POLICIAIS QUE EXIGIAM, EM ALTOS BRADOS, A MINHA PESSOA.
POR ISSO, SEMPRE QUE UM JORNALISTA QUE SUPÕE ESTAR ACIMA DO BEM E DO MAL, OU GENTE ASSIM, DIZ COISAS SOBRE DOM PAULO QUE SÓ OS PIORES AGENTES DA DITADURA DIZIAM, NÃO ME CALO.
Obrigado D. paulo, pelo dom da vida.
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Meu comentário: desculpem o texto longo, mas é preciso enfatizar que na década de 70 (eu fui estudante na USP de Ribeirão Preto de 1974 a 1977) D. Paulo foi a dádiva de todos que tinham seus parentes presos. Sem a luta dele, melhor dizendo a ESCOLHA dele, teríamos perdido mais vidas nas mãos cruéis dos soldados da ditadura.
Veja abaixo como se gabam os assassinos de suas peripécias:
entrevista "A gente usava socos, choques, tapa no ouvido"
DO ENVIADO A MANAUS
O tenente da reserva José Vargas Jimenez ganhou a admiração dos colegas de farda ao lançar o livro "Bacaba, Memórias de um Guerreiro de Selva da Guerrilha do Araguaia", em 2007, no qual narra como usou técnicas de tortura aprendidas no Cigs. (CDS)
FOLHA - O sr. serviu na turma de 1972. Como foi o treinamento?JOSÉ VARGAS JIMENEZ - Foi muito duro, bem próximo da realidade. Tenho consciência de que, se não tivesse passado pelo treinamento no Cigs, eu não estaria vivo.
FOLHA - Vocês aprendiam técnicas de interrogatório?JIMENEZ - Sim. Muito das técnicas lá eram em relação aos índios que a gente prendia. Era bem brabo, mas o interrogatório psicológico é pior.
FOLHA - Pode dar um exemplo?JIMENEZ - Eu trabalhava no DOI-Codi aqui e roubaram oito pistolas. Toda a guarnição que estava de serviço foi presa. Me mandaram interrogar. Eu, à paisana, preparei uma sala e orientei um companheiro para atuar como no filme onde tem um policial malvado e outro bonzinho.Mandei o sargento trazer o soldado algemado e judiar dele. Aí pedi que meu companheiro retirasse as algemas e ofereci um cafezinho, um cigarrinho. Ele me delatou que as armas estavam na casa de um civil. Prendemos um senhor que tinha duas filhas lindas. Na PF, que efetuou a prisão, mandei juntar os dois e deixei eles lá por cinco minutos. Depois falei pro civil que ele era mentiroso, pois o soldado já havia me ajudado a recuperar quatro armas. Saí e chamei três agentes da PF, grandes, barbudos e com cara de mau. Na frente do homem [civil], perguntei aos agentes: "Vocês viram as duas filhinhas dele lá na favela, uma de 12 e uma de 14 anos. Vocês gostaram? Vão lá comer elas, podem ir estuprar elas". Para proteger as filhas ele entregou tudo.
FOLHA - E a tortura física?JIMENEZ - Eles faziam na gente primeiro. Nos amarravam, faziam a gente passar fome e nem deixavam dormir. A gente usava socos em pontos vitais, choques elétricos, dava tapa no ouvido e botava o sujeito em cima de duas latinhas de leite condensado. Teve um camponês que encontramos no meio da selva -eu, Curió e meu grupo- que não queria falar onde estavam os guerrilheiros.Pegamos ele e botamos no pau-de-arara, só que o pau-de-arara era um viveiro de formiga. Nós besuntamos ele de açúcar, colocamos sal na boca dele e deixamos ali. Em dez minutos ele falou tudo.
FOLHA - Qual a reação ao livro no meio militar?JIMENEZ - Gostaram muito. Mandei uns livros para lá [Cigs], autografados. O major Coimbra disse que [ela] vai servir para a aula dos alunos. Disse que o comandante [coronel Antonio Barros] me convidou para ir lá dar uma palestra e ser homenageado com o facão do guerreiro de selva [símbolo do militar da Amazônia]. Um coronel que foi meu chefe mandou pedir dez livros: mandou cinco para a Aman [Academia Militar das Agulhas Negras] e cinco para EsSA [Escola de Sargentos das Armas], para servir de orientação para os guris
DO ENVIADO A MANAUS
O tenente da reserva José Vargas Jimenez ganhou a admiração dos colegas de farda ao lançar o livro "Bacaba, Memórias de um Guerreiro de Selva da Guerrilha do Araguaia", em 2007, no qual narra como usou técnicas de tortura aprendidas no Cigs. (CDS)
FOLHA - O sr. serviu na turma de 1972. Como foi o treinamento?JOSÉ VARGAS JIMENEZ - Foi muito duro, bem próximo da realidade. Tenho consciência de que, se não tivesse passado pelo treinamento no Cigs, eu não estaria vivo.
FOLHA - Vocês aprendiam técnicas de interrogatório?JIMENEZ - Sim. Muito das técnicas lá eram em relação aos índios que a gente prendia. Era bem brabo, mas o interrogatório psicológico é pior.
FOLHA - Pode dar um exemplo?JIMENEZ - Eu trabalhava no DOI-Codi aqui e roubaram oito pistolas. Toda a guarnição que estava de serviço foi presa. Me mandaram interrogar. Eu, à paisana, preparei uma sala e orientei um companheiro para atuar como no filme onde tem um policial malvado e outro bonzinho.Mandei o sargento trazer o soldado algemado e judiar dele. Aí pedi que meu companheiro retirasse as algemas e ofereci um cafezinho, um cigarrinho. Ele me delatou que as armas estavam na casa de um civil. Prendemos um senhor que tinha duas filhas lindas. Na PF, que efetuou a prisão, mandei juntar os dois e deixei eles lá por cinco minutos. Depois falei pro civil que ele era mentiroso, pois o soldado já havia me ajudado a recuperar quatro armas. Saí e chamei três agentes da PF, grandes, barbudos e com cara de mau. Na frente do homem [civil], perguntei aos agentes: "Vocês viram as duas filhinhas dele lá na favela, uma de 12 e uma de 14 anos. Vocês gostaram? Vão lá comer elas, podem ir estuprar elas". Para proteger as filhas ele entregou tudo.
FOLHA - E a tortura física?JIMENEZ - Eles faziam na gente primeiro. Nos amarravam, faziam a gente passar fome e nem deixavam dormir. A gente usava socos em pontos vitais, choques elétricos, dava tapa no ouvido e botava o sujeito em cima de duas latinhas de leite condensado. Teve um camponês que encontramos no meio da selva -eu, Curió e meu grupo- que não queria falar onde estavam os guerrilheiros.Pegamos ele e botamos no pau-de-arara, só que o pau-de-arara era um viveiro de formiga. Nós besuntamos ele de açúcar, colocamos sal na boca dele e deixamos ali. Em dez minutos ele falou tudo.
FOLHA - Qual a reação ao livro no meio militar?JIMENEZ - Gostaram muito. Mandei uns livros para lá [Cigs], autografados. O major Coimbra disse que [ela] vai servir para a aula dos alunos. Disse que o comandante [coronel Antonio Barros] me convidou para ir lá dar uma palestra e ser homenageado com o facão do guerreiro de selva [símbolo do militar da Amazônia]. Um coronel que foi meu chefe mandou pedir dez livros: mandou cinco para a Aman [Academia Militar das Agulhas Negras] e cinco para EsSA [Escola de Sargentos das Armas], para servir de orientação para os guris
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Dá para pensar sobre os três assassinatos dos jovens no Rio de Janeiro.
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