PALAVRAS CASADAS
José Augusto Carvalho, Professor de Linguísticada Universidade Federal do Espírito Santo.
Existem pares de substantivos comuns, semanticamente relacionados, em que o feminino e o masculino se usam diferentemente pelos falantes, guiados pela intuição. Pergunte-se a um brasileiro se ele põe uma jarra dágua ou um jarro dágua na mesa, se ele compra um saco de café ou uma saca de café, se ele pegava a barca ou o barco para ir do Rio a Niterói... A todas essas perguntas, ele responderá sem hesitação, de acordo com a própria intuição, sem que lhe tivessem ensinado o porquê da preferência pelo masculino ou pelo feminino, em cada situação...
Tentando explicar o porquê do masculino ou do feminino, nesses pares de palavras, Mattoso Câmara Jr., em sua Estrutura da Língua Portuguesa (Petrópolis: Vozes, 1970, p. 78), ensina: o feminino representa quase sempre um tipo marcado ou uma especialização da correspondente forma masculina, de sentido geral, não-marcado. Assim: o saco/ a saca; o jarro/a jarra; o barco/a barca; o buraco/a buraca; o poço/ a poça; o melão/ a meloa; o cesta/ a cesta; o mato/a mata, etc.
Rodrigues Lapa, em sua Estilística da Língua Portuguesa (3.ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1959, p. 109), considera, nessas parelhas, que “o masculino representa maior grandeza no sentido de comprimento, o feminino maior grandeza no sentido da largura. O português viu nos objetos a imagem do homem e da mulher: o homem, mais forte, mais alto e esbelto; a mulher, mais baixa, mais larga, de curvas mais arredondadas.”
A explicação, talvez simplista demais por ser impressionista, não convence. Não me parece que “porta” tenha curvas arredondadas, nem que seja mais larga que “porto” (o sentido comum em porto/porta é o de “passagem”). A explicação de Mattoso Câmara, acima apontada, parece mais adequada, por apoiar-se basicamente nas noções linguísticas de não-marcado (masculino) e marcado (feminino), em oposição. De fato, o feminino é o único gênero em português, porque é marcado; o masculino é a própria ausência de gênero (o que vai de encontro às idéias feministas de que a nossa língua é machista). Assim “Deus” é masculino porque não tem o “a” do feminino. Isto, isso, aquilo, quem, tudo, etc. exigem concordância no masculino porque são formas sem gênero. Não existe marca para o masculino, como existe para o feminino; assim como não existe marca para o singular, como existe para o plural. Sei que “prato” é singular porque não tem o “s” de plural. Assim, a explicação de Mattoso Câmara parece a melhor, porque segue uma orientação linguística.
Não sei até que ponto, no entanto, a explicação de Mattoso Câmara cobre esses pares de substantivos. Não sei se o nome “cesta” é marcado, por oposição a “cesto”, por exemplo. Há parelhas homeomórficas (isto é, pares de mesma forma) que, embora semanticamente próximas nos seus étimos ou em suas origens, já não são mais tão próximas assim ou não são sentidas pelo falante como semanticamente próximas, como: o braço (membro superior) / a braça (medida); o ponto/ a ponta; o bico (proeminência córnea da boca das aves)/a bica (tubo de onde escorre água); o bolo (guloseima) / a bola (o feitio arredondado da bola é que “batizou” a guloseima).
Além disso, há outros substantivos que, embora morficamente idênticos, têm origem e significação diversas, como: o milho (cereal) / a milha (medida itinerária); o selo (estampilha)/ a sela (arreio de montaria); o tiro (disparo) / a tira (faixa); o prato (utensílio doméstico)/ a prata (metal); o boto (mamífero aquático)/ a bota (calçado); o malho (o martelo, como em “descer o malho”)/ a malha (o tecido ou o coletivo, como malha rodoviária, malha telefônica); etc.
Eis um bom tema para tese. Com a palavra os mestrandos em língua portuguesa...
José Augusto Carvalho, Professor de Linguísticada Universidade Federal do Espírito Santo.
Existem pares de substantivos comuns, semanticamente relacionados, em que o feminino e o masculino se usam diferentemente pelos falantes, guiados pela intuição. Pergunte-se a um brasileiro se ele põe uma jarra dágua ou um jarro dágua na mesa, se ele compra um saco de café ou uma saca de café, se ele pegava a barca ou o barco para ir do Rio a Niterói... A todas essas perguntas, ele responderá sem hesitação, de acordo com a própria intuição, sem que lhe tivessem ensinado o porquê da preferência pelo masculino ou pelo feminino, em cada situação...
Tentando explicar o porquê do masculino ou do feminino, nesses pares de palavras, Mattoso Câmara Jr., em sua Estrutura da Língua Portuguesa (Petrópolis: Vozes, 1970, p. 78), ensina: o feminino representa quase sempre um tipo marcado ou uma especialização da correspondente forma masculina, de sentido geral, não-marcado. Assim: o saco/ a saca; o jarro/a jarra; o barco/a barca; o buraco/a buraca; o poço/ a poça; o melão/ a meloa; o cesta/ a cesta; o mato/a mata, etc.
Rodrigues Lapa, em sua Estilística da Língua Portuguesa (3.ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1959, p. 109), considera, nessas parelhas, que “o masculino representa maior grandeza no sentido de comprimento, o feminino maior grandeza no sentido da largura. O português viu nos objetos a imagem do homem e da mulher: o homem, mais forte, mais alto e esbelto; a mulher, mais baixa, mais larga, de curvas mais arredondadas.”
A explicação, talvez simplista demais por ser impressionista, não convence. Não me parece que “porta” tenha curvas arredondadas, nem que seja mais larga que “porto” (o sentido comum em porto/porta é o de “passagem”). A explicação de Mattoso Câmara, acima apontada, parece mais adequada, por apoiar-se basicamente nas noções linguísticas de não-marcado (masculino) e marcado (feminino), em oposição. De fato, o feminino é o único gênero em português, porque é marcado; o masculino é a própria ausência de gênero (o que vai de encontro às idéias feministas de que a nossa língua é machista). Assim “Deus” é masculino porque não tem o “a” do feminino. Isto, isso, aquilo, quem, tudo, etc. exigem concordância no masculino porque são formas sem gênero. Não existe marca para o masculino, como existe para o feminino; assim como não existe marca para o singular, como existe para o plural. Sei que “prato” é singular porque não tem o “s” de plural. Assim, a explicação de Mattoso Câmara parece a melhor, porque segue uma orientação linguística.
Não sei até que ponto, no entanto, a explicação de Mattoso Câmara cobre esses pares de substantivos. Não sei se o nome “cesta” é marcado, por oposição a “cesto”, por exemplo. Há parelhas homeomórficas (isto é, pares de mesma forma) que, embora semanticamente próximas nos seus étimos ou em suas origens, já não são mais tão próximas assim ou não são sentidas pelo falante como semanticamente próximas, como: o braço (membro superior) / a braça (medida); o ponto/ a ponta; o bico (proeminência córnea da boca das aves)/a bica (tubo de onde escorre água); o bolo (guloseima) / a bola (o feitio arredondado da bola é que “batizou” a guloseima).
Além disso, há outros substantivos que, embora morficamente idênticos, têm origem e significação diversas, como: o milho (cereal) / a milha (medida itinerária); o selo (estampilha)/ a sela (arreio de montaria); o tiro (disparo) / a tira (faixa); o prato (utensílio doméstico)/ a prata (metal); o boto (mamífero aquático)/ a bota (calçado); o malho (o martelo, como em “descer o malho”)/ a malha (o tecido ou o coletivo, como malha rodoviária, malha telefônica); etc.
Eis um bom tema para tese. Com a palavra os mestrandos em língua portuguesa...
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