TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

terça-feira, 18 de maio de 2010

E, agora, José? Acabou a amizade, acabou a cidade ...



Ecologia, educação ambiental e saúde. Por Marta Bellini (doente de tanto pensar)

Resumo

Neste texto, a autora lança algumas questões acerca dos limites da Educação Ambiental e Ecologia que ensinamos nas escolas; propõe uma leitura da EA e Ecologia mediante as ideias de Moscovici em seu livro A Natureza - Para pensar a Ecologia e enfoca a necessidade de uma política a contrapelo para crianças e jovens.


Introdução


Para o II Encontro Nacional de Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente preparei este texto pensando nos textos de Serge Moscovici publicados no livro NATUREZA, Para pensar a ecologia, em 2007. Estes textos vieram-me a mão há pouco tempo, em março de 2010, quando fui banca de um Mestrado que apresentava os descaminhos de uma área de preservação ambiental em Londrina. O livro de Moscovici foi, então, uma reflexão boa para alguém que está exaurida em ouvir e falar de ecologia, educação ambiental e saúde. Assim o que escrevo e falo aqui tem a ver com a descoberta dos pensamentos de um autor por uma pessoa que pensa que só a utopia nos permite continuar a pensar o futuro. Dada esse alerta, vamos conversar um pouco sobre o tema tão em voga hoje.


A Educação Ambiental para além de “remédio” para as crianças e jovens

Toda escola que se preze nos dias iniciais do século XXI trabalha com Educação Ambiental – EA. Há inúmeras atividades, algumas muito interessantes, outras um tanto repetitivas, todas bem-vindas ao mundo atual. Todavia, hoje, mais do que nunca a Ecologia precisa auxiliar a EA como ambas precisam ser vinculadas às práticas democráticas, comunitárias e utópicas. Nesse caminho, destaco a ideia de Educar para o Ambiente na Escola e na Vida:

Falamos e receitamos aulas sobre lixo orgânico, seleção de lixos recicláveis, mas continuamos, nós, pais, alunos e professores, chegando e saindo de carro de casa, das escolas. Fazemos hortas, mas carregamos as mudas de carro. A lógica aqui para no meio do caminho.


O automóvel é a representação social de progresso. Na cidade onde moro, Maringá, Paraná, o carro justifica a construção de grandes avenidas no entorno da Universidade Estadual e um túnel do porte do túnel Anhangabaú de São Paulo, feito na década de 1970. As tiras territoriais que sobrarão na Universidade justificam o progresso. Automóvel é progresso. A lógica fechada em torno da indústria. Não é carro que importa, diz Moscovici (2007, p. 206), mas a lógica da sociedade que produz essa mercadoria progressista, o carro. Nosso psiquismo está ocupado pelo automóvel; pela ideia de liberdade, individualidade e rapidez. Não inventem nada. Não avaliem se há ou não outros meios de atender nossos desejos, as nossas condições de existência, diz Moscovici (2007, p. 2006).

A ideia de liberdade, individualidade, rapidez está no cerne da vida pós-moderna. Nossa vida também fica fechada. Ou como escreveu Moscovici:

Cada um está fechado em seu carro dentro de uma concha: lugar da solidão, lugar da dessocialização. Ninguém se comunica. Todos se evitam, se fecham em si mesmos, prisioneiros do cinto de segurança, do volante, do assento, das portas e janelas (MOSCOVICI, 2007, p. 206-207).

Voltando de carro da escola, paro em uma avenida movimentada, aproveito e faço minha musculação. Sou ignorante da minha condição humana. Exercito diante de uma avenida impactada por CO2 e enveneno-me a cada dia. Anne Spirn (1995) em Jardim de Granito já mostrou há mais de três décadas que as grandes avenidas das cidades do planeta precisam ter uma barreira de pelo menos 50 metros de cada lado para manter a saúde de seus moradores e transeuntes.

A crença de que a cidade é uma entidade separada da natureza, e até contrária a ela, dominou a maneira como a cidade é percebida e continua a afetar o modo como ela é construída. Esta atitude agravou e até causou muitos dos problemas ambientais urbanos (SPIRN, 1995, p.21)

Mas por que continuamos a intoxicar nossos pulmões? A agravar nossa saúde; a degradar nossos espaços urbanos?

Penso eu, que a capacidade de aventurar-se pela EA e, Ecologia é desvencilhar-se dos modelos que da cultura da indústria de carros e outras e não se resignar à máxima: Ah, se todos têm um carro, também vou me formar e logo comprar um também. Então, a minha primeira dimensão: educar para o meio ambiente é educar para a contracultura. É Educar-se para ficar fora de moda. Como disse Moscovici (2007, p. 207):

Só há uma maneira de sair dessa: a bicicleta. [...] ela não imobiliza o corpo, mas mobiliza as pernas, os braços, os cinco ou seis sentidos – já que a cabeça sonha. Se alguém cair, a pessoa se levanta e acorda cercada de seres humanos. [...] A bicicleta zomba dos regulamentos, ignora as proibições, circula em todo tipo de terreno e estaciona em qualquer lugar – na varanda, por exemplo. Em toda sociedade de consumo, é a bicicleta que consome menos; vez ou outra um pouco de ar e músculos.

Da incorporação da bicicleta ao cotidiano esbarramos em outra dimensão ambiental: seu vínculo com as políticas públicas da vida na cidade. Uma EA pensada desse modo, leva os indivíduos à frente do prefeito e de sua Câmara de Vereadores. Não queremos obras faraônicas, queremos ciclovias, mais árvores nas calçadas (para nosso sombreamento) e menos impermeabilização. Nasce uma geração de biciclopédicos, como disse Moscovici (2007, p. 208), homens, mulheres, crianças e jovens que levados por duas rodas , olham sua cidade, enxergam suas pessoas, suas vias e no lugar da rapidez podem pensar no tempo comunitário, um tempo mais flexível, menos duro. Um tempo em que olhamos os outros, olhamos a vida e na qual um “carrossel está dentro de nós” (MOSCOVICI, 2007, p. 208).

Nesse percurso, fazemos a redefinição da nossa posição social como sujeitos produtores de novos sentidos e verdades. Não basta reciclar diferentes tipos de lixo, precisamos enfrentar o lixo comum, a devastação das cidades; não basta estudar os impactos nos Fundos de Vale com nossos alunos, precisamos mudar as salas de aula, dos professores, a arquitetura de nossas escolas.

Da reciclagem, da horta, dos carros às paredes de nossas escolas:

Quando reciclamos lixos, aprendemos a reconhecer nossos costumes. Que tal levantarmos os olhos e entendermos nossa arquitetura escolar? Que tal fazer inversão axiológica olhando o nosso espaço de aprendizagem? A lógica das construções escolares é a lógica do branco, do asséptico, do “limpo”; é a lógica das janelas altas para nenhum aluno olhar para fora do contexto da sala de aula. È a lógica de acender as luzes as duas horas da tarde em um país tropical. É a lógica do gasto da energia elétrica. Da visão embaçada pelo branco e asséptico.

Uma EA subsidiada pela Ecologia prevê uma subversão e uma humanização dos sujeitos. Moscovici escreveu que “não basta dizer não à morte, é preciso dizer um sim à vida” (2007, p. 210). As salas de aula precisam de mais iluminação, mais vento e menos gasto com energia elétrica. É necessário banir as janelas altas, contestar a arquitetura anti-pedagógica. Anti-ambiental e anti-saúde. Salas semi-claras causam prejuízos à visão dos alunos, dores de cabeças. Temos medo de reintegrar o homem e a natureza? Em pesquisa na cidade de Maringá, Mariana Bertonha Biava (2009) ouviu de crianças e jovens de uma escola pública sugestões para melhorar suas vidas no espaço escolar. Isso incluía melhorar a lousa, que ora recebia mais iluminação ora menos, ninguém enxergava nada na sala. Diminuir os ruídos dos corredores, ampliar os lugares de ensontro com os colegas fora da sala de aula. Enfim, pediam uma nova arquitetura, novo espaço ambiental e um cuidado com a saúde de cada um. É pedir muito? Claro, não é. Pedem uma resposta ambiental, social e de saúde. Pedem relações criativas e novos valores culturais.

As janelas podem ser rebaixadas, mosaicos podem interromper a simetria das paredes como fez Gaudi em Barcelona. Os cacos jogados fora pelas construtoras podem redesenhar as paredes cinzas, brancas sem vida das escolas. “A ecologia é também uma contestação criadora que anuncia a emergência de novas energias sociais” (MOSCOVICI, 2007, p. 210). As crianças e jovens podem colaborar, podemos diluir poderes, ter abertura para trabalhar juntos com seus professores. Podem começar a partilhar os objetivos da EA e da Ecologia: todos os envolvidos no projeto sonhando para além dos valores do consumo.

Das paredes assépticas à comunicação

Quando tornamos mais arte as paredes das escolas estamos comunicando-nos. Construímos outras metáforas. A metáfora progresso mantém uma parte da Ecologia e da EA de mãos amarradas. Explico: cada vez que criticamos o consumerismo (termo que usa Moscovici para designar o comportamento do consumidor que tende a criar associações visando a defesa de seus direitos). A metáfora progresso, amplamente utilizada nos discursos modernos, afirma que os ecologistas são inimigos do progresso. Evitar um túnel debaixo de sua Universidade ou lutar pela biciclopedia é ser anti-progressista, é causar desemprego. Como escreveu Moscovici (2007) Quase todos ficam na defensiva como se nos perguntassem: “É necessário fazer disso um caso? Esses são os custos do progresso?” (MOSCOVICI, 2007, p. 68).

Somos tentados a abandonar o barco, a criatividade e manter a prática hegemônica do carro, a prática da racionalidade moderna: a natureza serve para produzirmos coisas. O problema é que a rigidez dessa racionalidade nos impõe a perda das alternativas. Moscovici (2007) traz a nós três dimensões para pensar e agir trazendo a política, de polis, de cidadania – para a EA e Ecologia:

1 - Lutar pela natureza – para Moscovici (2007, p. 135) “a luta pela natureza é a escola na qual muitos homens se tornam aguerridos, percebendo melhor o laço que une a esfera social e a esfera natural”. Falamos do desgaste do que chamamos recursos naturais, de tudo que está fadado ao desaparecimento; tudo faz parte dessa luta: margens de rios, lixões, Fundos de Vale. Para nossas representações sociais tudo o que desaparece será substituído pelo que virá. Podemos aceitar esse prognóstico? Não seria aceitar uma Ecologia de Sísifo? Os outros destroem, os educadores ambientais ensinam a não destruir. Ou podemos dizer que essa situação não pode mais se prolongar?

2 – Enraizar os homens-homens – Lutar pela natureza é fazer pela vida dos homens. Não somente a vida sem poluição, sem venenos, sem rios, mas uma vida em que lutamos contra as mentiras sociais. Trata-se de responder se realmente substâncias transgênicas substituirão a fome em nosso mundo; se os automóveis melhorarão a qualidade de vida dos habitantes das cidades; se as vida nos cortiços e favelas se manterão; se as vias expressas que seccionam as cidades enquanto ruas e centros se degradam são a eterna solução; se os aeroportos devem substituir as estações de trens. Pergunta Moscovici (2007): no plano prático as enormes cidades são o modo mais humano de se habitar e viver? Devemos aceitar isso? Enraizar o homem-homem corresponde a ações de mudar as escalas de produção e criar novas relações.

3 - Reocupar as sociedades – O modo como vivemos em uma sociedade hierarquizada, determina a exclusão das pessoas. Nos bairros “nobres” – metáfora medieval para dizer os melhores e mais habitáveis bairros das cidades – ficam os seres nobres. No planeta favela para usar a expressão de Mike Davis ficam os menos nobres. Mais uma vez, em nome do progresso, falta vida para viver (MOSCOVICI, 2007, p. 148). Uma cidade não saudável é dividida em bairros nobres e favelas. As fórmulas artuais não podem ser aceitas pelos educadores e ecologistas. Precisamos lutar sem piedade pela vida (MOSCOVICI, 2007, p. 149).

Para finalizar

Quando pensei no título A contornação da política na ecologia, educação ambiental e saúde minha ideia era dizer que sem uma posição política – de polis, ser cidadão de um local, uma cidade – não é mais possível fazer Educação Ambiental ou ser Ecólogo. Não é possível ensinar a reciclagem sem pensar em quem são os agentes ecológicos dessa reciclagem. Digo para vocês: são aqueles que não têm emprego, nem casa, nem saúde. Não é possível estudar com meus alunos a situação dos Fundos de Vale das nossas cidades sem conhecer a medida quase secular de nossos vereadores que é a “doação” de terrenos públicos à população sem teto, mantendo-as sob tutela do voto em locais perigosos e de preservação das águas da cidade. Não é possível ensinar as regras da EA sem atingir os valores do consumo, sem criticá-los e sem apontar novas situações que podemos viver. Não é possível ensinar Ecologia aos meus alunos sem mostrar que as cidades sabotam a vida, não a qualidade de vida, a vida mesmo: a saúde, a amizade, o tempo comunitário, o tempo de andar, pensar e atuar.



Referências

BIAVA, Mariana Bertonha. Espaço Escolar como Ambiente de Saúde e Ensino no discurso dos alunos. Dissertação de Mestrado defendida no Programa de pós-graduação em Educação para a Ciência e Matemática. Universidade Estadual de Maringá, 2009.

DAVIS, Mike. A ecologia do medo. São paulo: Record, 2001.

DAVIS, Mike. O planeta favela. São Paulo: Boitempo, 2006.

MOSCOVICI, Serge. Natureza. Para pensar a Ecologia. Rio de Janeiro: Mauad X/ Instituto Gaia, 2007.

SPIRN, Anne. O Jardim de Granito. A natureza no desenho da cidade. São paulo: Edusp, 1995.

2 comentários:

Franciele Monique Scopetc disse...

Eu li o texto ao som de: Para que lado? Isaar de Recife para o mundo, sabe que combinou. Tive um impacto sinestésico, a música o texto...Coza linda! alá pra curtir: http://www.myspace.com/isaar

Bjo!

Morales disse...

Belo texto, Marta. Até me deu uma saudade danada de minha "magrela", a bicicleta que utilizei durante os 04 anos em que cursei a faculdade na década de 60.

Braziu!

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