Mugabe e os alienígenas
qua, 02/06/10
por gustavo poli
qua, 02/06/10
por gustavo poli
Enviado pela Ana Cristina!
Grata, CRIS!
As seis frases abaixo foram proferidas pelo mesmo autor:
1 – “Nossos votos devem vir acompanhados de nossas armas. Pois todo voto que conquistado será produto das armas. A arma que produz o voto deve permanecer como seu guarda-costas. Os votos do povo e as armas do povo são gêmeos inseparáveis.”
2 – “O único homem branco que você pode confiar é um homem branco morto.”
3 – “Homossexuais são uma abominação, um apodrecimento da cultura e são repugnantes para minha consciência. São imorais e repulsivos, piores que porcos e cachorros. Animais na selva são melhores que essas pessoas porque eles ao menos sabem diferenciar homem e mulher. Não acredito que eles tenham direito nenhum.”
4 – “Eu sou diplomado em violência.”
5 - “Se perdermos a eleição, não aceitaremos o resultado. Lutamos e morremos por esse país e ninguém pode esperar que entreguemos o país num prato para um partido novo apoiado pelo homem branco.”
6 – “Me chamam de Hitler negro. Esse Hitler tem só um objetivo – justiça para seu povo, soberania, reconhecimendo da independência e do direito sobre seus recursos. Se isso é Hitler… quero ser Hitler dez vezes.”
As citações acima são de Robert Gabriel Mugabe, o homem que há 30 anos manda no Zimbábue. Neste 2 de junho de 2010, ele estará no Estádio Nacional de Harare, sentado ao lado do embaixador brasileiro Raul de Taunay, presenciando e faturando um amistoso que parecia improvável. A Seleção Brasileira estará jogando contra sua seleção. Não será um jogo qualquer. Será a primeira vez que uma seleção não-africana vai jogar contra o Zimbábue no país.
O povo do Zimbábue, claro, está adorando. Torcedores invadiram e lotaram o hotel da Seleção. Para o zimbabuano normal, é quase uma visita alienígena. A histeria provocada pelos “Samba boys” vai parar o país. Há quem diga que o governo decretou ponto facultativo – o que seria quase uma ironia num país com 80% de desempregados. A alegria do povo é o argumento da CBF para rebater as críticas ao amistoso. Não é uma alegria qualquer – é impressionante. É um misto de beatlemania com Independence Day. A sensação é genuína e linda – mas o subterrâneo é menos simpático.
Robert Mugabe não é um pária mundial à toa. Seu regime não é uma ditadura qualquer. Mugabe não é um tirano de botequim. Aos 86 anos, ele é considerado o pior chefe de estado do mundo. No ano passado, o primeiro-ministro britânico se retirou de uma conferência quando soube que ele ia.
Esta semana, ele foi banido da 25a conferência franco-africana pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy. Por conta da tirania, desde 2002 o país está sob sanções econômicas dos EUA, Canadá, Austrália, Suíça e da Comunidade Europeia. Mugabe e 98 membros do ZANU-PF (seu partido) tiveram seu patrimonio congelado no exterior. Mugabe e os 98 asseclas não podem pisar em território europeu ou americano.
Na África do Sul existem três milhões de refugiados zimbabuanos – gente que fugiu da perseguição de Mugabe (isso num país de 12 milhões de pessoas). Na terça-feira, a Suprema Corte sul-africana deu ganho de causa a um banco sul-africano, o Standard Bank, que em 2008 fechou uma conta do empresário zimbabuano John Bredenkamp, por causa de suas ligações com Mugabe. A corte disse que o banco agiu certo.
Em 2008, Mugabe foi “reeleito” presidente – numa das eleições mais fraudadas da história. Mas teve que aceitar seu opositor Morgan Tsivangarai, do MDC (Movimento pela Mudança Democrática), como primeiro-ministro. O mesmo Tsivangarai que ele chamava de “sapo ambicioso”. Claro que o recuo foi apenas mais uma jogada de Mugabe para permanecer no poder. Mas, mal ou bem, Tsivangirai vem tentando melhorar as coisas.
O Zimbábue tentou atrair inúmeros países para jogar ou treinar lá. Tinha conseguido sediar a pré-temporada da Coréia do Norte, uma aliada histórica de Mugabe. Foi o país que forneceu treinamento para sua temida polícia secreta nos anos 80. Mas por conta dessa herança trágica – membros do movimento para mudança democrática (MDC) ameaçaram protestar. Os norte-coreanos – que não são exatamente afeitos a protestos – desistiram.
No Brasil, tivemos ditatura também – uma ditadura que teve tortura e desaparecidos. E que adorou usar o futebol a seu favor. Noventa milhões em ação, Brasil potência, pra frente Brasil. Mas os porões da ditadura brasileira parecem um desenho disney perto do que aconteceu e acontece no Zimbábue. É um regime que usa fome e estupros como recursos de pressão – isso sem falar em torturas, espancamentos e assassinatos. É nesse cenário que a camisa amarela vai atuar hoje.
Para quem tem dúvidas de que o jogo desta quarta tem componente político, basta ver quem recebeu a Seleção no Aeroporto. Dois ministros do ZANU-PF – O ministro do Turismo e da Hospitalidade, Walter Mzembi, e da Capacitação, Saviour Kasukewerre. E dois ministros do MDC – David Coultart, do Desenvolvimento Jovem e Assentamentos; e da Informação, Comunicação e Tecnologia, Nelson Chamisa.
A presença dos quatro ministros tem motivo – a intensa disputa pelo poder continua. O ZANU-PF e o MDC dividem hoje o governo de conveniência que Mugabe teve que aceitar há dois anos. O MDC quer eleições no ano que vem. Mugabe e o ZANU-PF dizem que só aceitam com o fim das sanções internacionais. E o ditador continua passando por cima do primeiro-ministro. Na semana passada, ele apontou sem consultar ninguém o presidente da Suprema Corte. E escolheu um antigo aliado, que comandou a comissão eleitoral da fraude na eleição de 2008.
Para se ter uma noção de quão surreal é a situação, Chamisa, que esteve no Aeroporto para buscar o Brasil, foi atacado em 2007 por membros da polícia secreta no mesmíssimo local – como você pode ver aqui - numa demonstração de como Mugabe trata seus oponentes. Por outro lado, vale registrar a frase de Mzembi no desembarque da seleção:
- Isso vai muito além do esporte. Isso serve para mostrar que nosso país de forma positiva.
Na quinta-feira, um jornalista zimbabuano baseado na Inglaterra publicou no ZimDaily, um site expatriado, uma sátira – uma carta fictícia – que Roberto Mugabe teria escrito para Dunga. Na carta, Mugabe agradece a visita, oferece um terreno no Zimbábue para o treinador e diz “você sabe que ao disputar essa partida você estará mostrando aos nossos detratores que somos uma nação em crescimento de novo. Sua presença aqui será um chute no traseiro dos americanos e seus aliados”.
Há chutes e chutes. Há traseiros e traseiros. Num cenário em que o Brasil bate de frente com os EUA diplomaticamente por causa do Irã, o jogo no Zimbábue é uma nota de rodapé. E Dunga, claro, tem pouco ou nada a ver com essa história. Ele, como sempre, está pensando apenas em futebol e na Copa do Mundo. Mas a História, com H maiúsculo, não é escrita apenas esportivamente. Esse 2 de junho entrará para a história do Zimbábue como uma página alegre e inesquecível. Mas o livro que trouxer essas páginas… trará também a foto de Robert Mugabe, sorridente, como um benfeitor.
A frase de Mugabe sobre Hitler aconteceu em 2008 depois que o bispo anglicano de Pretória (África do Sul) o comparou ao ditador alemão. Justa ou exagerada, imagine o leitor o que alguém precisa fazer para passar perto de semelhante comparação.
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