José de Arimathéia enviou:
Isso passou na TV há dias. Por que só encontrei na Internet hoje?
Ah: para o pessoal da minha lista que não sabe, o caso Tuskgee, citado na matéria, e que virou filme (Cobaias Humanas), é o que levou ao termo BIOÉTICA.
É curioso que o país que tenha condenado os nazistas por experiências médicas faça exatamente a mesma coisa, não?
Estados Unidos encontravam cobaias humanas na Guatemala na década de 1940
Le Monde
Entre 1946 e 1948, guatemaltecos foram inoculados com infecções sexualmente transmissíveis por médicos americanos
É um dos episódios mais terríveis que a medicina conheceu depois da Segunda Guerra Mundial. Esse caso que envolve as maiores instituições médicas americanas mobilizou o Comitê de Ética situado junto ao presidente dos EUA. No último dia 29 foram reveladas as linhas gerais do relatório que o comitê entregará proximamente a Barack Obama sobre um estudo escandaloso realizado de 1946 a 1948 na Guatemala, e pelo qual o presidente americano apresentou em 2010 desculpas oficiais a esse país.
Médicos do Serviço de Saúde Pública (PHS na sigla em inglês) dos EUA conduziram experimentos humanos nesse país da América Central, durante os quais eles conscientemente inocularam centenas de detidos, soldados e pessoas internadas em hospital psiquiátrico, no total 696 indivíduos, com os agentes responsáveis por infecções sexualmente transmissíveis (sífilis, blenorragia, cancro mole). O estudo teria provocado 83 mortes. Cinco sobreviventes acabam de ser identificados pelas autoridades locais.
O caso só foi descoberto em 2009, mais de 60 anos depois dos fatos, durante a publicação por uma universitária, Susan Reverby, professora no Wellesley College em Boston, de um livro dedicado à "experiência de Tuskegee". Tuskegee é uma cidade do Alabama onde, entre 1932 e 1972 os médicos das mesmas instituições públicas acompanharam 700 afro-americanos pobres, dos quais dois terços tinham sífilis, sem informá-los de sua doença e sem lhes propor tratamento ou prevenção.
Explorando na Universidade de Pittsburgh os arquivos de John Cutler, um dos médicos que participou desse estudo, Reverby revelou documentos sobre o programa, até então desconhecidos, que esse médico havia realizado na Guatemala, com o aval de seus superiores e a participação de responsáveis da Guatemala. A sugestão de realizar o estudo partiu do doutor Juan Funes, responsável pelo departamento de controle de doenças venéreas dos serviços de saúde pública da Guatemala.
Para os criadores do estudo do PHS, tratava-se de saber se a penicilina, descoberta alguns anos antes, "poderia ser utilizada para prevenir e não somente tratar a infecção sifilítica precoce, se poderíamos aperfeiçoar testes sanguíneos para diagnosticar a doença, quais eram as doses de penicilina que realmente curavam a infecção e compreender o processo de reinfecção depois do tratamento", relata a doutora Reverby.
A Guatemala oferecia uma vantagem: a prostituição lá era legal e as prostitutas eram até autorizadas a oferecer seus serviços aos presidiários. Foi portanto com as mulheres portadoras de uma infecção sexualmente transmissível que a experiência começou.
Primeiro junto a prisioneiros, depois soldados e internos no hospital nacional de saúde mental. O doutor Cutler e seus colegas depois passaram às inoculações diretas dos agentes infecciosos (às vezes várias bactérias diferentes) no pênis de suas cobaias humanas, ou no antebraço e no rosto. Quando esse procedimento não era suficientemente eficaz para provocar a infecção, os médicos não hesitaram em raspar a pele antes de recomeçar a inoculação.
Ao contrário do que ocorreu em Tuskegee, os médicos deram penicilina, considerada desde 1947 como o tratamento de referência da sífilis, para pacientes guatemaltecos deliberadamente infectados. "Não sabemos claramente se todo mundo foi curado, e parece que nem todas as pessoas receberam o que era considerado o tratamento adequado na época", escreve a doutora Reverby em 2010.
Se o estudo foi realizado e financiado por instituições públicas que se tornaram os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) e os Centros de Controle de Doenças (CDC), ele se desenrolou longe de qualquer publicidade. Em uma carta dirigida ao doutor Cutler em 1948, seu superior, o doutor R. C. Arnold, do laboratório de doenças venéreas do Serviço de Saúde Pública dos EUA, escreveu: "Estou um pouco - na verdade mais que um pouco - desconfiado sobre a experiência feita com os doentes mentais. Eles não podem dar seu consentimento, não sabem o que acontece, e se uma organização conservadora soubesse do trabalho ela causaria confusão".
Outro correspondente relata em 1947 ao doutor Cutler esta frase do chefe do serviço de saúde do exército americano, Thomas Parran, a propósito do estudo realizado na Guatemala: "Vocês sabem, não poderíamos fazer tal experiência em nosso país".
Os trabalhos nunca foram publicados em uma revista científica. Durante a reunião do Comitê de Ética presidencial, Barbara Atkinson, vice-reitora da faculdade de medicina da Universidade de Kansas, salientou: "Havia relatórios secretos destinados aos que financiaram os estudos, mas não às revistas. Seria preciso reconhecer que esses estudos já apresentavam problemas éticos que causariam horror no público se fossem conhecidos". Não havia dúvida, portanto, sobre o fato de que os responsáveis do PHS sabiam pertinentemente que infringiam os valores da ética médica.
Durante a reunião do Comitê de Ética americano, em 29 de agosto, sua presidente, Amy Gutman, declarou: "Continuo fazendo a pergunta: 'Como puderam fazer isso?' Minha conclusão, devo dizer a contragosto, é que os médicos não trataram esses seres humanos como se merecessem respeito ou consideração". A história reteve as experimentações humanas praticadas durante a Segunda Guerra Mundial nos campos de concentração por médicos nazistas e, em menor grau, as também graves praticadas na mesma época por seus homólogos japoneses.
Elas conduziram à redação do código de Nuremberg em 1947, a primeira carta de ética médica internacional, depois a da carta de Helsinque em 1964, paralelamente ao reforço das legislações nacionais. Outras pesquisas médicas contrárias à ética foram praticadas depois da guerra em países democráticos, onde seres humanos foram tratados como animais de laboratório. Somente nos EUA, contam-se entre outras irradiações secretas (1946-1974), a inoculação de sífilis em detidos na prisão de Sing-Sing (1953-1954), as do vírus da hepatite em crianças deficientes mentais em Willowbrook (1963-1966) ou a de células cancerosas em pacientes de doença crônica no Hospital Judeu de Nova York (1966).
Na França, não houve revelação de um caso da mesma amplidão, mas a experimentação com protóxido de azoto, realizada em 1985 pelo professor Alain Milhaud do CHU de Amiens, em um jovem em estado de morte cerebral provocou grande comoção. Processado por "golpes e ferimentos", o médico se beneficiou de um arquivamento em 1989. A lei Huriet-Sérusclat sobre a proteção de pessoas que participam de pesquisas biomédicas foi aprovada em 1988 depois desse caso.
Ah: para o pessoal da minha lista que não sabe, o caso Tuskgee, citado na matéria, e que virou filme (Cobaias Humanas), é o que levou ao termo BIOÉTICA.
É curioso que o país que tenha condenado os nazistas por experiências médicas faça exatamente a mesma coisa, não?
Estados Unidos encontravam cobaias humanas na Guatemala na década de 1940
Le Monde
Entre 1946 e 1948, guatemaltecos foram inoculados com infecções sexualmente transmissíveis por médicos americanos
É um dos episódios mais terríveis que a medicina conheceu depois da Segunda Guerra Mundial. Esse caso que envolve as maiores instituições médicas americanas mobilizou o Comitê de Ética situado junto ao presidente dos EUA. No último dia 29 foram reveladas as linhas gerais do relatório que o comitê entregará proximamente a Barack Obama sobre um estudo escandaloso realizado de 1946 a 1948 na Guatemala, e pelo qual o presidente americano apresentou em 2010 desculpas oficiais a esse país.
Médicos do Serviço de Saúde Pública (PHS na sigla em inglês) dos EUA conduziram experimentos humanos nesse país da América Central, durante os quais eles conscientemente inocularam centenas de detidos, soldados e pessoas internadas em hospital psiquiátrico, no total 696 indivíduos, com os agentes responsáveis por infecções sexualmente transmissíveis (sífilis, blenorragia, cancro mole). O estudo teria provocado 83 mortes. Cinco sobreviventes acabam de ser identificados pelas autoridades locais.
O caso só foi descoberto em 2009, mais de 60 anos depois dos fatos, durante a publicação por uma universitária, Susan Reverby, professora no Wellesley College em Boston, de um livro dedicado à "experiência de Tuskegee". Tuskegee é uma cidade do Alabama onde, entre 1932 e 1972 os médicos das mesmas instituições públicas acompanharam 700 afro-americanos pobres, dos quais dois terços tinham sífilis, sem informá-los de sua doença e sem lhes propor tratamento ou prevenção.
Explorando na Universidade de Pittsburgh os arquivos de John Cutler, um dos médicos que participou desse estudo, Reverby revelou documentos sobre o programa, até então desconhecidos, que esse médico havia realizado na Guatemala, com o aval de seus superiores e a participação de responsáveis da Guatemala. A sugestão de realizar o estudo partiu do doutor Juan Funes, responsável pelo departamento de controle de doenças venéreas dos serviços de saúde pública da Guatemala.
Para os criadores do estudo do PHS, tratava-se de saber se a penicilina, descoberta alguns anos antes, "poderia ser utilizada para prevenir e não somente tratar a infecção sifilítica precoce, se poderíamos aperfeiçoar testes sanguíneos para diagnosticar a doença, quais eram as doses de penicilina que realmente curavam a infecção e compreender o processo de reinfecção depois do tratamento", relata a doutora Reverby.
A Guatemala oferecia uma vantagem: a prostituição lá era legal e as prostitutas eram até autorizadas a oferecer seus serviços aos presidiários. Foi portanto com as mulheres portadoras de uma infecção sexualmente transmissível que a experiência começou.
Primeiro junto a prisioneiros, depois soldados e internos no hospital nacional de saúde mental. O doutor Cutler e seus colegas depois passaram às inoculações diretas dos agentes infecciosos (às vezes várias bactérias diferentes) no pênis de suas cobaias humanas, ou no antebraço e no rosto. Quando esse procedimento não era suficientemente eficaz para provocar a infecção, os médicos não hesitaram em raspar a pele antes de recomeçar a inoculação.
Ao contrário do que ocorreu em Tuskegee, os médicos deram penicilina, considerada desde 1947 como o tratamento de referência da sífilis, para pacientes guatemaltecos deliberadamente infectados. "Não sabemos claramente se todo mundo foi curado, e parece que nem todas as pessoas receberam o que era considerado o tratamento adequado na época", escreve a doutora Reverby em 2010.
Se o estudo foi realizado e financiado por instituições públicas que se tornaram os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) e os Centros de Controle de Doenças (CDC), ele se desenrolou longe de qualquer publicidade. Em uma carta dirigida ao doutor Cutler em 1948, seu superior, o doutor R. C. Arnold, do laboratório de doenças venéreas do Serviço de Saúde Pública dos EUA, escreveu: "Estou um pouco - na verdade mais que um pouco - desconfiado sobre a experiência feita com os doentes mentais. Eles não podem dar seu consentimento, não sabem o que acontece, e se uma organização conservadora soubesse do trabalho ela causaria confusão".
Outro correspondente relata em 1947 ao doutor Cutler esta frase do chefe do serviço de saúde do exército americano, Thomas Parran, a propósito do estudo realizado na Guatemala: "Vocês sabem, não poderíamos fazer tal experiência em nosso país".
Os trabalhos nunca foram publicados em uma revista científica. Durante a reunião do Comitê de Ética presidencial, Barbara Atkinson, vice-reitora da faculdade de medicina da Universidade de Kansas, salientou: "Havia relatórios secretos destinados aos que financiaram os estudos, mas não às revistas. Seria preciso reconhecer que esses estudos já apresentavam problemas éticos que causariam horror no público se fossem conhecidos". Não havia dúvida, portanto, sobre o fato de que os responsáveis do PHS sabiam pertinentemente que infringiam os valores da ética médica.
Durante a reunião do Comitê de Ética americano, em 29 de agosto, sua presidente, Amy Gutman, declarou: "Continuo fazendo a pergunta: 'Como puderam fazer isso?' Minha conclusão, devo dizer a contragosto, é que os médicos não trataram esses seres humanos como se merecessem respeito ou consideração". A história reteve as experimentações humanas praticadas durante a Segunda Guerra Mundial nos campos de concentração por médicos nazistas e, em menor grau, as também graves praticadas na mesma época por seus homólogos japoneses.
Elas conduziram à redação do código de Nuremberg em 1947, a primeira carta de ética médica internacional, depois a da carta de Helsinque em 1964, paralelamente ao reforço das legislações nacionais. Outras pesquisas médicas contrárias à ética foram praticadas depois da guerra em países democráticos, onde seres humanos foram tratados como animais de laboratório. Somente nos EUA, contam-se entre outras irradiações secretas (1946-1974), a inoculação de sífilis em detidos na prisão de Sing-Sing (1953-1954), as do vírus da hepatite em crianças deficientes mentais em Willowbrook (1963-1966) ou a de células cancerosas em pacientes de doença crônica no Hospital Judeu de Nova York (1966).
Na França, não houve revelação de um caso da mesma amplidão, mas a experimentação com protóxido de azoto, realizada em 1985 pelo professor Alain Milhaud do CHU de Amiens, em um jovem em estado de morte cerebral provocou grande comoção. Processado por "golpes e ferimentos", o médico se beneficiou de um arquivamento em 1989. A lei Huriet-Sérusclat sobre a proteção de pessoas que participam de pesquisas biomédicas foi aprovada em 1988 depois desse caso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário