Texto enviado por José Mario Angeli, Professor de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina
A crise financeira mundial é crise política (1)
A atual crise financeira mundial que tem feito os governos liberarem uma enxurrada de dinheiro, inclusive o governo brasileiro que já inverteu 73 bilhões de dólares até agora, para “blindar” o sistema financeiro, em nome da liquidez e da preservação do crédito, me faz perguntar de quem é esta conta e quem a está pagando ou irá pagá-la. As minhas questões partem de algumas observações a priori.
Nas décadas de 80 e 90 havia um processo de demonização do Estado. Este processo tinha ferrenhos defensores em todos os espaços. A Academia, os meios de comunicação, as organizações da sociedade civil que tratavam como heresia qualquer forma de controle do virtuosíssimo mercado. A liberalização, privatização e desregulamentação das finanças, do comércio e da força de trabalho tinham por objetivo superar os entraves à acumulação do capital que tinham levado ao esgotamento o modelo econômico do pós-guerra, assentado nos acordos de Breton Woods, estas eram as palavras de ordem dos liberais ou quando não dos sócio-liberais.
A partir dessa consideração colocamos novas questões: por que representantes da esquerda que chegaram ao governo em muitos países, até agora, não se insurgiram contra aquele caminho escolhido pela direita? Por que a defesa de incentivar a concorrência entre os conglomerados econômicos dentro e fora do país? Por que a defesa da idéia de que o setor privado administra melhores os recursos econômicos e que as tarifas devido à concorrência iriam abaixar ganhou as mentes de muitos representantes deste setor? Tudo isto, não aconteceu somente aqui no Brasil, e certamente, isto ocorreu em tatos outros lugares.
Uma segunda observação que me vem à mente é: por que a esquerda aceitou o jogo da direita, não se opondo à liberação de impostos para as empresas, as grandes fortunas e os cortes de gastos do Estado, na perspectiva de que os capitais liberados desses encargos seriam automaticamente investidos na produção? Se tomarmos o caso brasileiro, a produção nas duas últimas décadas esteve constantemente em baixa e, agora que davam sinais de crescimento parece que, novamente com essa crise anunciada ela irá estancar, certamente com prejuízo para os trabalhadores. E em alguns países já chegou às portas da recessão.
Por que a esquerda, que até ontem representava o trabalho, na ordem do capital, aceitou a premissa, de que para viabilizar o crescimento econômico e a geração de empregos seria necessário pressionar os salários para baixo numa clara inversão de rota do que parecia ter sido o seu passado? Por que não se confrontou com o Estado que restringe as despesas sociais com graves conseqüências na qualidade de vida dos trabalhadores, com a queda geral do poder de consumo para todas as classes dependentes?
Estamos diante de uma realidade onde não ocorrem grandes discussões filosóficas sobre a crise política em que elas nos colocaram. Essa estrada escolhida provocou não somente uma baixa produção, a ausência de inovações de produtos e, sobretudo uma imigração das empresas para países em que a mão de obra do trabalhador é mais barata que a nossa.
E, por fim, por que a esquerda e sua intelectualidade só se deu conta que o capital não estava na produção, mas na especulação de modo legal ou fraudulento, na financeirização, esbarrando assim num sistema inteiro? Por que a esquerda não sabe dizer outra coisa, quando fala da financeirização, fala que o buraco formado pelos bancos, pelas seguradoras e pelo chamado hedge fund, foi a pique pela demência dos seus dirigentes? Será que a esquerda esqueceu-se das contradições imanentes do sistema capitalista. Acontece que, enquanto as contradições imanentes ao sistema não foram superadas, os limites ao desenvolvimento econômico capitalista também não o serão. Eles reaparecem logo à frente, maiores, mais perigosos e mais difíceis de transpor. O que acontece agora vem de longe.
A partir dos anos 60,70 começou a ficar claro que o capitalismo enfrentava uma grave crise de superprodução, um dos meios de superar essa crise foi incentivar fortemente o consumo mediante uma expansão do capital fictício (ações, títulos da dívida, etc.) e do crédito.
A esquerda não era tão ingênua a ponto de não saber isto: a teoria do valor está no trabalho e não como ela queria que aparentemente o capital financeiro houvesse se tornado independente do processo de produção de novos valores.
A crise financeira, novamente, reaparece no cenário mundial, tentando sanar com o dinheiro público, aquele do contribuinte, sem pedir nenhuma propriedade efetiva em troca. Crise que imanente às contradições do sistema.
Todas aquelas questões enumeradas no primeiro artigo elaboradas supõem uma resposta. Não se pode re-imaginar uma intervenção pública porque continua a afirmar-se que o Estado administra mal. Já porque o privado administra bem. Na época dos “30 anos gloriosos” de ouro da economia mundial, da participação pública e estatal, nenhum destes imensos gastos se verificou. Entretanto, em nome do que o prejuízo não será do trabalhador; porque não repropõe uma política de intervenção pública? Será preciso pensar sobre a direção da economia e do método de gestão pública da política.
A sua ausência deu lugar a uma política clientelista; quem dirigiu e dirige a economia para essa esquerda aparentemente no governo é a direita. Está do jeito que ela gosta. A esquerda governa, mas não dirige. E não o faz porque implementa o clássico programa da direita. Alguns críticos dizem que se trata da síndrome do violinista: segura com a esquerda e toca com a direita. Resta saber, contudo, o que é esquerda hoje! É preciso salientar que intervenção pública não é socialismo, mas poderá dar forma a uma contradição participativa entre os cidadãos e instituições diversas da atual redução democrática.
A crise não é um erro no curso da história e de sua obra, enquanto ela é conjuntural, pode ser uma anomalia do sistema, mas antes é o fruto mais genuíno de um sistema hegemônico do capital e dos seus detentores. Assim, não existem regras para um sistema doentio. Cortá-lo na raiz, significa não alimentá-lo. Quando todos o aceitam como normal, pois ele arrecada úteis dividendos, sem que haja nenhuma produção, que tem uma utilidade social, algo de errado tem.
Será preciso combatê-lo pela raiz, até porque a expropriação do dinheiro público virou injeção de liquidez para os liberalistas, cobre-se o buraco dos bancos, assegurando o privado e descobre-se o publico, penalizando ainda mais os cidadãos. Dentro deste sistema de “acumulação flexível” a saída é uma só aprofundar as reformas que prejudicam ainda mais os trabalhadores. Ora o que é isto, não é política?
José Mario Angeli – FIL- UEL - 2008
A atual crise financeira mundial que tem feito os governos liberarem uma enxurrada de dinheiro, inclusive o governo brasileiro que já inverteu 73 bilhões de dólares até agora, para “blindar” o sistema financeiro, em nome da liquidez e da preservação do crédito, me faz perguntar de quem é esta conta e quem a está pagando ou irá pagá-la. As minhas questões partem de algumas observações a priori.
Nas décadas de 80 e 90 havia um processo de demonização do Estado. Este processo tinha ferrenhos defensores em todos os espaços. A Academia, os meios de comunicação, as organizações da sociedade civil que tratavam como heresia qualquer forma de controle do virtuosíssimo mercado. A liberalização, privatização e desregulamentação das finanças, do comércio e da força de trabalho tinham por objetivo superar os entraves à acumulação do capital que tinham levado ao esgotamento o modelo econômico do pós-guerra, assentado nos acordos de Breton Woods, estas eram as palavras de ordem dos liberais ou quando não dos sócio-liberais.
A partir dessa consideração colocamos novas questões: por que representantes da esquerda que chegaram ao governo em muitos países, até agora, não se insurgiram contra aquele caminho escolhido pela direita? Por que a defesa de incentivar a concorrência entre os conglomerados econômicos dentro e fora do país? Por que a defesa da idéia de que o setor privado administra melhores os recursos econômicos e que as tarifas devido à concorrência iriam abaixar ganhou as mentes de muitos representantes deste setor? Tudo isto, não aconteceu somente aqui no Brasil, e certamente, isto ocorreu em tatos outros lugares.
Uma segunda observação que me vem à mente é: por que a esquerda aceitou o jogo da direita, não se opondo à liberação de impostos para as empresas, as grandes fortunas e os cortes de gastos do Estado, na perspectiva de que os capitais liberados desses encargos seriam automaticamente investidos na produção? Se tomarmos o caso brasileiro, a produção nas duas últimas décadas esteve constantemente em baixa e, agora que davam sinais de crescimento parece que, novamente com essa crise anunciada ela irá estancar, certamente com prejuízo para os trabalhadores. E em alguns países já chegou às portas da recessão.
Por que a esquerda, que até ontem representava o trabalho, na ordem do capital, aceitou a premissa, de que para viabilizar o crescimento econômico e a geração de empregos seria necessário pressionar os salários para baixo numa clara inversão de rota do que parecia ter sido o seu passado? Por que não se confrontou com o Estado que restringe as despesas sociais com graves conseqüências na qualidade de vida dos trabalhadores, com a queda geral do poder de consumo para todas as classes dependentes?
Estamos diante de uma realidade onde não ocorrem grandes discussões filosóficas sobre a crise política em que elas nos colocaram. Essa estrada escolhida provocou não somente uma baixa produção, a ausência de inovações de produtos e, sobretudo uma imigração das empresas para países em que a mão de obra do trabalhador é mais barata que a nossa.
E, por fim, por que a esquerda e sua intelectualidade só se deu conta que o capital não estava na produção, mas na especulação de modo legal ou fraudulento, na financeirização, esbarrando assim num sistema inteiro? Por que a esquerda não sabe dizer outra coisa, quando fala da financeirização, fala que o buraco formado pelos bancos, pelas seguradoras e pelo chamado hedge fund, foi a pique pela demência dos seus dirigentes? Será que a esquerda esqueceu-se das contradições imanentes do sistema capitalista. Acontece que, enquanto as contradições imanentes ao sistema não foram superadas, os limites ao desenvolvimento econômico capitalista também não o serão. Eles reaparecem logo à frente, maiores, mais perigosos e mais difíceis de transpor. O que acontece agora vem de longe.
A partir dos anos 60,70 começou a ficar claro que o capitalismo enfrentava uma grave crise de superprodução, um dos meios de superar essa crise foi incentivar fortemente o consumo mediante uma expansão do capital fictício (ações, títulos da dívida, etc.) e do crédito.
A esquerda não era tão ingênua a ponto de não saber isto: a teoria do valor está no trabalho e não como ela queria que aparentemente o capital financeiro houvesse se tornado independente do processo de produção de novos valores.
A crise financeira, novamente, reaparece no cenário mundial, tentando sanar com o dinheiro público, aquele do contribuinte, sem pedir nenhuma propriedade efetiva em troca. Crise que imanente às contradições do sistema.
Todas aquelas questões enumeradas no primeiro artigo elaboradas supõem uma resposta. Não se pode re-imaginar uma intervenção pública porque continua a afirmar-se que o Estado administra mal. Já porque o privado administra bem. Na época dos “30 anos gloriosos” de ouro da economia mundial, da participação pública e estatal, nenhum destes imensos gastos se verificou. Entretanto, em nome do que o prejuízo não será do trabalhador; porque não repropõe uma política de intervenção pública? Será preciso pensar sobre a direção da economia e do método de gestão pública da política.
A sua ausência deu lugar a uma política clientelista; quem dirigiu e dirige a economia para essa esquerda aparentemente no governo é a direita. Está do jeito que ela gosta. A esquerda governa, mas não dirige. E não o faz porque implementa o clássico programa da direita. Alguns críticos dizem que se trata da síndrome do violinista: segura com a esquerda e toca com a direita. Resta saber, contudo, o que é esquerda hoje! É preciso salientar que intervenção pública não é socialismo, mas poderá dar forma a uma contradição participativa entre os cidadãos e instituições diversas da atual redução democrática.
A crise não é um erro no curso da história e de sua obra, enquanto ela é conjuntural, pode ser uma anomalia do sistema, mas antes é o fruto mais genuíno de um sistema hegemônico do capital e dos seus detentores. Assim, não existem regras para um sistema doentio. Cortá-lo na raiz, significa não alimentá-lo. Quando todos o aceitam como normal, pois ele arrecada úteis dividendos, sem que haja nenhuma produção, que tem uma utilidade social, algo de errado tem.
Será preciso combatê-lo pela raiz, até porque a expropriação do dinheiro público virou injeção de liquidez para os liberalistas, cobre-se o buraco dos bancos, assegurando o privado e descobre-se o publico, penalizando ainda mais os cidadãos. Dentro deste sistema de “acumulação flexível” a saída é uma só aprofundar as reformas que prejudicam ainda mais os trabalhadores. Ora o que é isto, não é política?
José Mario Angeli – FIL- UEL - 2008
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