Gente mesmerizada pela propaganda prepara a "comemoração" da vinda da Casa Real portuguêsa ao Brasil, como grande feito histórico. Grande, foi. Histórico, também.
Mas foi o evento mais funesto que ocorreu em nossa terra, e cujos efeitos sentimos na pele com os impostos, os privilégios de quem ocupa ofícios no Estado, desigualdade, corrupção, oligarquias, etc. Dom João veio para cá tangido por Napoleão. Este, correta ou incorretamente, foi o fruto da Revolução françêsa, a qual, por sua vez, foi uma tradução de duas revoluções modernas: a inglêsa e a norte-americana.
Portugal absolutista, corrupto, fraco em economia como em guerra, sem os impulsos do século 16 nas ciências, corroído pela "Santa" Inquisição, habituado ao beija mão do soberano e à violência contra os supostos subalternos, não podia aceitar mudanças em seu estilo de vida.
O principe para cá veio com o firme propósito de fundar um Estado no qual todos os preceitos das revoluções democráticas seriam mortos no nascedouro. E assim edificou o Estado brasileiro, desprovido de toda e qualquer responsabilidade dos governantes diante dos governados. O Brasil, no período, representou um passo decisivo contra os princípios modernos e liberais da Inglaterra, dos EUA, da França. Aqui, vivemos em clima de Santa Aliança conservadora durante muitos e muitos anos.
O poder moderador foi uma expressão desse ideário retrógrado, porque desvirtuou tudo o que Benjamin Constant definia para tal poder, que no pensamento do liberal Constant seria NEUTRO. Aqui, ele se tornou SUPERIOR aos demais poderes, uma perfeita ditadura. Não por acaso Carl Schmitt se refere ao nosso Poder Moderador, no livro "O Protetor da Constituição" no exato momento em que advoga para o Chefe de Estado poderes acima do Estado, para decidir o direito. Tais prerrogativas foram incorporadas, silenciosa ou abertamente, à presidência da República, sendo uma das fontes de nossa falta de republica e de federação. O presidente, como o imperador, está acima do Estado. As constituições democráticas definem suas responsabilidades, mas o real, o verdadeiro, é a sua perene ditadura, coonestada pelos privilegiados dos outros poderes.
NADA EXISTE PARA COMEMORAR, EM SENTIDO POSITIVO, COM A VINDA DA FAMILIA REAL,QUANDO SE PENSA EM TERMOS DE DIREITO, DEMOCRACIA, REPÚBLICA.
É pena que as mentes sejam nutridas de fantasias, coisas de Joãozinho Trinta (um excelente carnavalesco) à guisa de história. Quem deseja saber algo do ideário combatido com eficácia pelo Estado sob a direção dos Orleans e Bragança, basta ler os documentos inglêses, norte-americanos e francêses que registram o nascimento daquelas democracias, que respeitam os direitos individuais e coletivos e definem limites para a ação do Estado e acabam com os privilégios.
Quem é contra o privilégio de foro para as "autoridades" brasileiras, leia os textos democráticos a que me refiro. Eles mostram os rumos da política moderna. Não é preciso que todos os seus itens tenham sido observados. O importante é que eles ajudaram a diminuir o arbitrio de alguns, em proveito da maioria.
O grande paradigma encontra-se na declaração intitulada “The Agreement of the People” (maio de 1649) : “...the Supreme authority of England (...) shall be and reside henceforward in a Representative of people consisting of four hundred persons, but no more...And to the end all publick Officers may be certainly accountable, and no Factions made to maintain corrupt Interests, no Officer of any salary Forces in Army of Garison, nor any Treasurer or Receiver of publick monies, shall (while such) be elected a Member for any Representative; and if any Lawyer shall at any time be chosen, he shall be uncapable of practice as a Lawyer, during the whole time of that Trust. And for the same reason, and that all persons may be capable of subjection as well as rule. That no Member of the present Parliament shall be capable of being elected of the next Representative, nor any Member of any future Representative shall be capable of being chosen for the Representative immediately having intervened. Nor shall any Member of any Representative be made either Receiver, Treasurer, or other Officer during that employement (...) That all priviledges or exemptions of any persons from the Lawes, or from the ordinary course of Legall proceedings, by virtue of any Tenure, Grant, Charter, Patent, Degree or Birth, or any place of residence , or refuge, or priviledge of Parliament, shall be void and null; and the like not to be made nor revived again” (Documento integral em Olivier Lutaud :Les deux Révolutions d´Angleterre, documents politiques, sociaux, religieux. (Paris, Aubier, 1978), pp. 290 e ss. )
NENHUM PODER DE ESTADO, NO BRASIL, RESISTIRIA ÀS EXIGÊNCIAS DESSE DOCUMENTO.AÍ RESIDE UMA DAS FONTES DE NOSSA DESGRAÇA, CORRUPÇÃO, ESCRAVIDÃO MENTAL E ANÍMICA, COVARDIA DIANTE DOS PODERES, FALTA DE VERGONHA DE SER LUDIBRIADO SEM REMÉDIO LEGAL OU POLÍTICO.
BOA SEMANA!ROBERTO ROMANO
Postado por Roberto
Postado por Roberto
Um comentário:
Quem sou eu para contestar o professor Romano mas, não podemos esquecer que que naquela época não havia democracia em lugar nenhum (se havia um resquicio dela, era apenas nos EUA e na Inglaterra), de modo que D.João VI não viria aqui fundar uma monarquia constitucional, até porque ninguém sabia do que se tratava.
A Revolução Francesa era recente, a independência dos EUA também.
Agora, é claro que houve arbitrariedades, mas o fato da vinda da familia real foi decisivo para a independência.
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