TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

sábado, 9 de junho de 2007

ESCUTA, ZÉ NINGUÉM!


Ó respeitáveis enganadores que troçais de mim!Donde brota a vossa política, enquanto o mundo for governado por vós? Das punhaladas e do assassínio!Charles de Coster (em Ulenspiegel)



Ontem mais um Zé Ninguém entrou aqui e deixou seu recado anônimo. Troçando de mim, sentindo-se poderoso, adorando bezerro de ouro (Silvio Barros) e tornando-me idiota. A este anônimo alguns trechos do mais belo livro que W. reich destinou aos homens encouraçados, sem estima, feios, sem estética, ética, aqueles que não aparecem publicamente, porque são herdeiros de um passado enojante.


O Zé Ninguém deu um viva ao prefeito de Maringá e disse-me que fui usada nas eleições de meu sindicato. RESPOSTA: Quem usou e usa o povo de Maringá é o prefeito. Você, leitor anônimo foi e é usado. Sabe por que? Porque aceitas um prefeito que fez um programa de governo e praticou outro. Porque aceitas um governo de empresários que negociam até as árvores desta cidade a R$90,00 cada uma por corte. Porque aceitas um prefeito - que se diz religioso - mas mata um servidor velho, no final da vida - demitindo-o. É o prefeito que nos usa. Ele ri de nós e de você que o elogia. Freud, Reich explicam essas paixões desavisadas.

Seguem trechos do livro de Reich, Escuta, Zé, Ninguém!
Escuta, Zé Ninguém!
Chamam-te «Zé Ninguém!» «Homem Comum» e, ao que dizem, começou a tua era, a «Era do Homem Comum». Mas não és tu que o dizes, Zé Ninguém, são eles, os vice-presidentes das grandes nações, os importantes dirigentes do proletariado, os filhos da burguesia arrependidos, os homens de Estado e os filósofos. Dão-te o futuro, mas não te perguntam pelo passado.
Tu és herdeiro de um passado terrível. A tua herança queima-te as mãos, e sou eu que to digo. A verdade é que todo o médico, sapateiro, mecânico ou educador que queira trabalhar e ganhar o seu pão deve conhecer as suas limitações. Há algumas décadas, tu, Zé Ninguém, começaste a penetrar no governo da Terra. O futuro.da raça humana depende, à partir de agora, da maneira como pensas e ages. Porém, nem os teus mestres nem os teus senhores te dizem como realmente pensas e és, ninguém ousa dirigir-te a única critica que te podia tornar apto a ser inabalável senhor dos teus destinos. És «livre» apenas num sentido: livre da educação que te permitiria conduzires a tua vida como te aprouvesse, acima da autocrítica.
Nunca te ouvi queixar: «Vocês promovem-me a futuro senhor de mim próprio e do meu mundo, mas não me dizem como fazê-lo e não me apontam erros no que penso e faço».
Deixas que os homens no poder o assumam em teu nome. Mas tu mesmo nada dizes. Conferes aos homens que detêm o poder, quando não o conferes a importantes mal intencionados, mais poder ainda para te representarem. E só demasiado tarde reconheces que te enganaram uma vez mais.
Mas eu entendo-te. Vezes sem conta te vi nu, psíquica e fisicamente nu, sem máscara, sem opção, sem voto, sem aquilo que fiz de ti «membro do povo». Nu como um recém-nascido ou um general em cuecas. Ouvi então os teus prantos e lamúrias, ouvi-te os apelos e esperanças, os teus amores e desditas. Conheço-te e entendo-te. E vou dizer-te quem és, Zé Ninguém, porque acredito na grandeza do teu futuro, que sem dúvida te pertencerá. Por isso mesmo, antes de tudo o mais, olha para ti. Vê-te como realmente és. Ouve o que nenhum dos teus chefes ou representantes se atreve a dizer-te: És o «homem médio», o «homem comum». Repara bem no significado destas palavras: «médio» e «comum».
Não fujas. Tem ânimo e contempla-te. «Que direito tem este tipo de dizer-me o que quer que seja?» Leio esta pergunta nos teus olhos-amedrontados. Ouço-a na sua impertinência, Zé Ninguém. Tens medo de olhar para ti próprio, tens medo da crítica, tal como tens medo do poder que te prometem e que não saberias usar. Nem te atreves a pensar que poderias ser diferente: livre em vez de deprimido, direto em vez de cauteloso, amando às claras e não mais como um ladrão na noite. Tu mesmo te desprezas, Zé Ninguém, Dizes: «Quem sou eu para ter opinião própria, para decidir da minha própria vida e ter o mundo por meu?» E tens razão: Quem és tu para reclamar direitos sobre a tua vida? Deixa-me dizer-te.
Diferes dos grandes homens que verdadeiramente o são apenas num ponto: todo o grande homem foi outrora um Zé Ninguém que desenvolveu apenas uma outra qualidade: a de reconhecer as áreas em que havia limitações e estreiteza no seu modo de pensar e agir. Através de qualquer tarefa que o apaixonasse, aprendeu a sentir cada vez melhor aquilo em que a sua pequenez e mediocridade ameaçavam a sua felicidade. O grande homem é, pois, aquele que reconhece quando e em que é pequeno. O homem pequeno é aquele que não reconhece a sua pequenez e teme reconhecê-la; que procura mascarar a sua tacanhez e estreiteza de vistas com ilusões de força e grandeza, força e grandeza alheias. Que se orgulha dos seus grandes generais, mas não de si próprio (veja, você adora o prefeito, mas ama a si mesmo?). Que admira as idéias que não teve, mas nunca as que teve. Que acredita mais arraigadamente nas coisas que menos entende, e que não acredita no que quer que lhe pareça fácil de assimilar.
Comecemos pelo Zé Ninguém que habita em mim: Durante vinte e cinco anos tomei a defesa, em palavras e por escrito, do direito do homem comum à felicidade neste mundo; acusei-te pois da incapacidade de agarrar o que te pertence, de preservar o que conquistaste nas sangrentas barricadas de Paris e Viena, na luta pela Independência americana ou na revolução russa.
Paris foi dar a Pétain e Laval, Viena a Hitler, a tua Rússia a Stalin, e a tua América bem poderia conduzir a um regime KKK – Ku-Klux-Klan. Sabes melhor lutar pela tua liberdade que preservá-la para ti e para os outros. Isto eu sempre soube. O que não entendia, porém, era porque de cada vez que tentavas penosamente arrastar-te para fora de um lameiro acabavas por cair noutra ainda pior. Depois, pouco a pouco, às apalpadelas e olhando prudentemente em torno, entendi o que te escraviza: ÉS TU O TEU PRÓPRIO NEGREIRO. A verdade diz que mais ninguém senão tu é culpado da tua escravatura. Mais ninguém, sou eu que te digo!
Esta é nova, hein? Os teus libertadores garantem-te que os teus opressores se chamam Guilherme, Nicolau, papa Gregório XXVIII, Morgan, Krupp e Ford. E que os teus libertadores se chamam Mussolini, Napoleão, Hitler e Stalin.
Mas eu afirmo: Só tu podes libertar-te.
Esta frase faz-me, porém, vacilar. Intitulo-me paladino da pureza e da verdade, mas agora que se trata de te dizer a verdade, hesito, temendo a tua atitude em relação à verdade. A verdade é um perigo para a vida quando é a ti que diz respeito.
A verdade é a salvação mas não há população que não se lance sobre ela para a espoliar, de outro modo não serias o que és nem estarias onde estás.
Intelectualmente, sei que devo dizer a verdade a todo o custo. Mas o Zé Ninguém que se alberga em. mim adverte-me: estúpido, expores-te, entregares-te, ao Zé Ninguém. O Zé Ninguém não está interessado em ouvir a verdade acerca de si próprio. Não deseja assumir a grande responsabilidade que lhe cabe, quer queira quer não. Quer permanecer o que é ou, quando muito, tornar-se num desses grandes homens medíocres – ser rico, chefe de um partido, da Associação dos Veteranos de Guerra ou secretário da Sociedade de Promoção da Moral Pública. Mas assumir a responsabilidade do seu trabalho, alimentação, alojamento, Transportes, educação, investigação, administração pública, exploração mineira, isso nunca.
E o Zé Ninguém que se aloja dentro de mim acrescenta: «És agora um grande homem, conhecido na Alemanha, Áustria, Escandinávia, Inglaterra, América, Palestina. Os comunistas atacam-te. Os ‘defensores dos valores culturais’ odeiam-te. Os teus alunos estimam-te. Os doentes que curaste admiram-te. Os que sofrem da peste emocional perseguem-te. Escreveste 12 livros e 150 artigos sobre as misérias da existência, sobre o sofrimento do homem comum. As tuas idéias são ensinadas nas Universidades; outros grandes homens igualmente solitários confirmam o teu prestígio e põem-te entre os maiores intelectos da história da ciência. Fizeste uma das maiores descobertas científicas desde há muitos séculos, a da energia cósmica da vida e suas leis. Tornaste o cancro um fenômeno compreensível. Por tudo isto, andaste de pais em pais por dizeres a verdade. Descansa agora. Goza os frutos do teu êxito, do teu prestígio. Em poucos anos o teu nome será conhecida por todos. O que fizeste já basta. Recolhe-te agora ao repouso, ao estudo da lei funcional da natureza».
Esta é a conversa do Zé Ninguém dentro de mim e que te teme a ti, Zé Ninguém.
Durante muito tempo sintonizei contigo porque conhecia a tua vida através da minha própria existência e porque queria ajudar-te. Mantive-me perto de ti porque via que te era útil e que aceitavas o meu auxilio com prazer e, não raro, com lágrimas nos olhos. Só aos poucos percebi que o aceitavas, mas que não eras capaz de defendê-lo. Defendi-o e lutei para ti, por ti. Foi então que os teus chefes destruíram o meu trabalho e que tu os seguiste em silêncio. Continuei então em comunhão contigo, tentando achar maneira de ajudar-te sem soçobrar quer como teu dirigente quer como tua vítima. E o Zé Ninguém que reside em mim tentava convencer-te, «salvar-te», merecer-te o respeito que consagras às «altas matemáticas» por não fazeres a mínima idéia do que sejam. Quanto menos entendes, mais prezas. Conheces Hitler melhor que a Nietzsche, Napoleão melhor que a Peslalozzi. Qualquer monarca significa mais para ti do que Sigmund Freud. E o Zé Ninguém que vive em mim gostaria de ter-te nas mãos pelo processo costumeiro, recorrendo ao rataplã dos chefes. Eu temo-te, porém, quando o meu Zé Ninguém deseja «conduzir-te à liberdade». É que poderias descobrir a mesma identidade medíocre em ti e em mim, e, assustado, matares-te na minha pessoa. Foi por isso que deixei de ser escravo da tua liberdade e desejar morrer por ela.
Sei que não me entendes ainda quando te falo na «liberdade de ser escravo de quem quer que seja», idéia que não é fácil.
Para não ser escravo fiel de um único senhor, e ser escravo de todos, ter-se-á em primeiro lugar que matar o opressor, digamos, por exemplo, o Czar. Este crime político nunca poderia ser perpetrado sem um grande ideal de liberdade e motivos revolucionários. É, portanto, necessário fundar um partido revolucionário de liberdade sob a égide de um homem verdadeiramente grande, seja ele Jesus Cristo, Marx, Lincoln ou Lenin. Claro está que este grande homem tomará a tua liberdade muito a sério. Para a impor, terá que rodear-se de uma multidão de homens menores, ajudantes e moços de recados, dada a imensidade de tarefa para um só homem. Tu não, irias entendê-lo, e deixá-lo-ias de lado, se ele se rodeasse de gente um pouco superior. Assim escudado, ele conquista para ti o poder, ou uma parcela da verdade, ou uma nova e melhor crença.
Escreve evangelhos, promulga leis liberais, e conta com o teu apoio, seriedade e prontidão. Arranca-te do lameiro social onde te encontras imerso. Para manter solidários os muitos acólitos de menor talhe, para conservar a tua confiança, o homem verdadeiramente grande sacrifica pouco a pouco a sua grandeza que ele só pôde cultivar na sua profunda solidão espiritual, longe de ti e do teu bulício quotidiano mas em estreito contacto com a tua vida. Para te poder guiar, terá de conseguir que o transformes num Deus inacessível, pois que jamais obteria a tua confiança se permanecesse o simples homem que é, um homem a quem fosse, por exemplo, possível amar uma mulher sem estar casado com ela. E assim engendras um novo amo.
Promovido ao seu novo papel senhorial, eis que o grande homem mingua, pois que a grandeza lhe estava na inteireza, simplicidade, coragem e proximidade da vida. Os seus medíocres acólitos, grandes mercê da aura dele, assumem os altos cargos das finanças, da diplomacia, do governo, das ciências e das artes – e tu ficas onde estavas: no lameiro, pronto a esfarrapares-te novamente em nome do «futuro socialista» ou do «Terceiro Reich». Continuarás a viver em barracas com telhados de palha e paredes rebocadas de estrume, mas muito ufano dos teus palácios da cultura. Basta-te a ilusão de que governas – até que sobrevenha a próxima guerra e a queda dos novos tiranos.
Em países distantes, homens medíocres estudaram com afinco a tua ânsia de ser escravo e descobriram como tornar-se grandes homens medíocres com um mínimo de esforço intelectual. Esses homens vêm das tuas fileiras, nunca habitaram palácios. Passaram fome e sofreram como tu - mas aprenderam a encurtar o processo de mudança dos chefes. Aprenderam que cem anos de árduo trabalho intelectual em prol da tua liberdade, de grandes sacrifícios pessoais pelo teu bem-estar, de holocausto até da vida nos interesses da tua libertação, eram preço demasiado alto pela tua próxima nova escravatura. Tudo o que pudesse haver sido elaborado ou sofrido em 100 anos de vida de grandes pensadores podia ser destruído em menos de cinco anos. Os homúnculos da tua estirpe aprenderam, assim, a abreviar o processo: fazem-no mais aberta e brutalmente. E dizem-te sem rebuços que tu, a tua vida, os teus filhos e a tua família não contam, que és estúpido e subserviente e que podem fazer de ti o que lhe aprouver. E em vez de liberdade pessoal prometem-te liberdade nacional. Não te prometem dignidade pessoal mas respeito pelo Estado; grandeza nacional em vez de grandeza pessoal. E como «liberdade pessoal» e «grandeza» são para ti apenas conceitos estranhos e obscuros, enquanto «liberdade nacional» e «interesses do Estado» são palavras que te enchem a boca, como ossos que fazem nascer a água na boca de um cão, não há amém que não lhes dê. Nenhum desses homens medíocres paga pela liberdade autêntica o preço que pagaram Giordano Bruno, Cristo, Karl Marx ou Lincoln. Nem tu lhes interessas a ponta de um chavelho. Desprezam-te como tu te desprezas, Zé Ninguém. E conhecem-te bem, muito melhor do que um Rockefeller ou os Conservadores. Conhecem os teus podres como só tu próprio os devias conhecer. Sacrificam-te a um símbolo e és tu próprio quem lhes confere o poder que exercem sobre ti. Ergueste tu próprio os teus tiranos, e és tu quem os alimenta, apesar de terem arrancado as máscaras, ou talvez por isso mesmo. Eles mesmo te dizem clara e abertamente que és uma criatura inferior, incapaz de assumir responsabilidades, e que assim deverás permanecer. E tu nomeia-los novos «salvadores» e dá-lhes «vivas».
É por isso que eu tenho medo de ti, Zé Ninguém, um medo sem limites. Porque é de ti que depende o futuro da humanidade. E tenho medo de ti. porque não existe nada a que mais fujas do que a encarar-te a ti próprio., Estás doente, Zé Ninguém, muito doente, embora a culpa não seja tua. Mas é a ti que cabe libertares-te da tua doença.

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