Fugir de nós
Por Maria do Rosário Pedreira, do Blog HORAS EXTRAORDINÁRIAS AQUI
Um dos filmes que mais me marcaram foi o belíssimo Na América, de Jim Sheridan, no qual um casal irlandês a quem morreu um filho parte com as duas filhas vivas (excelentes actrizes de palmo e meio) para os Estados Unidos, em busca de uma vida que os redima dessa terrível morte que não teriam podido evitar. Não sei bem porquê – embora, evidentemente, haja pontos de contacto –, mas há um livro que estará para sempre associado na minha mente a esse filme doloroso e magnífico. Chama-se E Então Fomos Embora e foi escrito no dealbar deste século por Michael Kimball, a quem a crítica chamou, sem hesitações, “o sucessor de Faulkner”. Não deixando de ser absolutamente pungente no relato que faz da vida de uma família que atravessa a América com o caixão de um bebé (e o bebé lá dentro, claro) a caminho de um lugar digno para o sepultar, consegue escapar sei lá por que artes ao melodrama e à lamechice tão típicos do cinema americano de grande audiência. Descrevendo uma cidade atrás da outra através dos olhos de duas crianças que assistem ao desmoronamento dos pais e à perda total de bens e força para os conquistar ao longo do percurso, além de constituir um guia de viagem realista do interior dos Estados Unidos (que é, habitualmente, a parte que desconhecemos daquele país), transforma as maiores e mais penosas contrariedades em factos que as crianças, por serem crianças, aceitam com a maior das naturalidades. Na linha de Faulkner e Steinbeck, este é um livro de um autor a quem se deve prestar atenção, desde que os leitores tenham bons estômagos.
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