TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O apanhador no campo de centeio ...


Esta semana que passou falamos de Salinger. O Apanhador no Campo de Centeio é um livro memorável. Li-o quando adolescente. 1969 ou 1970, não me recordo. Tomei emprestado de um ex-cunhadinho. Está comigo até hoje. O herói (e porque não, o vilão, também, nossas duas partes eternas), Holden, é uma espécie de espelho para todo adolescente sensível (para mim, todos os adolescentes são sensíveis, depois ficamos adulterados). Foi um espelho para mim. Foi a confirmação de que somos instáveis, culpados, irresponsáveis, deprimidos, perdidos. A confirmação de que os adultos são falsos, rudes, grosseiros ... Enfim, somos um Holden. Ou partes dele. A escola de Holden era diferente da nossa? Não! Professoras peito-de-pombas; imponentes em suas ignorâncias. Com varinhas de marmelo a bater nas bundinhas das meninas e nas cabeças dos meninos. Eita, sadismo dessas professorinhas tolas, incultas ensinando: "o bebê baba"; Sou X, tenho sons de zes, de chis ... blá blá blá... Lembro-me da primeira professora que tive: Dona Ione. Como berrava, a infame. Não falava, berrava. Socialista, batia em todos as crianças, não importava se fossem pobres ou ricas. Não havia discriminação social. Batia igualmente em todas. Socialismo braziu. Minha vingança: quando ela levantava os braços berrando, sei lá com quem, eu ficava olhando a parte de baixo dos braços dela com as "pelancas balançando". Oh, mulher feia! Minha segunda professora, dona Djanira, baixinha, gordinha, ficava olhando a janela para ver seu namorado passar. Lembro-me de alguma coisa que aprendi com ela? Não, a não ser a injustiça. Ela batia nas meninas. Levantava aquelas sainhas de pregas e punia a menina (quem não sabia porque estava sendo punida). Uma vez detive-me não na punição, mas na beleza da calcinha amarela com rendinhas da Rita de Cássia. A terceira professora, dona Maria Luisa, tinha uma mania. Se ouvisse algum mínimo barulho, como a do vôo de uma mosca, batia o pé no assoalho. Resultado: a gente se assustava, riscava o caderno e depois éramos punidos. Menos brava do que as jararacas anteriores. Quarta e última professsora do primeiro ciclo, grupo escolar. Moacyra. Essa era aterrorizante! cabelos ruivos, braços vermelhos, alta, era o cão. Não suportava crianças. Humilhava. Puxava o saco dos filhos dos ricos. Com ela aprendi muita coisa. Tipo dez mandamentos da lei dos homens.

- Não humilhar. É ruim humilhar os outros. É um sentimento terrível para quem o sente. E se você for humilhada, revide! Eu enfrentei a professora depois de quase um ano aguentando-a. Mas com 11 anos de idade, já viram, não? Perdi a luta. Mas, criei coragem.

- Não gritar. Se um poderoso professor ou similar gritar com você, enfrente-o: grite também!

- Não ria dos alunos. Não os desanime. Faça-os sentirem bem, bons e queridos. Se o professor rir de você, pergunte a ele qual é a graça. Já perguntei a alguns professores. Também não dei muita sorte.

- Não mostre suas preferências por alunos filhos de deputados, senadores, vereadores ou empresários. Somos todos iguais perante o conhecimento. Eu sempre gosto de alunos mais ousados. Mas democracia é bom e eu gosto. Minhas professoras tinham essa covardia moral. Gostavam dos mais ricos e os mais pobres, uó.

- Não puxar saco de professores. Professor que gosta disso é um babaca. Desprezível. Não tem auto-estima. Não perca tempo com eles.

- Não dê moral para professores arrogantes. A arrogância é um tipo de sentimento de gente sem estima própria. Eles que procurem um terapeuta. Agora, como professora encontro essa categoria de docentes/colegas. EU sou o poder. Ah, que chato. Esses caras que vão à missa de domingo, depois ao churrasco de almoço, dormem o sono dos injustos a tarde, jogam futebolzinho aos sábados e ficam com aquela barriguinha de "bolinha" são um padrão de vida que me enche os picuás.


Bem, esse é saldo de ler Salinger. Pelo menos para mim. Foi uma leitura inesquecível. Ajudou-me a entender, a lutar e a me enveredar nesse mundão. Não sou pessimista como ele. Sou uma deprimida otimista. Aprendi nesses anos de escola e de trabalho a cultivar o cinismo. Devo isso a muitos escritores desse planeta. Minha verdadeira escola foram os livros e algumas poucas amizades.

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