O poder das palavras, de Rui bebiano, em seu Blog A terceira noite
Nas últimas linhas de um dos derradeiros textos que ditou para a New York Review of Books, quando as palavras lhe corriam fluídas pelo cérebro ao mesmo tempo que sentia já dificuldade em pronunciá-las com a clareza que sempre procurou, Tony Judt ainda reflectia sobre os problemas da comunicação contemporânea: «Se as palavras se deterioram, o que poderá substituí-las? Elas são tudo aquilo que nos resta.» Não se referia, porém, ao seu problema pessoal, que sabia irrevogável: no artigo «Words» falava sobretudo da preocupação com o recuo do antigo modelo de educação humanista que tanto tem vindo a ser desacreditado pelos arrogantes campeões do «saber técnico». Falava da perda de voz dos que usam a língua, central nesse modelo que formou o seu e o nosso mundo, para conhecer sem coacções, para ocupar os espaços públicos do debate, para transformar a controvérsia num factor de dignidade e de liberdade. Falava da perda do lugar central da «fala pela fala», como processo de aproximação e de verdadeiro conhecimento. Dessa perda que, neste tempo que privilegia o o pragmático, o lógico, o eficaz, o «útil», muitos de nós sentimos, todos os dias, com dor e com preocupação. Dessa perda que observava mesmo em lugares, como as universidades, justamente concebidos para impedi-la de acontecer: «A “profissionalização” do discurso académico – e a deliberada apreensão por parte dos humanistas da segurança da “teoria” e da “metodologia” – favorece o obscurantismo.» Judt via nas palavras, no uso e no abuso das palavras, na sua troca sem compromissos, um espaço de resistência perante a incompreensão e o individualismo. E foi isso que, com elas já a fugirem-lhe, nos procurou ainda dizer.
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