TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Homens e deuses....




Do Blog QUADRADO DOS LOUCOS AQUI


Homens e deuses, Xavier Beauvois, 2010.


São humanistas. Não tomam nenhum partido, senão o da humanidade. Querem ajudar as pessoas e está bem. Não se metem na política e não fazem questão de formar opinião. Permanecem neutros no que não podem saber com conhecimento de causa. Sua lealdade está com os pobres. Preferem ficar com o rebanho que lhes compete. Quando o mal absoluto irrompe, alguns estremecem. O instinto de autopreservação protesta. Instala-se o tema da reconversão. Ao final, todos se unem ao redor da missão humanitária, fiéis à devoção pessoal de cada um. Sacrificam-se por um bem maior, segundo o ensinamento de Jesus.

Homens e Deuses trata de pessoas ingênuas que, diante da sentença da morte, não se acovardaram. Fortaleceram-se junto de seu líder espiritual eleito, e foram até o fim. O drama não conclui com os assassinatos, que permanecem fora do plano. Dilui-se na espera ao mesmo tempo pacata e obsedante da violência, abordada sem falsos grandes sentimentos. Dilemas, debates, hesitações, autorreflexões — os frades de esquerda precisam se converter novamente, lembrar para si o real significado de sua profissão de fé. A sequência catártica da Santa Ceia, com vinho e Tchaikovski, beira o kitsch. Longe de frustrar o drama, reafirma o caráter telúrico e mesmo simplório desses pobres idealistas numa terra conflagrada pela brutalidade e fanatismo.

A direção mundaniza os personagens, concede-lhes face imperfeita, demasiado humana, ressalta sobretudo que são como nós, nunca deuses nem seus mártires. Se os rostos em close remetem a Carl T. Dreyer e o minimalismo cênico a Robert Bresson, nada há aqui de transcendental. Nesse filme, o sentido de Jesus está na terra, e afirma a vida no contato com o outro. Menos sacrifício que generosidade. Xavier Beauvois está consciente da contradição inerente à própria existência do mosteiro. Aí também está a oposição entre colonizadores e colonizados, que o filme tinge de um multiculturalismo duvidoso. Mas isso não afasta a simpatia de toda a composição pelos que provam estar vivos, por não temerem morrer como homens, isto é, uma única vez.

História real de um mosteiro trapista invadido na calada da madrugada pela guerrilha islamista, em 1996, na Argélia. Sete monges foram sequestrados e eventualmente assassinados (num caso até hoje mal-resolvido). É um filme modesto, que prima pela simplicidade, com que narra a tragédia de pacifistas e ingênuos consumidos pelas fogueiras da história.
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Catatau comenta: AQUI


Com muita curiosidade assisti, a partir da crítica de Bruno Cava, Des Hommes et des Dieux, filme aplaudido em Cannes no ano passado.
Em sua crítica, Cava chamou a atenção a um elemento: "são humanistas", comentava ele sobre o filme.

E de fato existe uma questão muito interessante em torno do "humanismo" na história daqueles monges.

Em primeiro lugar eles são trapistas, uma das ordens mais rigorosas da Igreja. Mas ao mesmo tempo, o movimento trapista teve figuras como Thomas Merton, alguém considerado como uma referência em certo tipo de abertura da ICAR para além da severidade de suas regras.

Existe de fato certo "humanismo" na Igreja, bastante difundido inclusive nas mais diversas de suas vertentes. Como dizia um filósofo do século XX, o humanismo é a maior "prostituta" do ocidente, proferido com muito gosto por nazistas, soviéticos e tecnocratas para legitimar suas próprias práticas (aí está o trunfo do "humanismo": noção pouco precisa mas de fácil assentimento). Pensadores cristãos como Teillard de Chardin eram, segundo ele, "humanistas frouxos".

No contexto trapista, o próprio Merton não foge muitas vezes ao fácil recurso ao humanismo. Mas é curioso notar também ele avaliando aquele pensamento anti-humanista: "bom" ou "razoavelmente bom" dizia ele, em meio a uma viagem de conhecimento e admiração de diversas religiões bem pouco cristãs (e humanistas).

Seriam os trapistas absolutamente "humanistas"? A pergunta é interessante, pois se sua vida segue rigorosamente o Ora et Labora, por outro lado são notáveis certos momentos nos quais a regra monástica se "curto-circuita" de modo que as mediações humanas responsáveis por salvaguardar o "homem" - inclusive as da Igreja - se suspendem, ocasionando certo extravasamento da regra (Regula) por certas atitudes espirituais.

Como se em determinados momentos o monge recuperasse certos significados bastante antigos e colocasse em primeiro plano aquele espanto dos cristãos primitivos (buscado pelo próprio monge), relativo à crença de que o Cristo, aquele homem de carne e osso, verdadeiramente ressuscitou. Se isso ocorreu - tal é um tema bastante presente em diversos santos, mártires e comunidades cristãs nos primeiros séculos -, não há limites ou mediações humanas para a ação do fiel. Seria possível uma espécie de abertura - digamos - "cósmica" para além das ações do "mundo" cotidiano.

O próprio título do filme joga com isso: há uma tensão crescente entre as prescrições dos homens (e dos deuses) e o que o monge pretende dedicar a Deus. Em certos momentos as pequenas ações diárias são vistas e re-significadas diante das pretensões de uma vida inteira.

Bernardo Bonowitz, abade do único mosteiro trapista masculino do Brasil, já comentou sobre o filme. Ele inclusive conheceu um dos monges ali representados.

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