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EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Chantagens ...

Charge Searle

Por Roberto Romano:






Vimos na semana passada “evangélicos”e “católicos”efetivarem chantagem sobre Dilma Roussef: se ela não tirasse do MEC a cartilha contra a homofobia, votariam os santos pela CPI/Palocci. Tenho nojo de sepulcros caiados. Com a chantagem, eles mostraram corrupção pior do que a de Palocci, pois se trata de uma nova forma de simonia, no vasto e pedregoso terreno do “é dando que se recebe”. Como se Deus precisasse de chantagem. Na verdade, eles não falam em nome de Deus, mas em nome de seus interesses diabólicos. Tenho certeza: ao lado dos simoníacos célebres, cantados por Dante, no inferno teremos os “políticos cristãos”.

Estado deve zelar por tolerância religiosa
Roberto Romano

Publicado em 22/10/95 no Jornal Folha de São Paulo

A opinião democrática desconfia dos fanatismos religiosos, sobretudo quando eles estão em guerra. A seita do bispo Edir Macedo conduz massas hipnotizadas para a caixa registradora, lugar onde se abrem as portas do céu e da terra. Novidade? De modo algum. O monge católico Tetzel, já no século 16, recitava versinhos indecentes, prefigurando as rezas dos pastores eletrônicos: “Sobald das Geld im Kasten Klingt/Die seele aus dem Fegfeuer springt” (Quando a moeda no cofre ressoar/A alma do purgatório vai saltar).Simonia não é monopólio da Igreja Universal do Reino de Deus. Nesse comércio, a Igreja Católica possui muita ciência e mais tempo na praça.

A simonia é blasfêmia que nenhum cristão pode aceitar. Mas ela possui muitas formas. Quando bispos católicos impõem regras ao Estado e à sociedade, em troca de apoio político, vendem o evangelho. As seitas “evangélicas” renegaram Lutero. Este não aceitava confusão entre o mundo e o reino celeste. Alguns setores do calvinismo assumiram _com as devidas cautelas_ a idéia de que Deus abençoa os eleitos, inclusive com bens materiais.Semelhante noção mesquinha persiste em parcelas dos grupos reformados. Edir Macedo conduz tal doutrina à caricatura cruel: é possível dar um empurrão na graça divina, com dinheiro. Abominável. Nós, católicos democráticos, precisamos fazer algumas perguntas. Quanto manda a diocese de Aparecida para os cofres da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)? Macedo recolhe moedas em sacos, no Maracanã. Os “pastores” eletrônicos cobram por milagres. Estes são absolutamente gratuitos em Aparecida? Que sejam lidos os textos da CNBB apoiando o golpe de 1964. No documento emitido em 19 de fevereiro de 1969, os bispos propõem “leal colaboração”, entre eles e os autores do AI-5, com a desculpa das “reformas” sociais.

Mentira e simonia. E a “ceia dos cardeais”, com a presença dos militares, para ganho político dos antístites? E a pressão dos mesmos bispos sobre o Congresso para impor o ensino religioso nas escolas públicas? Sejamos equânimes: a simonia, a troca do sagrado por dinheiro ou vantagem política, existe nas duas instituições. Bem disse aquele teórico do século 19: “A Igreja é mesmo divina. Caso oposto, os homens já teriam acabado com ela”. No campo da tolerância, é hipocrisia apontar os fiéis de Edir Macedo como os únicos inimigos da crença alheia. O boçal que profanou uma imagem exibiu ódio repelente. Mas existem meios sutis de rebaixar os valores de formas religiosas contrárias às nossas. A Igreja é mestra nessa arte. Ela ajudou o colonialismo durante séculos, em nome da “inferioridade” espiritual dos submetidos, índios ou negros. Mesmo quando tenta dialogar, a hierarquia comete deslizes etnocêntricos gravíssimos. Dom Aloisio Lorscheider, referindo-se aos cultos de origem africana (os mesmos satanizados por Edir Macedo), disse que eles derivam de “uma alienação… de uma tendência animista que se encontra muito em povos que não sabem explicar fenômenos naturais”. Modo elegante de dizer o mesmo do que Edir Macedo, com jargão “progressista”. A violência intolerante também é igual. Essas falas se inspiram na autodefesa.

Em 1970, o teólogo J. Comblin advertia que as massas estavam abandonando a Igreja: “São as novas religiões, seitas, cultos sincretistas, que recolhem a herança” (“Théologie de la Révolution”). Quando uma sociedade, laica ou religiosa, sente o cheiro da morte, ela exorciza os “outros”, reserva-lhes o inferno ou a “mentalidade primitiva”. Seguem essa “lógica” as perseguições promovidas por d. Lucas Neves, em Salvador, contra os ritos africanos. O Estado não pode permitir guerra de religiões. O pouco que lhe resta de soberania, já ameaçada por setores econômicos piratas, não pode fenecer pelo mandonismo teológico-político. Os democratas recusam deputados “crentes” que praticam uma nova forma ecumênica. De fato, enoja o seu entusiasmo pela blasfêmia “franciscana”, resumida no “é dando que se recebe”. Não menos perigosa para a democracia é a pressão dos bispos sobre o Parlamento e o Executivo. Se deseja manter-se soberano, o Estado deve impor, com mão de ferro, a tolerância mútua entre os credos. Outro caminho, mais nobre, seria a leitura e a prática, por todos os que se proclamam fiéis, do prescrito no “Sermão da Montanha”. Mas isso é esperar muito dos grandes inquisidores e de seus inimigos “evangélicos”. Um Estado verdadeiro propicia liberdade e respeito para todas as crenças e para os que não acreditam nos dogmas. É o que ensina a sábia Igreja, quando delibera sob inspiração divina: o direito de não ser coagido religiosamente funda-se na natureza humana. Ele “continua a existir, ainda para aqueles que não satisfazem a obrigação de procurar a verdade e de a ela aderir” (Concílio Vaticano 2, declaração “Dignitatis Humanae”).

ROBERTO ROMANO, 49, é professor titular de filosofia na Universidade de Campinas e autor de “Brasil, Igreja Contra Estado”

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