Dicionário não-etimológico: "gostar" por Maria João Freitas aqui
gostar = sentir o gosto no ar. Fecho os olhos, como se a memória temesse a luz. Abro o nariz, como se tivesse recebido uma ordem. Estendo a boca em busca do aroma gritante. Espreito, sem ver, à janela do mundo e sinto o teu gosto no ar. A minha boca é o amplificador do teu gosto: é com ela que te descrevo e saboreio. O teu gosto chega sem avisar, como uma cortina que entra pela janela empurrada pelo vento. Então, a tua voz caminha na minha direcção. O teu gosto difunde-se no ar como luz e abraça-me com gestos vagabundos. Provocas-me uma insónia dos sentidos. Respiro-te, inspiras-me. O meu nariz avisa-me que estás perto. Não precisas de bater à porta para entrar. És uma flor que me segue na rua, és o sabor preferido que me servem num restaurante que mais ninguém conhece, és uma fotografia com cheiro, um pensamento com textura, uma visão com dedos. A tua imagem vence o mundo, intensa mas volátil. Caminhas ao meu lado invisível pelas ruas da cidade. De vez em quando, passa por mim alguém que usa o teu perfume, mas não traz vestida a tua pele. Não me deixo enganar. Tenho demasiadas informações e cheiro o teu corpo à distância. Sem saber se é com o nariz ou com a boca que sinto o teu gosto no ar e te vejo, toco e oiço, descubro sinestesias. Parece que trago um bocadinho da tua pele no bolso, uma amostra tua. Um cotovelo de sentido, um joelho de sabor, uma mão cheia de cheiros, uma boca de memórias. Retenho do teu corpo um fio esquivo que prende o teu gosto no ar, como nunca o poderás sentir, de tão familiar te ser. És a bússola do gostar, embora sejas tu que me segues.
gostar = sentir o gosto no ar. Fecho os olhos, como se a memória temesse a luz. Abro o nariz, como se tivesse recebido uma ordem. Estendo a boca em busca do aroma gritante. Espreito, sem ver, à janela do mundo e sinto o teu gosto no ar. A minha boca é o amplificador do teu gosto: é com ela que te descrevo e saboreio. O teu gosto chega sem avisar, como uma cortina que entra pela janela empurrada pelo vento. Então, a tua voz caminha na minha direcção. O teu gosto difunde-se no ar como luz e abraça-me com gestos vagabundos. Provocas-me uma insónia dos sentidos. Respiro-te, inspiras-me. O meu nariz avisa-me que estás perto. Não precisas de bater à porta para entrar. És uma flor que me segue na rua, és o sabor preferido que me servem num restaurante que mais ninguém conhece, és uma fotografia com cheiro, um pensamento com textura, uma visão com dedos. A tua imagem vence o mundo, intensa mas volátil. Caminhas ao meu lado invisível pelas ruas da cidade. De vez em quando, passa por mim alguém que usa o teu perfume, mas não traz vestida a tua pele. Não me deixo enganar. Tenho demasiadas informações e cheiro o teu corpo à distância. Sem saber se é com o nariz ou com a boca que sinto o teu gosto no ar e te vejo, toco e oiço, descubro sinestesias. Parece que trago um bocadinho da tua pele no bolso, uma amostra tua. Um cotovelo de sentido, um joelho de sabor, uma mão cheia de cheiros, uma boca de memórias. Retenho do teu corpo um fio esquivo que prende o teu gosto no ar, como nunca o poderás sentir, de tão familiar te ser. És a bússola do gostar, embora sejas tu que me segues.
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