TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

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O desejo, ou a traição da felicidade. Entrevista com Slavoj Zizek
Slavoj Zizek

Há muitos anos, o filósofo Slavoj Zizek procura explicar a teoria lacaniana do desejo pela análise da cultura moderna. Por ocasião da publicação de La marionnette et le Nain. Le christianisme entre perversion et subversion, (A Marionete e o Anão. O cristianismo entre perversão e subversão) que propõe uma releitura provocante do cristianismo "entre perversão e subversão", quisemos interrogá-lo sobre a questão do desejo nos dias atuais. Entre ovos Kinder Surprise e café sem cafeína, nossa época sob o prisma do "pequeno objeto a", do Superego e do "Grande Outro".

Como você se situa em relação à idéia de que nós vivemos numa sociedade em que a maioria de nossos desejos seriam alienados?

Slavoj Zizek - É preciso ser prudente. Toda a temática dos anos 1960, em torno da crítica da "sociedade de consumo", tem sido que nos oferecem pequenas satisfações, pequenos momentos de felicidade, prazeres bobos para nos privar dos "verdadeiros" desejos. Eu creio que esta é uma fórmula demasiado ingênua. Em La Marionette et le Nain, eu falo a respeito dos ovos Kinder Surprise. A maioria das crianças compra ovos Kinder pela surpresa. Eles nem sempre se dão o tempo de comer o chocolate. Trata-se de uma lógica do desejo, e não do consumo. Os ovos Kinder são o modelo de todos esses produtos que nos prometem alguma coisa "a mais" do que aquilo que poderíamos consumir, como essas embalagens em que está escrito: "Numerosos prêmios a ganhar no interior". É preciso, pois, resguardar-se ante uma mitologia que oporia nossos "verdadeiros" desejos e uma sociedade de consumo toda ocupada em aliená-los. Tome uma certa vulgata "deleuziana" de nossos dias: ela desenvolve um modelo que repousa sobre a oposição entre a organização hierárquica, sistemática, o Estado, o "Império", e os fluxos nômades, a "multidão" dos desejos. Mas, o capitalismo atual é precisamente nômade. Por que e como se vai combatê-lo, quando se começou a esquecê-lo? É como esses feministas americanos que atacam a sociedade contemporânea, como se ela ainda repousasse sobre um modelo de autoridade patriarcal. A estrutura subjetiva do capitalismo contemporâneo é precisamente a do sujeito nômade, sem identidade fixa. Então nem se pode dizer que é preciso combatê-lo, porque ele "reterritorializa" os fluxos, os desejos, pois a "reterritorialização" é a própria máquina que desencadeia o dinamismo. Os marxistas já tinham este sonho: manter a estrutura, mas sem o lucro, a mais-valia. Eles queriam desembaraçar-se do obstáculo, mantendo o dinamismo puro, mas eles não viram que eles perdiam o dinamismo junto com o obstáculo.

Então, não estou totalmente de acordo com esse tipo de crítica da "sociedade de consumo". O que permanece em mim, é a idéia de que a felicidade não pode ser uma categoria ética. Eu discutia recentemente com amigos espanhóis. Eles me diziam que tinham gostado muito da descrição, que eu faço em Bienvenue dans le désert du réel [Bem-vindos ao deserto do real, livro traduzido para o português], da "felicidade" na Tchecoslováquia comunista dos anos 1970-1980. Todo o mundo era "feliz" naquela época: as necessidades materiais estavam satisfeitas, embora não completamente, se bem que se podia estar satisfeito com o que se possuía; tudo o que estava mal era imputado ao Outro, ao Partido; e havia também um Outro com o qual sonhar de maneira realista, pois ele não estava muito afastado, o Ocidente consumista. Segundo meus amigos, ocorria exatamente a mesma coisa na Espanha durante os dez últimos anos sob Franco. Existe mesmo uma piada espanhola para responder à questão: "Como era a vida sob Franco? - A vida sob Franco era muito agradável". Não se deveria legitimar uma mudança, dizendo que se vai trazer mais felicidade. A verdadeira mudança política consiste sempre em modificar os próprios parâmetros daquilo que se entende por felicidade.

Isso significa que se deve deixar de ser crítico com relação a esse tipo de sociedade?

Slavoj Zizek - O que seria preciso criticar, é a própria idéia de "consumo". Será que estamos realmente numa sociedade "de consumo"? O modelo da mercadoria é hoje o café sem cafeína, a cerveja sem álcool, o creme fresco sem gordura. A meu ver, isso significa primeiro que se tem mais medo de consumir verdadeiramente. A gente quer comer, mas sem pagar o preço. Caso se queira criticar a sociedade moderna, não é preciso se agarrar a essa idéia de "consumo". Uma chave mais interessante seria a noção de "vítima". É preciso compreender como isso determina nossa noção de tolerância e nossa relação ao desejo do outro. O que quer dizer atualmente "tolerância"? É simplesmente o inverso da noção de "assédio". E, o que quer dizer "assédio"? Isso quer dizer que o Outro, como sujeito de desejos, não deve se aproximar demasiadamente de mim. Em outros termos, a tolerância é hoje exatamente a intolerância. A figura da subjetividade torna-se completamente narcisista; ela se constitui no temor da proximidade dos outros. Isso me lembra de quando Kierkegaard pergunta: "Quem é o próximo que se deve amar?", e ele responde: "Aquele que está morto".


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