O segundo atentado por Leonardo Ferrari, psicanalista, Curitiba AQUI
Fonte: trecho da reportagem de Fernando Eichenberg e Fernanda Godoy in O Globo, 11/1/2011.
Começou. Depois do ato do assassino, a vingança. É uma vingança violentíssima, que tenta até superar o crime realizado. Ela começa pela invasão da vida do condenado – o termo técnico aqui seria “acusado”, pois não houve julgamento ainda. Não houve? É uma invasão terrível. Ali está “maconheiro”, “drogado”, “racista”, “antissemita” e, a cereja no topo do bolo, a descoberta nos fundos da casa do réu, de um santuário “aterrorizante”, atenção para esta palavra. O que foi ali descoberto? Um altar com um crânio colocado numa panela cheia de laranjas! Incrível! Extraordinário! Mas, perdão, não foi esta a cereja. A cereja está no final: segundo “especialistas”, esses materiais são usados em “rituais secretos”!! Impressionante! Seria de rir se não fosse para chorar. A busca do sentido, da explicação para o ato criminoso não encontra limites. O bom senso é estuprado em favor de qualquer resposta. E isso tudo sem que o condenado tenha aberto a boca para falar qualquer coisa – mas falar para quê quando todos falam em seu lugar? Falar o quê diante dos “especialistas” e de seu diagnóstico que fez Molière rolar no túmulo de tanto rir? “Desequilibrado”, “doente mental”, “maconheiro”. Onde está o direito de defesa? Aliás, sobre isso, a sorte do abestado é ele ser cidadão norte-americano, caso contrário estaria em Guantánamo, torturado para sempre, sem direito ao Direito. Este criminoso é um doente? Não faço a menor ideia. E o altar com o crânio, o que significa? Sei lá. E as laranjas? Quem sabe o meliante, o elemento gostasse de chupá-las, algo sem dúvida suspeitíssimo. Ora, já pensou se a casa de cada um fosse invadida por esse bando de vampiros – policiais, “autoridades”, certos jornalistas? Não escapa um. A fantasia de cada um, o modo como cada um organiza sua existência e vai conseguir ficar de pé durante o dia, vai conseguir adernar ora para um lado, ora para outro da vida, o jeitão de cada um de fracassar a seu passo, a seu tropeço, essa fantasia é sempre algo muito estranho, inclusive para o sujeito. Além disso, uma das maiores dores de cada um é a impossibilidade de se reconhecer nessa fantasia, daí a enorme dificuldade em falar dela, inclusive em análise. Se fala do vizinho, se fala do chefe, se fala da mulher, se fala do governo, mas, da fantasia, silêncio, leva tempo. Nesse sentido, o tão amado sentido, o tão procurado sentido, o tão incensado sentido, que alguém se arraste pela vida apoiado num crânio dentro de um panela de laranjas é tão válido quanto o outro que passa o final de semana inteiro lustrando e polindo seu amado automóvel – com uma caixinha de sonho de valsa lá dentro! Futuro criminoso? Como o indispensável Machado de Assis previu no imprescindível “O Alienista”, que encarcerem-se todos então! E joguem fora a chave!
Começou. Depois do ato do assassino, a vingança. É uma vingança violentíssima, que tenta até superar o crime realizado. Ela começa pela invasão da vida do condenado – o termo técnico aqui seria “acusado”, pois não houve julgamento ainda. Não houve? É uma invasão terrível. Ali está “maconheiro”, “drogado”, “racista”, “antissemita” e, a cereja no topo do bolo, a descoberta nos fundos da casa do réu, de um santuário “aterrorizante”, atenção para esta palavra. O que foi ali descoberto? Um altar com um crânio colocado numa panela cheia de laranjas! Incrível! Extraordinário! Mas, perdão, não foi esta a cereja. A cereja está no final: segundo “especialistas”, esses materiais são usados em “rituais secretos”!! Impressionante! Seria de rir se não fosse para chorar. A busca do sentido, da explicação para o ato criminoso não encontra limites. O bom senso é estuprado em favor de qualquer resposta. E isso tudo sem que o condenado tenha aberto a boca para falar qualquer coisa – mas falar para quê quando todos falam em seu lugar? Falar o quê diante dos “especialistas” e de seu diagnóstico que fez Molière rolar no túmulo de tanto rir? “Desequilibrado”, “doente mental”, “maconheiro”. Onde está o direito de defesa? Aliás, sobre isso, a sorte do abestado é ele ser cidadão norte-americano, caso contrário estaria em Guantánamo, torturado para sempre, sem direito ao Direito. Este criminoso é um doente? Não faço a menor ideia. E o altar com o crânio, o que significa? Sei lá. E as laranjas? Quem sabe o meliante, o elemento gostasse de chupá-las, algo sem dúvida suspeitíssimo. Ora, já pensou se a casa de cada um fosse invadida por esse bando de vampiros – policiais, “autoridades”, certos jornalistas? Não escapa um. A fantasia de cada um, o modo como cada um organiza sua existência e vai conseguir ficar de pé durante o dia, vai conseguir adernar ora para um lado, ora para outro da vida, o jeitão de cada um de fracassar a seu passo, a seu tropeço, essa fantasia é sempre algo muito estranho, inclusive para o sujeito. Além disso, uma das maiores dores de cada um é a impossibilidade de se reconhecer nessa fantasia, daí a enorme dificuldade em falar dela, inclusive em análise. Se fala do vizinho, se fala do chefe, se fala da mulher, se fala do governo, mas, da fantasia, silêncio, leva tempo. Nesse sentido, o tão amado sentido, o tão procurado sentido, o tão incensado sentido, que alguém se arraste pela vida apoiado num crânio dentro de um panela de laranjas é tão válido quanto o outro que passa o final de semana inteiro lustrando e polindo seu amado automóvel – com uma caixinha de sonho de valsa lá dentro! Futuro criminoso? Como o indispensável Machado de Assis previu no imprescindível “O Alienista”, que encarcerem-se todos então! E joguem fora a chave!
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