Do Leonardo Ferrari, psicanalista, Curitiba, aqui
Fonte: primeira página do jornal O Globo, 9/4/2011.
Em meio ao horror de Realengo, a repórter Bette Lucchese do Jornal Nacional foi entrevistar o professor Luciano Anderson Faria que, com suas decisões, com suas palavras e com seu corpo, fazendo força com o pé na porta fechada para que o assassino não entrasse na sala de aula, salvou a vida da turma inteira de 40 alunos.
E o professor Luciano falou o seguinte àqueles que sobreviveram:
“Queria pedir que eles tivessem muita força nesse momento e que eles continuassem acreditando no trabalho dos professores da equipe da escola e que a gente, juntos, reunidos, nós vamos conseguir resgatar o que a escola é pra gente, uma família, um lugar de formação da cidadania e um lugar de paz, de conhecimento, de aprendizagem, um lugar que resgata pessoas para a sociedade” (fonte: entrevista de Luciano Anderson Faria a Bette Lucchese no Jornal Nacional de 8/4/2011).
Eu gostaria de dizer ao professor Luciano que me emocionei demais com seus atos e com seu depoimento. Eis aí um professor de escola pública brasileira. Um professor que fala em equipe, que fala em formação de cidadania, que fala em conhecimento, que fala em resgatar pessoas para a sociedade.
Eis aí uma escola com 40 alunos numa turma. Não 70, não 200, não 300. Quão longe estamos do que a educação se transformou no Brasil: numa mercadoria cara, voltada à uma formação pobre e precária para uma entidade chamada “mercado”, um lugar de segregação e de pregação doutrinária de um único pensamento, o de se dar bem, ser um “vencedor” acima de tudo e de todos, os outros vistos como perdedores, aqueles que “não servem mais”, os restos a serem descartados, demitidos, cortados como se fossem cebolas, a sociedade como um lugar que não interessa, o Estado como inimigo feroz, o conhecimento transformado numa coleção de dicas e técnicas, “macetes” para “chegar lá” na frente dos outros, qualquer teoria combatida duramente em favor da “prática” burra, a pior prática, aquela que se pretende isenta de teoria, aquela arrogante, besta, totalitária, que se julga “sem ideologias”, como se isso fosse possível, e a ausência total de pesquisa – custa muito caro, não é mesmo?
Mais barato é copiar, é papagaiar, é gritar frases feitas, é motivar com mantras, é seguir a boiada, sem sequer perceber que há um guia, há um guru, há um líder, essa é a palavra da moda, lucrando horrores com essa manada passiva, manada dopada, a definitiva tropa de elite, ajoelhada e rezadora, daí o impedimento a qualquer investigação crítica que possa revelar essa impostura, somente a ignorância abissal das mensagens estúpidas, de uma formação irrelevante, tosca, uma formação desumana, só técnica, a técnica acima de tudo – já que o humano pensa, não é mesmo, e pensar está definitavamente proibido, censurado, boicotado de todas as formas, o avesso em suma do que se pode chamar de educação.
Em meio à tragédia, encontrar o professor Luciano foi uma epifania. Rara, luminosa, essencial.
Muito obrigado, professor Luciano. Com o senhor, o Brasil é um país que deu certo. Já o outro Brasil não pode mais ser chamado de Brasil. É uma outra coisa, não mais sociedade, não mais país, não mais nação. Não é só o assassinato de 12 crianças que assusta. Apavora o assassinato de milhões delas todos os dias, lentamente.
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COMENTÁRIO MEU:
Ontem, eu e minha filha Juju choramos pra dedel quando vimos os velórios das 12 crianças do Realengo. O nosso choro se misturava aos nossos desencantos. Eu acabava de terminar um curso para professores de ciências da rede pública daqui deste estado. Dois dias. Dois dias cansativos. Muito cansativo. Conheci a Iv., professora de matemática de Paiçandú. Uma espécie rara. Falou-me de suas aulas, suas preocupações com suas crianças. Teve 4 filhos. Uma com síndrome de down que faleceu há pouco tempo. Criou mais 4 crianças. Está fazendo o curso de teologia. Trabalha na Pastoral. Tem todas as unhas quebradas. O rosto muito marcado do sol. E tem uma alegria incrível. Rimos muito.
Por ouro lado, fiquei apavorada com o grau de desejo morto dos professores. Os professores desse curso precisavam fazer um trabalho para implementar na escola. E, aí, dei de cara com temas assim: como ensinar às crianças, as regras do trânsito. Como meu papel era de ADVOGADA DO DIABO, perguntei por que este tema. Afinal, quem anda de carros são adultos e ALGUNS ADULTOS, os que têm carro. Eu fico tiririca com esses temas. Outros temas: gravidez na adolescência (ensinar a não engravidar? ora, ora ...), ensinar a ser ambientalista (tem seu mérito quando a escola anda junto...)... e por aí vai... (e eu fico).
Aí, vendo as crianças, seus pais, colegas .... CHORAMOS, CHORAMOS.... O texto do Ferrari é sublime!
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