DA SÉRIE: SUTIÃ A GENTE QUEIMA
Eu tenho cada vez mais falado uma frase. Que resume um pouco o que eu acho. Não tem tonto aqui. É a frase. Porque não. Meu pai gostava muito de um tipo "peculiar" de piada. Em que os negros se ferravam no final. Na verdade, ele não era do tipo piada, meu pai. Mas contava uma. E eu estou generalizando. Porque ele contava sempre. É relativamente conhecida. Um negro está dirigindo um carro importado. E é parado pela polícia, confundido com o motorista etc. É a única que ele contava. Toda vez que "vejo" a piada, lembro dele. De mais coisa, eu me lembro. Tipo. Do chatíssimo papel que passou a me caber, por escolha, em almoços de família. Eu escolhi ser uma pessoa que não fica quieta quando ouve uma piada dessa. E também não sou de todo burra. Então não aponto o dedo e digo "racista". Eu desconstruo a piada. Porque foi o que eu escolhi fazer na vida. É uma piada rica, para ser desconstruída. Porque é verdade, a piada. Possivelmente um afro-descendente passaria pelos constragimentos descritos nela etc. E a questão, que eu colocava pro meu pai, era só uma. Por que você acha engraçado, pai?. E então ele desviava. E começava dizendo que a piada não era racista. Eu, facilmente, refutava. E ele tentava encerrar. Com a célebre. É apenas uma piada. O ônus sempre ficava comigo, né? Eu, a pessoa sem senso de humor. Eu, a politicamente correta. Eu, que luto por um mundo sisudo, no qual ninguém sorri. Do ponto de vista pessoal, essas pechas não "colam" em mim. Exclusivamente porque eu sou uma pessoa fofa e sorridente. Desde pequenininha. Daí a feminista louca pode aparecer, mas não sou eu. Isso é um dado exclusivamente pessoal. De contrariar o estereótipo aí. Mas o reitero em outros aspectos. Eu sou lésbica e gorda e, infelizmente, devo admitir, não tenho sido tão bem comida como eu gostaria. O que permite que as pessoas especulem, né? Que se eu fosse magra, não seria feminista. E coisas assim. O problema todo é esse papel antipático mesmo. Irritante até. E as acusações advindas dele. Você não respeita a liberdade individual. Você está me patrulhando. E por aí vai. Quando na verdade, o movimento feminista tem como mote "o privado é público". A teoria feminista se inicia a partir dessa reflexão a respeito da hierarquia nas relações cotidianas. Então é aí que apontamos as coisas. Nas piadas, nas brincadeiras, nas propagandas de ruffles. Nos lugares ocupados por homens e mulheres nos almoços de família. A sala e a cozinha. O feminismo faz isso. O tempo todo. Ele verifica também sexismo em outros lugares? Claro. Mas existe esse lugar para o cotidiano. Um lugar de honra. Porque acreditamos que é no trivial que a reificação acontece e que o imaginário permanece poderoso. Algumas teóricas colocaram a lupa num lugar cercado de tabu. Elas olharam o que homens e mulheres faziam nos quartos. E como sexo também era hierarquizado. E essa denúncia, da submissão da mulher aos desejos masculinos, é super legítima e tem se mantido atualizada, até onde eu acompanho. Mas não tem tonta aqui. Todas nós sabemos que o radicalismo teórico dessa abordagem colocou (mais uma) pecha em nós. As feministas seriam anti-sexo. E várias teóricas discutiram isso. E discutem. E fazem balanço do movimento. Sério. Eu já li umas 20 análises dessa pecha. Sempre que aparece alguma discussão a respeito das resistências ao feminismo, essa está. Todo mundo conhece essa crítica. Todo mundo sabe que moderninho é ser liberada. A discussão não é essa. Não é necessário explicar pra feministas como eu, que são mais identificadas com a segunda onda, que o erotismo também pode ser empoderante. E que ao denunciar a opressão através dele, corremos o risco de castrar as mulheres todas. Eu sei e todas nós sabemos. Eu conheço as posições dentro do meu movimento. E realmente não acho que devemos negociar algumas posições agora. E isso é discutível. Sim, é. Mas as posições são conhecidas. E eu espero que não seja discutível que a erotização do corpo feminino, muitas vezes, é usada para reafirmar a hierarquia e não faz nada além de objetificar a mulher. Expressão que eu considero complicada. Sem qualquer cacoete teórico. Eu realmente acho que a relação sujeito/objeto é fluida. Realmente é isso que eu vejo quando olho o mundo. Fluidez dessa relação. Por isso que eu demoro demais pra me posicionar diante de coisas como o tal #lingerieday. Porque estou olhando. Uma manifestação que está TOTALMENTE ao alcance da minha análise. Porque redes sociais cabem no modelo de análise feminista do cotidiano e tal. E aí a primeira pergunta fica muito difícil de responder. Qual o problema de se colocar de calcinha e sutiã no avatar? Eu detesto a idéia, de cara. Porque sou super contaminada pela segunda onda, e costumo deixar claro isso. Pra diluir um pouco a minha opinião. E pra que as pessoas saibam da minha parcialidade. Mas é claro que não fecha mais isso. É óbvio. E se há problema em cacinha e sutiã no avatar, eu preciso mostrar, né? Teoricamente, que é como eu me expresso quando se trata de feminismo. E não é porque eu me ache uma teórica ou relevante. É porque eu trabalho nisso mesmo. É a coisa da minha vida essa. Daí começa o debate no twitter. E aparecem duas mulheres feministas com o tal avatar de lingerie. Na hora eu já imaginei que se tratava disso aí. Do racha interno do movimento mesmo. Entre as pró e as anti-sexo. Beleza. Aí uma outra feminista chama a atenção pra objetificação da mulher. Nisso de aderir a uma campanha que teria um forte fundo machista. Como esperado, a resposta vem nos termos da relativização do que seria objeto e sujeito e tal. E que é o indíviduo que se coloca como sujeito ou objeto e tal. Eu dei um pitaco. E disse que não dependia só do indivíduo. Porque eu não acho mesmo que dependa. E embora ele seja agente, não tem domínio mesmo. Claro que ele pode ampliar o domínio, mas a priori não tem. Aí eu saí. Pra assistir A Fazenda. Porque eu já sabia. Que eles iam indicar a Danni Carlos. Minha pessoa preferida no mundo, hoje. Voltei e a discussão continuava centrada na objetificação do corpo feminino. E se a decisão da mulher em exibir o corpo imediatamente a transformaria em sujeito e tal. Me amarro nessa discussão. Postei (e apaguei) um post sobre isso. Talvez até publique de novo. E demoro a tirar uma posição porque, como já disse, sou obrigada a lidar com crenças arraigadas do que seria a ação feminista etc. Aí fui lendo e abrindo links. E aí, né? Sou socióloga. E não posso ignorar algumas coisas. Tipo que houve uma campanha para o #lingerieday. E que tem idealizadores e seguidores. A gente chama de atores, no caso dos idealizadores. E poderemos chamar de atrizes, no caso das seguidoras. E os atores, claro, fizeram uso interativo da internet e tal. Então há blog, comments, twitpics e outras coisas. Que são o corpo da proposta. E que dão identidade a ela. Que a TORNAM uma proposta. E aí a porca super torceu o rabo. Porque não era mesmo uma discussão sobre os limites do erotismo. Era uma prática reiterada de machismo. Com diversas avacalhações a respeito de feministas. Com restrições ao corpo. Com normatização do erótico. E num tom de confronto explícito em relação a quem, previsivelmente, se opôs. E o confronto foi uma sucessão de preconceitos. Todos os preconceitos, citados no início do post, apareceram. Porque já estavam prontos. Ninguém queria escutar as feministas. Já estava dado que somos chatas e free sex. E aí a gente não sabe se ignora e toca a vida. Que eu tenho preferido nos últimos tempos, super cansada que estou de falsas polêmicas. Ou se resolve debater e tal. A chata do almoço de família. Desconstruindo sempre. Chata. Não consegue ver o lúdico. Eu não sabia direito, quando comecei. Que o meu papel seria esse. De pontuar no meio da festa. Mas é. E aí a impressão mais forte que me ficou.
Eu tenho cada vez mais falado uma frase. Que resume um pouco o que eu acho. Não tem tonto aqui. É a frase. Porque não. Meu pai gostava muito de um tipo "peculiar" de piada. Em que os negros se ferravam no final. Na verdade, ele não era do tipo piada, meu pai. Mas contava uma. E eu estou generalizando. Porque ele contava sempre. É relativamente conhecida. Um negro está dirigindo um carro importado. E é parado pela polícia, confundido com o motorista etc. É a única que ele contava. Toda vez que "vejo" a piada, lembro dele. De mais coisa, eu me lembro. Tipo. Do chatíssimo papel que passou a me caber, por escolha, em almoços de família. Eu escolhi ser uma pessoa que não fica quieta quando ouve uma piada dessa. E também não sou de todo burra. Então não aponto o dedo e digo "racista". Eu desconstruo a piada. Porque foi o que eu escolhi fazer na vida. É uma piada rica, para ser desconstruída. Porque é verdade, a piada. Possivelmente um afro-descendente passaria pelos constragimentos descritos nela etc. E a questão, que eu colocava pro meu pai, era só uma. Por que você acha engraçado, pai?. E então ele desviava. E começava dizendo que a piada não era racista. Eu, facilmente, refutava. E ele tentava encerrar. Com a célebre. É apenas uma piada. O ônus sempre ficava comigo, né? Eu, a pessoa sem senso de humor. Eu, a politicamente correta. Eu, que luto por um mundo sisudo, no qual ninguém sorri. Do ponto de vista pessoal, essas pechas não "colam" em mim. Exclusivamente porque eu sou uma pessoa fofa e sorridente. Desde pequenininha. Daí a feminista louca pode aparecer, mas não sou eu. Isso é um dado exclusivamente pessoal. De contrariar o estereótipo aí. Mas o reitero em outros aspectos. Eu sou lésbica e gorda e, infelizmente, devo admitir, não tenho sido tão bem comida como eu gostaria. O que permite que as pessoas especulem, né? Que se eu fosse magra, não seria feminista. E coisas assim. O problema todo é esse papel antipático mesmo. Irritante até. E as acusações advindas dele. Você não respeita a liberdade individual. Você está me patrulhando. E por aí vai. Quando na verdade, o movimento feminista tem como mote "o privado é público". A teoria feminista se inicia a partir dessa reflexão a respeito da hierarquia nas relações cotidianas. Então é aí que apontamos as coisas. Nas piadas, nas brincadeiras, nas propagandas de ruffles. Nos lugares ocupados por homens e mulheres nos almoços de família. A sala e a cozinha. O feminismo faz isso. O tempo todo. Ele verifica também sexismo em outros lugares? Claro. Mas existe esse lugar para o cotidiano. Um lugar de honra. Porque acreditamos que é no trivial que a reificação acontece e que o imaginário permanece poderoso. Algumas teóricas colocaram a lupa num lugar cercado de tabu. Elas olharam o que homens e mulheres faziam nos quartos. E como sexo também era hierarquizado. E essa denúncia, da submissão da mulher aos desejos masculinos, é super legítima e tem se mantido atualizada, até onde eu acompanho. Mas não tem tonta aqui. Todas nós sabemos que o radicalismo teórico dessa abordagem colocou (mais uma) pecha em nós. As feministas seriam anti-sexo. E várias teóricas discutiram isso. E discutem. E fazem balanço do movimento. Sério. Eu já li umas 20 análises dessa pecha. Sempre que aparece alguma discussão a respeito das resistências ao feminismo, essa está. Todo mundo conhece essa crítica. Todo mundo sabe que moderninho é ser liberada. A discussão não é essa. Não é necessário explicar pra feministas como eu, que são mais identificadas com a segunda onda, que o erotismo também pode ser empoderante. E que ao denunciar a opressão através dele, corremos o risco de castrar as mulheres todas. Eu sei e todas nós sabemos. Eu conheço as posições dentro do meu movimento. E realmente não acho que devemos negociar algumas posições agora. E isso é discutível. Sim, é. Mas as posições são conhecidas. E eu espero que não seja discutível que a erotização do corpo feminino, muitas vezes, é usada para reafirmar a hierarquia e não faz nada além de objetificar a mulher. Expressão que eu considero complicada. Sem qualquer cacoete teórico. Eu realmente acho que a relação sujeito/objeto é fluida. Realmente é isso que eu vejo quando olho o mundo. Fluidez dessa relação. Por isso que eu demoro demais pra me posicionar diante de coisas como o tal #lingerieday. Porque estou olhando. Uma manifestação que está TOTALMENTE ao alcance da minha análise. Porque redes sociais cabem no modelo de análise feminista do cotidiano e tal. E aí a primeira pergunta fica muito difícil de responder. Qual o problema de se colocar de calcinha e sutiã no avatar? Eu detesto a idéia, de cara. Porque sou super contaminada pela segunda onda, e costumo deixar claro isso. Pra diluir um pouco a minha opinião. E pra que as pessoas saibam da minha parcialidade. Mas é claro que não fecha mais isso. É óbvio. E se há problema em cacinha e sutiã no avatar, eu preciso mostrar, né? Teoricamente, que é como eu me expresso quando se trata de feminismo. E não é porque eu me ache uma teórica ou relevante. É porque eu trabalho nisso mesmo. É a coisa da minha vida essa. Daí começa o debate no twitter. E aparecem duas mulheres feministas com o tal avatar de lingerie. Na hora eu já imaginei que se tratava disso aí. Do racha interno do movimento mesmo. Entre as pró e as anti-sexo. Beleza. Aí uma outra feminista chama a atenção pra objetificação da mulher. Nisso de aderir a uma campanha que teria um forte fundo machista. Como esperado, a resposta vem nos termos da relativização do que seria objeto e sujeito e tal. E que é o indíviduo que se coloca como sujeito ou objeto e tal. Eu dei um pitaco. E disse que não dependia só do indivíduo. Porque eu não acho mesmo que dependa. E embora ele seja agente, não tem domínio mesmo. Claro que ele pode ampliar o domínio, mas a priori não tem. Aí eu saí. Pra assistir A Fazenda. Porque eu já sabia. Que eles iam indicar a Danni Carlos. Minha pessoa preferida no mundo, hoje. Voltei e a discussão continuava centrada na objetificação do corpo feminino. E se a decisão da mulher em exibir o corpo imediatamente a transformaria em sujeito e tal. Me amarro nessa discussão. Postei (e apaguei) um post sobre isso. Talvez até publique de novo. E demoro a tirar uma posição porque, como já disse, sou obrigada a lidar com crenças arraigadas do que seria a ação feminista etc. Aí fui lendo e abrindo links. E aí, né? Sou socióloga. E não posso ignorar algumas coisas. Tipo que houve uma campanha para o #lingerieday. E que tem idealizadores e seguidores. A gente chama de atores, no caso dos idealizadores. E poderemos chamar de atrizes, no caso das seguidoras. E os atores, claro, fizeram uso interativo da internet e tal. Então há blog, comments, twitpics e outras coisas. Que são o corpo da proposta. E que dão identidade a ela. Que a TORNAM uma proposta. E aí a porca super torceu o rabo. Porque não era mesmo uma discussão sobre os limites do erotismo. Era uma prática reiterada de machismo. Com diversas avacalhações a respeito de feministas. Com restrições ao corpo. Com normatização do erótico. E num tom de confronto explícito em relação a quem, previsivelmente, se opôs. E o confronto foi uma sucessão de preconceitos. Todos os preconceitos, citados no início do post, apareceram. Porque já estavam prontos. Ninguém queria escutar as feministas. Já estava dado que somos chatas e free sex. E aí a gente não sabe se ignora e toca a vida. Que eu tenho preferido nos últimos tempos, super cansada que estou de falsas polêmicas. Ou se resolve debater e tal. A chata do almoço de família. Desconstruindo sempre. Chata. Não consegue ver o lúdico. Eu não sabia direito, quando comecei. Que o meu papel seria esse. De pontuar no meio da festa. Mas é. E aí a impressão mais forte que me ficou.
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Que quem aderiu ao #lingerieday não sabia quem era morroida. Não tinha tido acesso ao corpo da proposta. E que agora estão tentando ressignificar o tal #lingerieday. Porque pagaram um mico. É possível discordar de muita coisa nessa discussão. Mas não é possível dizer que o lingerie's day não foi machista. Porque foi. Mostrar-se de lingerie pode trazer debate ou prazer. Participar desse evento específico não. Só se um imenso exercício de descolamento for feito. E foi feito. E tirar todo o contexto da ação. Mas, sinto muito. Não é um exercício de abstração. É um fato do cotidiano. Uma coisa que aconteceu na vida cotidiana. Com atores sociais, como eu já disse. E ignorar a motivação desses atores faria Weber sair da tumba dançando o moonwalk. Porque as motivações ainda são os elementos que nos fazem perceber a estrutura social*. E não são óbvias, as motivações. E é preciso um exercício analítico para compreendê-las. E é possível entrar no PETA e fazer um churrasco. E é possível ir na campanha do morroida e meter o pé na porta. Mas não foi isso que foi feito. Houve apenas adesão. Dizer que eu falo isso porque não suporto erotismo é um estelionato. Essa discussão pra mim encerrou-se (ou nem começou) quando tive acesso à proposta, que deixa clara a motivação. Fácil assim.
Claro, o morroida fez post. E houve alguns comentários. Etc. E linko porque acho mesmo importante o acesso aos atores.
*Estrutura social, aqui, é SEMPRE a justaposição entre relações sociais. SEMPRE.
Eu preciso dizer que machismo descolado é uma prática no Brasil. Gente moderninha faz isso há tempos. O Pasquim, que é um marco etc. Extremamente machista. Toda aquela geração ainda é. O Nomínimo. Era super machista. Uma visão sempre de que as mulheres são o deleite do homem. E eu vejo isso ecoar mesmo na blogosfera e twitters e onde for. O falso libertário e tal.
Claro, o morroida fez post. E houve alguns comentários. Etc. E linko porque acho mesmo importante o acesso aos atores.
*Estrutura social, aqui, é SEMPRE a justaposição entre relações sociais. SEMPRE.
Eu preciso dizer que machismo descolado é uma prática no Brasil. Gente moderninha faz isso há tempos. O Pasquim, que é um marco etc. Extremamente machista. Toda aquela geração ainda é. O Nomínimo. Era super machista. Uma visão sempre de que as mulheres são o deleite do homem. E eu vejo isso ecoar mesmo na blogosfera e twitters e onde for. O falso libertário e tal.
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