Imagem: Millôr
Do Blog do Professor Roberto Romano, UNICAMP
Domingo, 5 de Julho de 2009
Gaspari e minha entrevista ao Correio da Cidadania "Crise do Senado reflete profunda ‘coronelização’ dos partidos políticos"
1) Vejamos a coluna de Elio Gaspari, hoje (05 de julho de 2009) na Folha:
Gaspari e minha entrevista ao Correio da Cidadania "Crise do Senado reflete profunda ‘coronelização’ dos partidos políticos"
1) Vejamos a coluna de Elio Gaspari, hoje (05 de julho de 2009) na Folha:
TUCANOS INCAPAZES
O PSDB quer voltar ao governo pela vontade do povo, mas é incapaz de dar aos seus afiliados o direito de escolher entre José Serra e Aécio Neves. No melhor estilo dos sábios da ditadura, há tucanos defendendo a prévia-indireta. O tucanato de todo o Brasil terá o direito de escolher entre duas listas de delegados e a eles caberá a escolha final. Se os tucanos inscritos no partido não têm discernimento para escolher entre Serra e Aécio, com que cara qualquer dos dois irá à rua para pedir que votem nele e não em Dilma Rousseff?2)
Vejamos a entrevista que dei ao Correio da Cidadania (quinta feira, dia ,02 de julho de 2009, na resposta atinente à observação de Gaspari :
CC: De toda forma, uma medida como a extinção do Senado obviamente só faria sentido se inserida em um espectro de uma reforma política mais ampla, não?
RR: Exatamente. Acho que já falei até ao Correio sobre isso. É necessário, mais que urgentemente, por ser tema de salvação nacional, que a cidadania exija uma reforma política e também a democratização dos partidos políticos. É preciso que estes deixem de ser propriedade de pequenos grupos de oligarcas, ou que pequenos partidos de indivíduos donos de siglas deixem de servir às oligarquias e se transformem em instrumento de posição política dos aderentes, dos militantes.
Um partido conservador, de direita, tem militantes de direita. Sendo assim, deve ouvir seus militantes de direita. Um partido socialista tem militantes socialistas, e por isso precisa ouvir sua militância socialista. Se não for assim, qualquer partido perde a legitimidade, e é o que assistimos hoje. Os partidos servem tão somente para cumprir os desejos de ascensão social de seus dirigentes, ou de preservação social dos mesmos; ou você sobe na vida justamente através do partido ou o utiliza para se manter na elite - economicamente, politicamente etc.
Gosto de comparar os partidos brasileiros aos times de futebol nacionais. São as mesmas direções no poder há décadas, não há renovação e elas mandam no caixa, no técnico, deixando a torcida como última a apitar alguma coisa. No caso do partido político é a mesma coisa, o mais importante dentro dele é o militante, é a alma do partido. No entanto, nos partidos brasileiros, ele não manda nada. Sequer é chamado para as eleições primárias, como nos EUA e na França. São meia dúzia de oligarcas que escolhem e impõem os candidatos, manipulam a verba, a propaganda do partido e tudo mais.
Portanto, se queremos democratizar o Estado brasileiro, um passo fundamental é democratizar os partidos políticos.
CC: O que seriam, neste sentido, pontos essenciais em uma reforma política a seu ver?
RR: Bom, esse ponto que acabei de destacar é condição sine qua non. O segundo passo é recuperar a paridade nas eleições para o Legislativo federal. Temos essa condição equivocada na Constituição, pois o voto de um eleitor da Bahia vale metade do eleitor do Acre, o que faz a vontade geral ser desobedecida. Deve-se obedecer, inclusive do ponto de vista quantitativo, ao desejo da maioria e à vontade geral. E no nosso caso não temos uma representação correta na Câmara Federal. E tampouco no Senado. São três senadores por estado, o doutor Fabio Comparato propõe dois e eu diria que um já seria ótimo. Isso porque o partido que tenha um senador eleito já poderia ficar bem representado. Não é necessário tanto senador assim.
Já o terceiro ponto se refere a aspectos mais técnicos, e que assim precisariam ser discutidos mais pela racionalidade que pela passionalidade. Essa questão do voto distrital, por exemplo, tem posições válidas em favor e contra. Existem argumentos que sugerem que assim vai se ‘paroquializar’ as eleições. Por outro lado, há o argumento de que garantiria maior fiscalização dos eleitos por parte dos cidadãos. Por isso que é muito difícil definir numa tacada. Não que eu tenha uma panacéia, mas volto a insistir que todas essas determinações de votações e escrutínio precisam passar primeiramente pela democracia nos partidos. Desviar uma eleição por meios técnicos é tão possível quanto por outro método qualquer.
+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
A entrevista é mais ampla, e discute problemas diversos da vida nacional. Mas é notável: entre inumeráveis análises de colegas acadêmicos, políticos e sobretudo jornalistas, poucas discutem a democratização dos partidos, base no meu entender para qualquer mudança nesta suposta república e mais suposta ainda república federativa e mais suposta e suposta e suposta república federativa democrática. No Brasil, grupos (ou grupinhos) escolhem candidatos, rifam programas, mentem e impõem alianças segundo os seus interesses privados (com toda a polissemia do termo). O processo de escolha dos candidatos retoma a técnica da Roma cesarista: o governante obrigado a sair aponta o sucessor, coonestado pelos áulicos, líderes menores (e coloquemos "menor" na fórmula!) para os adeptos. O mesmo ocorre nos partidos que ainda não chegaram ao poder, ou o deixaram. Uma pequena recordação histórica: a técnica da "indicação" do sucessor levou às guerras civis na Roma cesarista, abriu caminho para as invasões bárbaras, acabou com o Estado.
Aqui, já vivemos sob o tacão dos bárbaros que invadiram o Estado desde....1500. É preciso, imagino eu, fundar o Estado de direito e democrático no país, porque afundado ele já está desde as mais priscas eras de sua existência. O primeiro passo é acabar com os pequenos cesarismos (dos quais não escapam tucanos e similares) que geram teratologias políticas, em caráter perene.
Quando fanáticos e oportunistas de todos os supostos partidos brasileiros cobram "a minha posição", respondo invariável e inflexivelmente: "sou republicano e democrata". Esta determinação, por força da espinha flexível de nossos políticos e universitários, me leva ora a ser posto "na ala liberal", "conservadora", ou na "extrema esquerda". Não ligo para as etiquetas usadas para me atacar, tenho um norte ideal e o procuro traduzir na prática. Compareço a todos os debates a que sou convidado. Só não me dirijo a eles, quando sou "desconvidado" (o que tem sido uma regra nos últimos tempos).
Considero com prazer os colegas que anos atrás me pediam para lutar pela "ética na política" ou pela "universidade pública, gratuita e de qualidade". Quando eles topam comigo nos corredores acadêmicos, fogem rápido ou sequer me cumprimentam. Já sei então: possuem amigos nas reitorias, nos governos, coisas que lhes rendem assessorias rendosas em verba e verbo. Mas este ritual se repete desde o governo Sarney, passando por Collor, FHC e Lula. Quem proclamava ética, não resistiu a uma assessoria nos governos que criticava acerbamente dias antes. De certo modo, existe na intelectualidade brasileira uma síndrome, que pode ser dita "de Mangabeira Unger". Radicais de fachada e democratas idem me procuram quando é preciso "denunciar" quem manda e não lhes dá recursos, cargos, honrarias.
Quando topo com gente assim, percebo que, embora seu corpo ainda esteja ereto, sua espinha no espírito se dobra em sentido mais radical do que a do "Homem Borracha" simpático figura das histórias de quadrinhos dos anos 50, século 20. Não, não sinto asco dos coleguinhas. Tenho pena do nosso país porque sua inteligência tem coração miúdo. RR
RR: Exatamente. Acho que já falei até ao Correio sobre isso. É necessário, mais que urgentemente, por ser tema de salvação nacional, que a cidadania exija uma reforma política e também a democratização dos partidos políticos. É preciso que estes deixem de ser propriedade de pequenos grupos de oligarcas, ou que pequenos partidos de indivíduos donos de siglas deixem de servir às oligarquias e se transformem em instrumento de posição política dos aderentes, dos militantes.
Um partido conservador, de direita, tem militantes de direita. Sendo assim, deve ouvir seus militantes de direita. Um partido socialista tem militantes socialistas, e por isso precisa ouvir sua militância socialista. Se não for assim, qualquer partido perde a legitimidade, e é o que assistimos hoje. Os partidos servem tão somente para cumprir os desejos de ascensão social de seus dirigentes, ou de preservação social dos mesmos; ou você sobe na vida justamente através do partido ou o utiliza para se manter na elite - economicamente, politicamente etc.
Gosto de comparar os partidos brasileiros aos times de futebol nacionais. São as mesmas direções no poder há décadas, não há renovação e elas mandam no caixa, no técnico, deixando a torcida como última a apitar alguma coisa. No caso do partido político é a mesma coisa, o mais importante dentro dele é o militante, é a alma do partido. No entanto, nos partidos brasileiros, ele não manda nada. Sequer é chamado para as eleições primárias, como nos EUA e na França. São meia dúzia de oligarcas que escolhem e impõem os candidatos, manipulam a verba, a propaganda do partido e tudo mais.
Portanto, se queremos democratizar o Estado brasileiro, um passo fundamental é democratizar os partidos políticos.
CC: O que seriam, neste sentido, pontos essenciais em uma reforma política a seu ver?
RR: Bom, esse ponto que acabei de destacar é condição sine qua non. O segundo passo é recuperar a paridade nas eleições para o Legislativo federal. Temos essa condição equivocada na Constituição, pois o voto de um eleitor da Bahia vale metade do eleitor do Acre, o que faz a vontade geral ser desobedecida. Deve-se obedecer, inclusive do ponto de vista quantitativo, ao desejo da maioria e à vontade geral. E no nosso caso não temos uma representação correta na Câmara Federal. E tampouco no Senado. São três senadores por estado, o doutor Fabio Comparato propõe dois e eu diria que um já seria ótimo. Isso porque o partido que tenha um senador eleito já poderia ficar bem representado. Não é necessário tanto senador assim.
Já o terceiro ponto se refere a aspectos mais técnicos, e que assim precisariam ser discutidos mais pela racionalidade que pela passionalidade. Essa questão do voto distrital, por exemplo, tem posições válidas em favor e contra. Existem argumentos que sugerem que assim vai se ‘paroquializar’ as eleições. Por outro lado, há o argumento de que garantiria maior fiscalização dos eleitos por parte dos cidadãos. Por isso que é muito difícil definir numa tacada. Não que eu tenha uma panacéia, mas volto a insistir que todas essas determinações de votações e escrutínio precisam passar primeiramente pela democracia nos partidos. Desviar uma eleição por meios técnicos é tão possível quanto por outro método qualquer.
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A entrevista é mais ampla, e discute problemas diversos da vida nacional. Mas é notável: entre inumeráveis análises de colegas acadêmicos, políticos e sobretudo jornalistas, poucas discutem a democratização dos partidos, base no meu entender para qualquer mudança nesta suposta república e mais suposta ainda república federativa e mais suposta e suposta e suposta república federativa democrática. No Brasil, grupos (ou grupinhos) escolhem candidatos, rifam programas, mentem e impõem alianças segundo os seus interesses privados (com toda a polissemia do termo). O processo de escolha dos candidatos retoma a técnica da Roma cesarista: o governante obrigado a sair aponta o sucessor, coonestado pelos áulicos, líderes menores (e coloquemos "menor" na fórmula!) para os adeptos. O mesmo ocorre nos partidos que ainda não chegaram ao poder, ou o deixaram. Uma pequena recordação histórica: a técnica da "indicação" do sucessor levou às guerras civis na Roma cesarista, abriu caminho para as invasões bárbaras, acabou com o Estado.
Aqui, já vivemos sob o tacão dos bárbaros que invadiram o Estado desde....1500. É preciso, imagino eu, fundar o Estado de direito e democrático no país, porque afundado ele já está desde as mais priscas eras de sua existência. O primeiro passo é acabar com os pequenos cesarismos (dos quais não escapam tucanos e similares) que geram teratologias políticas, em caráter perene.
Quando fanáticos e oportunistas de todos os supostos partidos brasileiros cobram "a minha posição", respondo invariável e inflexivelmente: "sou republicano e democrata". Esta determinação, por força da espinha flexível de nossos políticos e universitários, me leva ora a ser posto "na ala liberal", "conservadora", ou na "extrema esquerda". Não ligo para as etiquetas usadas para me atacar, tenho um norte ideal e o procuro traduzir na prática. Compareço a todos os debates a que sou convidado. Só não me dirijo a eles, quando sou "desconvidado" (o que tem sido uma regra nos últimos tempos).
Considero com prazer os colegas que anos atrás me pediam para lutar pela "ética na política" ou pela "universidade pública, gratuita e de qualidade". Quando eles topam comigo nos corredores acadêmicos, fogem rápido ou sequer me cumprimentam. Já sei então: possuem amigos nas reitorias, nos governos, coisas que lhes rendem assessorias rendosas em verba e verbo. Mas este ritual se repete desde o governo Sarney, passando por Collor, FHC e Lula. Quem proclamava ética, não resistiu a uma assessoria nos governos que criticava acerbamente dias antes. De certo modo, existe na intelectualidade brasileira uma síndrome, que pode ser dita "de Mangabeira Unger". Radicais de fachada e democratas idem me procuram quando é preciso "denunciar" quem manda e não lhes dá recursos, cargos, honrarias.
Quando topo com gente assim, percebo que, embora seu corpo ainda esteja ereto, sua espinha no espírito se dobra em sentido mais radical do que a do "Homem Borracha" simpático figura das histórias de quadrinhos dos anos 50, século 20. Não, não sinto asco dos coleguinhas. Tenho pena do nosso país porque sua inteligência tem coração miúdo. RR
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