TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O apanhador no campo do centeio....por Mary

Da Mary


Ele ficou mais famoso mesmo porque criou o Holden. Mas a gente sabe e os especialistas falam que os irmãos Glass é que foram a grande criação. Eu me importo bastante com essa discussão toda, embora ela não afete os #marywfacts. Tipo. O apanhador no campo de centeio mudou minha vida. Eu já disse tantas vezes, mas hoje tenho que repetir. Eu aprendi a escrever quando li esse livro. Antes, eu não sabia. Tinha aprendido tudo errado na escola. Enfim. Eu gosto do livro por milhares de motivos. Tantas soluções me foram apresentadas ali. Tava falando no twitter sobre aquilo de arrumar um emprego na beira da estrada e se fingir de surdo mudo. Morar num hotel barato e me integrar de vez ao submundo. Coisas assim. Que resolvem tudo e todas as nossas questões. Também tem a forma como ele lida com a morte do irmão. Tem a luva. Tem o soco que ele dá na janela do carro. Os cacos que ficaram pra sempre dentro dele. A cicatriz que dói sempre quando chove ou faz frio. Não me lembro. Tem a menina que ele amou no verão e que sabia ficar de mãos dadas. Me incomoda tanto ficar de mãos dadas com alguém. Nunca conheci ninguém que soubesse segurar a minha mão. Tem a incrível Phoebe. O disco quebrado que ele carrega no bolso. Ela fazendo o chamado para a realidade. "Você vai ser expulso". "O papai vai te matar". Depois, quando a gente chega nos Glass, percebe. J. D. Salinger teve pena do Holden. O que é engraçado, porque ele não tem pena dos personagens dele. Mas do Holden ele teve. E o livro termina ali. Ele dando uma dica do que será. O final mais feliz possível, diante de tudo. Não tem jeito de fazer as coisas que o Holden se propõe. Ele não pode ser cafetão, frentista surdo mudo ou apanhador no campo de centeio. Ele tem que se tratar e ser de acordo com o lugar. E o lugar é o mundo todo e tal. Então tem esse otimismo. Se você não se encaixa, tem remedinho e internação. Tem jeito. Foi bom demais pra mim, quando eu li pela primeira vez. Eu tinha 14 anos e pensava que não tinha jeito. E todo aquele sofrimento do Holden e ele olha pra gente quase que perguntando. Olha, pra mim, é isso que você quer pra você? e a gente só pode responder que é isso, sim.
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Daí eu achei, num sebo, um exemplar de Pra cima com a viga, moçada. Esse livro tem um monte de nome diferente. O que eu comprei, tem esse. E junto veio Seymour, Uma Introdução. É tão engraçado Pra cima com a viga. O irmão tá indo pro casamento. Porque o Seymour vai se casar. E ele tá numa van, indo. Com as damas de honra da noiva. E aí ele fica ouvindo elas falando mal do irmão dele. Porque o Seymour, você sabe que não era nada fácil. E aí o livro simplesmente vai. É curtinho e delicioso. E daí termina e começa Seymour, Uma Introdução. Eu fiquei chocada. Porque é diferente de tudo o que eu tinha lido dele. É basicamente o irmão (ou irmã, não lembro) tentando explicar pra gente quem é Seymour. Ele era o mais diferente dentre os irmãos. E o mais brilhante e intenso. Então tem essa introdução. Para que a gente conheça o cara. E ao contrário dos outros Salinger não é fluido. É um livro meio pesadão. Mas curto. Eu fiquei muito tocada com esse livro. E fique pensando como seria Mary W., Uma Introdução. E fiquei com mania de fazer introdução das pessoas. Quando eu era adolescente chegava a escrever mesmo. "Tudo O Que Eu Sei Sobre Fulana". E ia escrevendo. Absolutamente qualquer coisa me interessava. Eu faço até hoje isso, mas não escrevo mais muito.

Então eu consegui 9 Estórias. Imediatamente após ler os de cima. E eu amei TANTO. Um dos contos entrou direto na lista coisas que eu guardaria literalmente dentro do meu coração. Nove Estórias é assim:



UM DIA IDEAL PARA OS PEIXE-BANANAS - é um conto sobre a lua-de-mel do Seymour. É legal porque a gente sabe como foi um perrengue o casamento. É um conto tão triste pra quem já conhece a família Glass. A gente chora de soluçar.

TIO WIGGILY EM CONNECTICUT - acho que é o que menos gostei, ou o que menos me marcou. É sobre ex-colegas de faculdade que se encontram pra tomar uísque e colocar o papo em dia, na casa de uma delas. A dona da casa tem uma filhinha esquisita. As duas são frustradas e o sonho americano se revelou um belo dum pesadelo pra elas etc.

POUCO ANTES DA GUERRA COM OS ESQUIMÓS - ai, é maravilhoso esse. Duas coleguinhas de escola. E uma é bastante esnobe e está devendo dinheiro pra garota mais simples. E ela vai até a casa da esnobe pra buscar o dinheiro. E a menina embaça pra pagar. E a outra fica esperando na sala. E chega o irmão da esnobe. E eles começam a conversar. E ele é um biruta e ela, a gente não sabe direito, fica comovida ou apaixonada. Eu nunca consegui me decidir. O final é uma daquelas sensações em que a gente tem tanta pena de alguém, mas tanta pena, que tem vontade de sair correndo.

O GARGALHADA - eu não gosto tanto também. Me lembro que uma vez vi o Jô Soares dizendo que é o favorito dele. É sobre um motorista de ônibus que leva garotos pra jogar beisebol e durante o percurso conta a história desse Gargalhada, que é um herói que ele inventou. O ponto de vista é de um moleque que vai no ônibus. Meses rola a história, como um seriado. No "episódio" final, o motorista do ônibus briga com a namorada. Eles rompem o namoro. E o Gargalhada tem um final trágico. Sem dó nem piedade.

LÁ EMBAIXO, NO BOTE - eu amo esse conto. Já usei até em sala de aula. Eu considero que dá pra discutir muito as relações de gênero e classe através desse conto. É uma história sobre a Boo Boo, irmã do Seymour. Ela tem duas empregadas e um fiho pequeno (Lionel). E tem um conflito aí e tal. É uma casa de campo, e o filho tá num bote, na beira do rio, emburrado. A Boo Boo tem que tirar ele do bote, porque tá frio.

- Olá - Boo Boo disse. - Amigo. Pirata. Bandido. Tou de volta.


Ainda sem levantar os olhos, Lionel de repente pareceu sentir-se obrigado a demonstrar sua habilidade náutica. Empurrou a inútil cana do leme para a direita, até onde ela poderia ir, e imediatamente puxou-a de volta para seu lado. Não tirou os olhos do fundo do bote.


- Sou eu - Boo Boo falou. Vice-Almirante Tannenbaum. Née Glass. Vim inspecionar os estermáforos.

Mereceu uma resposta.


- Você não é almirante nenhum. Você é uma mulher - disse Lionel. Normalmente suas frases sofriam pelo menos uma interrupção, devido ao controle deficiente da respiração; por isso, as palavras a que ele dava maior ênfase, em vez de subirem, frequentemente caíam de entonação. Boo Boo não apenas ouvia a sua voz, parecia olhá-la.


- Quem é que te disse isso? Quem é que te disse que eu não sou um almirante?


Lionel respondeu, mas de maneira inaudível.


- Quem? - perguntou Boo Boo.


- Papai.


Ainda de cócoras, Boo Boo passou a mão esquerda por entre o V das pernas, tocando o piso do cais para manter o equilíbrio.


- Seu pai é um bom sujeito, mas provavelmente é o maior marinheiro de água doce que eu conheço. Não há dúvida que, quando estou num porto, eu sou uma mulher - isso é verdade. Mas a minha vocação é, acima de tudo e sempre, o encapelado.


- Você não é almirante nenhum.


- O quê?


- Você não é almirante nunca. Você é mulher o tempo todo.

PARA ESMÉ, COM AMOR E SORDIDEZ - o melhor conto que eu já li em toda a minha vida. Eu chorei muito durante a leitura. Chorei muito depois da leitura. Pensei. Xeroquei. Distribuí pros meus amigos. Dou de presente sempre que eu acho que alguém está pronto. Não banalizo. Não quero que alguém leia por ler. Reverencio. Respeito. Uma daquelas coisas mesmo.

LINDOS LÁBIOS E VERDES MEUS OLHOS - eu não me lembro direito desse.

A FASE AZUL DE DAUMIER-SMITH - ai. uma das coisas mais legais que você pode ler. É a história de um cara de dá aula de arte por correspondência. É tão fantástico que não tem como descrever. Ele tem 4 alunos e um deles é uma freira super talentosa e ele meio que gama. Ai, é incrível. O protagonista tem um lance também. Que eu tinha. E resolvi na terapia. Ele, obviamente, não sabe interagir. Ok. Quase ninguém sabe, acho. Mas ele se esforça pra ser agradável. E aí acaba sendo freak demais. Tipo. Não tem cadeira pra ele. E aí o chefe diz "estamos providenciando a cadeira" e tal. E ele se apressa em dizer. Que não precisa. E mais que isso. Que ele não gosta de cadeira e que tem um problema na coluna e que é melhor sentar no chão etc. Ele faz isso o tempo inteiro. E acaba sendo um idiota. E ele sabe que foi idiota logo depois de fazer. Ai, é muito bom esse.

TEDDY - eu adorei quando li pela primeira vez. Depois me disseram que marca a guinada místico-religiosa do Salinger. Eu tenho medo desses manuscritos que estão na casa dele. Imagino que devem ser místicos. É a história dum moleque superdotado. É excelente. Pena isso aí do místico.

Franny e Zooey eu só fui ler depois de adulta. São os caçulas da família Glass, acho. A Franny tá passando por uma crise existencial e ela tenta explicar pro namorado o que tá rolando e ele não dá bola nenhuma. Fica num restaurante o livro. Ela tentando falar A, ele respondendo B, ela indo e voltando do banheiro. O Zooey também tá ligado na crise dela. Mas ele tá em casa, outro ambiente, conversando sobre ela. É bom porque a gente descobre bem quem são os Glass nesse livro. Os entendidos dizem que é *a* obra prima. Eu achei legal sim. Eu me interesso por todos da família.

Eu ganhei meu primeiro Apanhador de um tio. Em inglês, ganhei de um amigo. Comprei outros dois exemplares porque eu emprestei e não me devolveram. Pra cima com a viga, tenho só um. Nove estórias, comprei dois (porque emprestei etc). Franny e Zooey eu tenho em inglês (o primeiro que encontrei pra comprar) e tenho um em português (daquele box bonitinho que lançaram a pouco tempo). O meu mundo preferido é o dele, o que ele criou. Tem gente que adora vampiros e queria ir pro mundo dos vampiros. Tem gente que adora Senhor dos Anéis e blá. Eu queria ir pro mundo do Salinger, com essas pessoas, com as crises delas etc.

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