TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

domingo, 5 de junho de 2011

os cães ladram e a caravana passa....



Marta Bellini, em sua homenagem, uma colega que também luta contra os donos das instituições... (Grata, Roberto Romano! Gratíssima!)


Folha de São Paulo

Comigo, não!

O antikirchnerismo audaz de Beatriz Sarlo
RESUMO


Expoente da crítica cultural argentina, Beatriz Sarlo é uma voz dissonante no país de Cristina Kirchner. Às vésperas da eleição presidencial, ela questiona em livro, artigos e debates a onda governista que assola a intelectualidade e ataca o uso oportunista da luta contra a ditadura de 1976-83 pelo kirchnerismo.

LUCAS FERRAZ

BEATRIZ SARLO chegou aos estúdios do Canal 7, a TV pública da Argentina, de cenho franzido. Calada e concentrada, só foi interrompida poucos instantes antes de entrar no ar, ao vivo. Nervosa? "Não, estou resignada."
Sarlo foi, há duas semanas, a principal convidada do "678", um espirituoso e pitoresco programa que funciona como propaganda governamental. Abertamente chapa-branca, tem como objetivo ridicularizar a oposição e criticar jornais e jornalistas não alinhados à Casa Rosada.
O convite a Sarlo foi uma exceção. No "678" (6 apresentadores, no canal 7, às 8 da noite), não há voz contrária ao kirchnerismo. Nas palavras do jornalista Orlando Barone, um dos cinco integrantes fixos da atração, "ninguém mente aqui; por isso, os opositores dizem que nunca podem participar".
Beatriz Sarlo aceitou o convite (ou a provocação), apesar dos apelos de amigos para que não fosse. "Mas, como fui convidada, achei democrático debater", disse à Folha, na semana anterior ao programa, em seu escritório, um apartamento na rua Talcahuano, no centro de Buenos Aires.

ANTI-K Seu novo livro, "La Audacia y el Cálculo", lançado há quase dois meses e há quatro semanas no topo da lista dos mais vendidos na categoria não ficção, confirmou Beatriz Sarlo como principal pensadora antikirchnerista num país em que muitos dos intelectuais mais importantes se encontram alinhados ao governo.
No livro, um ensaio de intervenção lançado a poucos meses das eleições presidenciais, em 23 de outubro, ela desdobra a análise que vem fazendo no jornal "La Nación" e os comentários semanais na popular rádio Mitre, do Grupo Clarín, o maior conglomerado de mídia do país, que enfrenta uma forte campanha de acusações por parte da presidente Cristina Kirchner.
Mordaz, Sarlo descreve os pilares do discurso do kirchnerismo: a exaltação do projeto nacional e popular, a intervenção estatal na economia, o ataque aos meios de comunicação como política de Estado, a reivindicação dos ideais dos anos 70 e a responsabilização dos criminosos da última ditadura (1976-83), com uma aliança política com as Mães e as Avós da Praça de Maio.
Para a ensaísta, o racha ideológico no país tem origem num pensamento binário: quem não está com o governo está contra a pátria. O mesmo vale para a oposição, para a qual apoiar o kirchnerismo é compartilhar o modelo bolivariano.

AGROMIDIÁTICO Para o kirchnerismo, Beatriz Sarlo seria a representante intelectual de dois setores: "Ela realiza uma crítica cultural a partir de afirmações e imagens instaladas pelo poder agromidiático", escreveu Horacio Verbitsky, veterano do jornal "Página/12", governista.
No programa "678", ela enfrentou o filósofo e também ensaísta Ricardo Forster, um dos líderes do Carta Abierta, grupo formado para dar respaldo político e ideológico ao governo em 2008, no embalo da crise do campo que opôs governo e produtores rurais; e Gabriel Mariotto, diretor da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação. Mariotto é o responsável pela polêmica "ley de medios", aprovada pelo Congresso em 2009, feita para atingir o Grupo Clarín, que, após a crise no campo, passou de aliado a inimigo número um dos Kirchner.
"Uma das principais características dela é a capacidade de produzir surpresas, de formular pensamentos inesperados, atuando diante das circunstâncias e das situações emergenciais", disse à Folha Horacio González, diretor da Biblioteca Nacional. "Beatriz Sarlo é uma grande intelectual, mas ainda não compreendeu isso." Principal intelectual "k", ele também acaba de lançar um livro sobre o atual debate cultural na Argentina, em que analisa as condições para o surgimento do kirchnerismo.
Sarlo elogia a política de direitos humanos do governo argentino. Foi o ex-presidente Néstor Kirchner que abriu o caminho para julgar os militares que cometeram crimes na ditadura de 1976-83, responsável por cerca de 30 mil mortos e desaparecidos. Sua crítica se dirige à adoção, por parte do casal, de um discurso que nunca lhes pertenceu, como heróis de uma batalha da qual não participaram.
"Néstor e Cristina Kirchner colocaram os anos 70 numa cápsula e a enterraram. Quando ele governou a província de Santa Cruz, a ditadura não lhe importava. De repente, diante das circunstâncias, encontraram uma nova juventude. Foram militantes de superfície", diz.
"Cristina não tem essa formação. Eles têm um sentimento que reconheço nas Avós da Praça de Maio, que tampouco conhecem o mundo de seus filhos, não estavam preparadas para entender. Mas ninguém pode pedir a elas que façam uma revisão do passado. Não estão em condições intelectuais para isso, nem têm idade ou experiência política. A única ligação é como tragédia."

CRÍTICA Sempre ancorada na crítica literária (e na figura de Jorge Luis Borges, central para todo intelectual argentino), mesclou à crítica de cultura "strictu sensu" (cinema, literatura, música) temas pop e pós-modernos: escreveu sobre os penteados e vestidos de Evita, sobre Walter Benjamin, sobre a ditadura e, é claro, sobre o peronismo.
Seu ensaio sobre o primeiro shopping center portenho, escrito em 1994, até hoje é lembrado por ter detectado uma guinada cultural numa cidade cada vez menos europeia e mais americanizada. Nos anos 70, codirigiu a revista de cultura e política "Punto de Vista", que circulou entre 1978 e 2008.
De formação marxista, fez parte da ala maoísta do Partido Comunista, no polo oposto ao peronismo de esquerda, criador da Montoneros, a maior organização guerrilheira da Argentina, que pregava a mobilização popular como o único caminho para o sucesso revolucionário. Diz ter feito, ainda nos anos 80, uma revisão de seu passado comunista. "Nós não nos importávamos com democracia, direitos humanos ou liberdade de expressão. Ponto. Tínhamos uma concepção autoritária do poder."

ESQUENTADA Beatriz Sarlo tem fama de esquentada. Na noite em que participou do "678", suas intervenções foram fortes. Gabriel Mariotto tentou provocá-la: "É você que dá a letra ao 'Clarín' ou, ao contrário, é o jornal que a orienta?". "Não seja insolente, ninguém me dá a letra", respondeu Sarlo.
Barone se disse aliviado por não trabalhar em uma empresa acusada de crimes de lesa-humanidade, em referência à dona do Grupo Clarín, Ernestina Herrera de Noble, e à suspeita de que seus filhos adotivos sejam crianças sequestradas por militares na ditadura.
"Comigo, não, Barone", respondeu Sarlo, lembrando do passado do jornalista, que atuou no próprio "Clarín". Não houve resposta. A frase virou "ringtone" de celular e, na mesma noite do programa, podia ser baixada para o telefone pelas redes sociais. O avatar de Beatriz Sarlo também virou febre na rede.

ELEIÇÕES Sarlo não votou em Néstor, em 2003, nem em Cristina, em 2007. Nas próximas eleições, diz que optará pela centro-esquerda, mas o quadro político ainda é incerto. Afirma ter simpatia por Elisa Carrió, deputada que tentará pela segunda vez a presidência com bandeira moralizante.
"Preferiria que Cristina não fosse reeleita, mas não me parece que tenhamos que salvar a Argentina de um novo período kirchnerista", afirma. "O problema é que este é um país muito pouco acostumado a cumprir seus pactos políticos. A alternância democrática ainda não foi consolidada, há poucos exemplos na história argentina."
A ensaísta temia ser xingada no "678", como aconteceu no dia do velório de Néstor Kirchner, em outubro de 2010. "Fui [à praça de Maio] na esperança de encontrar algum velho amigo peronista, queria ver de perto a manifestação porque iria escrever sobre o assunto", disse. "Mas aí começaram a me xingar: 'Filha da puta, agora você está feliz'. Acharam que a minha presença era provocação. Ultimamente, as coisas estão difíceis."
Além de aplaudida, foi muito cortejada ao deixar os estúdios do Canal 7. Posou para fotos ""pedindo que as imagens não fossem postadas no Facebook"" e assinou livros. Uma estudante de letras até chorou ao abraçá-la. Sarlo continuava de cenho franzido.
E então, gostou de ter participado do programa? "Não, não gostei!" Sentiu-se como num paredão? Ela riu, e antes de entrar no táxi, comentou: "Já estou acostumada a brigar".

Para a ensaísta, o racha ideológico no país tem origem num pensamento binário: quem não está com o governo está contra a pátria
Sarlo elogia a política de direitos humanos do governo. A crítica se dirige à adoção, pelos Kirchner, de um discurso que não lhes pertence

"É você que dá a letra ao 'Clarín' ou, ao contrário, é o jornal que a orienta?" "Não seja insolente, ninguém me dá a letra", respondeu

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