TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Eu quero é botar meu bloco na rua....

Eide Sandra Azevedo Abreu, profe da Universidade Estadual de Maringá

Há alguns anos, incentivada pelo Sérgio Alpendre, escrevi sobre o disco "Tem que acontecer", do genial Sérgio Sampaio. Deu saudade desse texto. E aqui vai publicado.

Tem que acontecer

 
Sérgio Sampaio deixou nosso mundo muito cedo. Mas nos legou obras que são um alento para que possamos nele prosseguir. É o caso de Tem que acontecer. Nossa humanidade se enriquece, ao partilhar o universo do canto...r, pelos minutos em que se desenrolam as faixas desse álbum. São canções de uma vida atormentada. Mas intensa. E também alegre. De uma alegria densa, que resulta como que da vivência do esvaziamento, da dor, e da sua transformação em contentamento e exultação.

O esvaziamento é registrado já na primeira canção, Até outro dia, em que é pedido o silêncio, produzido pelo fim do diálogo e pela separação. E retomado em A luz e a semente, com a autodefinição do poeta como “barco vazio”, “copo sem vinho”, “gato vadio”, bêbado que tropeça “pelas calçadas”, “se recordando de não ter bebido nada”. Mas do vazio resulta uma criação ou expressão mais altas: na primeira canção, o silêncio é condição para o cantar. E, na segunda, o poeta também se define como “a luz e a semente”.

Dessa transfiguração, faz parte também uma dor visceral, que se encontra na própria voz do cantor, mas que aparece com toda força em canções como a doce Quatro paredes, de Eduardo Marques: “Eu sou quem curte o silêncio, o momento, o segredo/Quem geme de frio, quem fica com medo/Quem anda abatido sem ter um lugar pra morar”. Mas aqui, onde esse registro do abandono é mais forte, vem acompanhado do seu oposto: o acolhimento mais esperado: "E aí de novo o soluço te corta a palavra/Te deita de bruços na cama/Então me chama, meu amor/E assim eu guardo seus dias de chuva/Dentro de mim.”

"Dias de chuva" bem guardados talvez sejam a fonte da florescência exuberante de Cada lugar na sua coisa, em que há uma verdadeira celebração do encontro do artista criador com o público: "Um livro de poesia na gaveta, não adianta nada/ Lugar de poesia é na calçada/Lugar de quadro é na exposição/Lugar de música é no rádio”.

Essa dupla experiência, de esvaziamento e plenitude, de dor e acolhimento, que se desdobra em uma exaltada alegria, talvez seja o ancoradouro de uma certa aceitação do internamento, expressa na faixa Que loucura, em que Sérgio grita que está “maluco da idéia”, como quem lamentasse o desencontro com os outros, mas também não deixasse de se reafirmar e cantar o desvio das referências habituais. Como não se enternecer com a voz de quem diz guiar na contramão, sair do palco para a platéia, e da sala para o porão? Partilhamos a aceitação que o cantor revela por sua própria “loucura”.

Terna acolhida de tudo o que é humano, mesmo que rejeitado pelas conveniências sociais (ainda que as mais sensatas), é o que as canções desse disco realizam. A que dá título ao álbum expressa aceitação de certos acontecimentos que revelam faces não valorizadas do humano. Aceitação até dos limites desse acolhimento. O poeta canta que queria fazer tudo para não ver a sua amada sofrendo. Mas que não pode “fazer nada”, por ser “apenas um compositor popular”. É comovente isto. Mas ele se engana. O compositor popular pode mais. Depois do disco, prosseguimos “chumbados”, “baleados”, “arriados”, mas não mais tão "abandonados". Temos a vigorosa companhia de Sérgio Sampaio.

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