TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011


Paul Klee
Postado por Roberto Romano
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O autor do artigo abaixo é dos poucos juízes que unem saber e prudência. Tenho por ele muito respeito e amizade. Vale a pena ler!

NUREMBERG (1947): OS JUÍZES NO BANCO DOS RÉUS.

Nivaldo Mulatinho Filho
O filme de STANLEY KRAMER (1913/2001), “Judgment at Nuremberg”, lançado em 1961, teve, na Espanha, o título ambíguo de “Vencedores ou Vencidos ?”. Nome adequado, face ao equilíbrio que o cineasta norte-americano, embora de família judia, procurou trazer para a sua narrativa, baseada em dados reais, os do Terceiro Processo de Nuremberg, realizado entre 04 de fevereiro e 04 de outubro de 1947, o julgamento dos Juízes, Promotores e outros Juristas que ocuparam altos cargos no Ministério de Justiça do Reich e foram bem destacados, por razões ideológicas ou puramente oportunistas, na criação e aplicação das normas mais brutais do regime. Na Alemanha nazista, a analogia contra reo ou in malam partem teve acolhida no sistema jurídico com a lei de 28 de junho de 1935, onde se falava do “sadio sentimento do povo”. E ainda que “se nenhuma lei penal determinada pode aplicar-se diretamente ao delito, este será apenado conforme a lei cujo pensamento fundamental seja mais exatamente aplicável” (sic). É a lei do Fuhrer. Pode-se, querendo, justificar tudo. As delações. Os expurgos As prisões obrigatórias. As esterilizações. Os campos de concentração e extermínio. Os corpos mutilados ou transformados em sabão. O assassinato de crianças.

Em 1947, menos de três anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, poucos políticos e autoridades influentes queriam falar de julgamentos como os da Alemanha. Os governos aliados pretendiam, naquele momento, esquecer o passado, o vivo passado que Nuremberg ruidosamente expunha, além da vitória de 1945, cujo emblema final foi a bomba atômica lançada contra as populações indefesas de Hiroshima e Nagasaki. Os chamados senhores da Segunda Guerra já não existiam. Suicidou-se Goering, um dos réus do Primeiro Julgamento ou Processo Principal de Nuremberg, terminado em 1º de outubro de 1946. Mas os países vencedores e ultra poderosos, os Estados Unidos e a União Soviética, agora se enfrentavam abertamente, no início da chamada Guerra Fria, um caminho para o conflito nuclear, sinônimo de destruição global. Os russos querem controlar Berlim. Os americanos procuram impedir. E o bloqueio da cidade começa. O mundo estava novamente dividido.

Esse é o cenário político. É o que vai ver um veterano homem de província, perfeito profano em assuntos de etiqueta social, o Juiz norte-americano Haywood (Spencer Tracy), quando chega a Nuremberg para presidir o julgamento de quatro juízes nazistas. Ele admite que foi escolhido, mesmo sem qualquer prestígio junto aos poderes governamentais, porque não era fácil achar outro que aceitasse a tarefa, pesada e inglória. Os Estados Unidos não queriam ficar impopulares na Alemanha, na Berlim de antes do Muro. As pressões, a princípio veladas e, depois, bem claras – como se detalha em todo o filme – é para que as penas a serem aplicadas, caso necessárias as condenações, tivessem suavidade, ou fossem “politicamente corretas”, se quisermos usar uma tola expressão do nosso século XXI.

A personalidade do Juiz Haywood faz o centro da narrativa de Kramer, em três horas de projeção, com a fotografia em preto e branco do mestre Ernest Laszlo. O Juiz Presidente impressiona pelo seu senso de Justiça, que não se separa da sua tentativa, sóbria e firme, de compreender os vencidos e aquele tempo de dor e humilhação. Durante os meses de julgamento, ele fica hospedado na mansão onde residiu um General, condenado à morte por enforcamento, em um dos processos anteriores de Nuremberg. Haywood, pouco amigo das reverências, fica incomodado. Tudo lhe parece excessivo. Até os cuidados que o cadete da West Point, seu segurança, oferece. E, apesar de conquistado pelo charme da viúva do militar alemão (Marlene Dietrich), que defende a memória do General executado e de outros líderes, avessos à sanha de Hitler, não deixa de expressar a sua perplexidade. Das minhas conversas, ele diz, a conclusão é que ninguém na Alemanha sabia das atrocidades do nazismo.

Uma pessoa sabia. O Juiz e Ministro da Justiça Ernst Janning (Burt Lancaster). Ele confessa, no próprio Tribunal, que transformou a sua vida em excremento, porque conhecia bem os outros três Juízes, agora no banco dos réus, porém os acompanhou sempre. Participou de processos que não eram julgamentos, e sim ritos de execução. Considerava-se o mais culpado de todos. Ele é uma “figura trágica”, como reconhece a Sentença condenatória do julgamento. Era um homem que amava o trabalho intelectual, mas entregou sua inteligência ao Reich, que, imaginava ele, seria uma mera fase de transição na história conturbada do seu país (O dramaturgo Abby Mann pode ter retratado, em seu roteiro – transformado em peça teatral, encenada no ano de 2001, na Broadway – para compor o personagem Janning, o Jurista Frank Schlegelberger, alto funcionário do Ministério da Justiça e da República de Weimar, cuja Constituição teve a colaboração dele. Ver nota final).

No Julgamento do filme, os quatro Juízes são condenados à prisão perpétua. Na voz pausada e intensa de Spencer Tracy, ouvimos o Juiz Presidente Haywood falar sobre a responsabilidade dos condenados, sublinhando o que a decisão majoritária do Tribunal de Nuremberg (houve um voto dissidente) representava para a dignidade e o valor da vida de cada ser humano.

Ernst Janning considerou justa a sua condenação. Recebe, então, a pedido, a visita, em sua cela, do Juiz Presidente. E insiste em dizer que nunca pensou que o regime nazista chegasse aos extremos, à barbárie a que chegou. Haywood responde, sereno, porém contundente: tudo começou no exato momento em que Janning condenou um homem que sabia ser inocente.

Antes, o patrono dos réus, Herr Rolfe (Maximiliam Schell), despede-se, cordialmente, do Juiz Presidente, afirmando que nenhum dos réus condenados deve cumprir as penas severas que lhe foram aplicadas. Seriam postos em liberdade no prazo de cinco anos. Tudo conforme a lógica. No Tribunal, em uma das melhores cenas do filme, Rolfe, citando o Vaticano, Stalin, os Pactos que consolidaram as reivindicações territoriais do Reich, os Industriais norte-americanos (que enriqueceram com o comércio de armamento) e o próprio Winston Churchill (que, em carta aberta, elogiou Hitler, no ano de 1938 !), diz que, se Ernst Janning é culpado, o mundo inteiro também o é. Nada mais, nada menos.

Os prognósticos do brilhante advogado foram corretos, como mostram os letreiros finais do filme. Dos 99 condenados à prisão em Nuremberg, somente Rudolf Hess cumpriu a pena. O Juiz Haywood admitiu a possibilidade ou a lógica dos argumentos de Rolfe, diante do contexto histórico e político de 1947. Afirma, entretanto, que a lógica se ajustava ao momento, mas nunca ao sentido da Justiça. Ser lógico não é ser justo.[1]

 
[1] Aos possíveis leitores, interessados no Processo de que trata o filme de Stanley Kramer, especialmente nas personagens reais que serviram de modelo para o roteiro de Abby Mann, o livro é “Vencedores o vencidos ?”, coleção Cine Derecho, Editora Tirant Lo Blanch, Valencia, 2003. O diretor da coleção é Javier de Lucas, catedrático de Filosofia do Direito. Os autores são Francisco Muñoz Conde e Marta Muñoz Aunión. Cito também o magnífico ensaio de Ricardo de Brito, Mestre e Doutor em Direito da UFPE, membro do Ministério Público Militar, na parte em que trata da tese do Mestre Ruy Antunes “Da Analogia no Direito Penal”, publicada em 1953. O trabalho do Dr. Ricardo encontra-se na Revista Acadêmica LXXX-2008, da Faculdade de Direito do Recife, com o título “O Pensamento do Professor Ruy Antunes em Direito Penal”.



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