A política já não espanta. Os repórteres acompanham a coisa com olhos de enfado. Habituaram-se ao inaceitável.
Do Blog do Josias de Souza
A última reunião do Conselho de (a)Ética da Câmara exige a presença de um roteirista de cinema, um Glauber Rocha redivivo.
Plano geral na sala do conselho. Voz de locutor: “Corrupção é bom? Os escândalos são bons? Vêm para o bem? É saudável que aconteçam?”
Olhos rútilos. Bocas. Dentes de deputados rindo. Sob holofotes, uma barriga ceveda a verbas da Sudene sussurra: “Seremos crucificados pela imprensa”.
Um estômago nutrido a cotas de gabinete replica: “Bobagem. A corrupção anda tão generalizada que ofensivo agora é ser chamado de incorruptível”.
O barriga de Sudene: “Mas a eleição é no ano que vem”. E o estômago de cotas: “Tô me lixando. Com o dinheiro da corrupção eu compro um caráter sem jaça”.
Voz de locutor: “Os escândalos são bons porque funcioanam como um desmascaramento. Se vêm à tona é sinal de que os criminosos foram pilhados”.
Corta para o castelo de R$ 25 milhões, nos fundões de uma Minas Gerais feudal. Música de Vila Lobos. Fecha numa barata à borda da piscina.
Câmera de volta para o conselho. Zoom na cara de Edmar Moreira. Semblante cool, clean, despreocupado. Ao fundo, os rostos de repórteres cansados.
Ouve-se a voz inquisidora do relator Nazareno Fonteles (PT-PI): “O colega violou os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade e da moralidade".
Close nos lábios do deputado Moreira Mendes (PPS-RO): "O mandato é meu e vou votar de acordo com minha consciência...”
“...O Edmar cometeu ato atentatório contra o decoro parlamentar, mas não incompatível com o decoro".
Imagens de deputados votando. O presidente José Carlos Araújo (PR-BA) anuncia o resultado. Nove votos pela absolvição. Quatro pela condenação. Uma abstenção.
Edmar Moreira sorri um riso infinito. Nada fora comprovado, exceto uma coisa: não há culpados no Congresso; só inocentes e cúmplices.
Uma mosca solitária voa no plenário do Conselho de (a)Ética. Voz do locutor: “Essa lição já não havia sido aprendida? O país já não mudara?...”
“...Não ficara combinado que os políticos não delinquiriam mais. Não ficara estabelecido que os eleitores não votariam em bandidos?”
Corta para uma feira. Azáfama, algaravia, muvuca. Jornais enrolam peixes. Corta para o Congresso. Cenas aéreas de um Legislativo também aéreo.
Fecha na cuia virada para cima. Súbito, uma fenda se abre no solo seco e quebradiço de Brasília.
O chão engole o pedaço da edificação de Niemeyer em formato de empada. Corta para o castelo mineiro. Festa de Edmar.
O deputado inocente se esconde atrás de uma cascata de camarões. Forma-se à sua direita uma fila de cumprimentos: gordos deputados, colunistas sociais...
...Lobistas melífluos, achacadores cheirosos, burocratas prestativos. Um brinde coletivo. Nada havia sido comprovado.
Cenas finais: convidados retardatários cruzam a ponte levadiça do castelo em suas mercedes e BMWs. Uma rotativa imprime o jornal do dia seguinte.
“A nova moral”, eis a manchete. O roteirista dá nome ao filme: Brasília em Transe. Suspira. E digita a última palavra: Fim.
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