TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Linguagens...


COLONIALISMO CULTURAL

Enviado pelo Professor José Augusto Carvalho
Professora Dr da Universidade Federal do Espírito Santo.


Não sou purista, mas há certos vícios lingüísticos que devem ser evitados, não por serem erros e ainda menos por serem vícios, mas por serem uma forma de subserviência à dominação cultural estrangeira, uma forma de colonialismo cultural.
É admissível e até necessário que a linguagem específica da tecnologia, da ciência ou de uma profissão, como a terminologia dos computadores, por exemplo, mantenha o uso de empréstimos (como deletar), de decalques (como salvar, em lugar de “guardar”) ou de estrangeirismos (como e-mail, download, backspace, shift, etc.), até porque sua universalidade os torna cômodos. Mas a existência de equivalentes semânticos no nosso léxico deveria inibir o uso ou o abuso desses recursos lingüísticos ou metalinguísticos estranhos ao nosso idioma, sobretudo quando não se trata de linguagem técnica, nem específica de uma área do conhecimento humano.
O sufixo –ância ou –ança , legitimamente português, exprime ação, vigilância, e não raro forma substantivos a partir de verbos, como matança (matar), governança (governar), esquivança (esquivar), usança (usar), criança (criar), poupança (poupar), gastança (gastar), esperança (esperar), confiança (confiar), ignorância (ignorar), observância (observar), constância (constar), distância (distar), militância (militar) instância (instar), predominância (predominar), etc. Também exprime porção, coletividade, como em: vizinhança (vizinho), molhança (molho); e aumento, como em: carrança (que designa pessoa presa às tradições), festança (festa), etc.
Privança é um substantivo de uso clássico na língua, formado a partir do verbo privar. Por uma questão de colonialismo cultural, acabou sendo substituído por privacidade, neologismo recentemente incorporado à língua a partir do inglês privacy. Ora, os substantivos formados com o sufixo –(i)dade se originam basicamente de adjetivos, como realidade (real), elasticidade (elástico), agilidade (ágil), felicidade (feliz), humanidade (humano), crueldade (cruel), lealdade (leal), etc. Raramente um substantivo é a base da formação de outro substantivo em –dade, como irmão (irmandade). Privacidade teoricamente, se não fosse um anglicismo, deveria ter sido formado a partir de um hipotético adjetivo terminado em –z ou em –ico, à semelhança de vivaz (vivacidade) ou elétrico (eletricidade). Como esse adjetivo (privaz ou prívaco) não existe, a má-formação do nome privacidade denuncia a bastardia do empréstimo. O ideal seria retomar a forma vernácula privança ou adotar o nome também já existente na língua, dicionarizado e mais adequado, formado a partir de privativo: privatividade.
Outro neologismo formado desnecessariamente a partir do inglês é o verbo internalizar e seu particípio internalizado, de uso generalizado na literatura linguística, sobretudo depois do advento da gramática transformacional. Ora, esse sufixo –izar forma verbos a partir de substantivos, como horrorizar (horror), atemorizar (temor), aromatizar (aroma), martirizar (mártir); ou de adjetivos, como realizar (real), suavizar (suave), vulgarizar (vulgar), finalizar (final), formalizar (formal), etc. Como não existe nenhum adjetivo “internal” em português, o verbo adequado, em lugar de internalizar, deveria ser interiorizar (de interior).
Também marca de subserviência cultural, parece-me, é a grafia híbrida do nome da maior cidade norte-americana: Nova York.
Hibridismo é o nome que se dá a uma palavra composta de formas de línguas diferentes. Assim, goleiro, por exemplo, é formado por elementos de duas línguas distintas: do inglês goal mais o sufixo português –eiro (que aparece em brasileiro, açucareiro, cajueiro). Além desse hibridismo vocabular, há o hibridismo gráfico. A grafia preferida e divulgada pela mídia do nome dessa cidade americana é “Nova York”, em que se mistura a grafia portuguesa (Nova) com a grafia inglesa (York). Esse hibridismo é tão deplorável quanto “New Iorque”. Ou se escreva à americana “New York” ou se escreva à portuguesa “Nova Iorque”. Misturar as grafias é profundamente lastimável. Sobretudo porque quem nasce lá é nova-iorquino, com i, e não “nova-yorkino”, com y, apesar da absurda aceitação recente de “nova-yorkino” pelos “donos” da língua, os autores do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa... A nova ortografia aceita o y para antropônimos e topônimos originários de outras línguas e em seus derivados, mas a forma “nova-iorquino” é legitimamente vernácula. A forma “nova-yorkino” não existe em nenhum dicionário anterior a essa reforma ortográfica inútil, burra e inoportuna.
Como disse, não sou purista. Mas parece-me de mau gosto usar estrangeirismos desnecessários, em detrimento de expressões ou de grafias legitimamente vernáculas.

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