Por Roberto Roamno: E por falar nos colegas da universidade, que plagiam e ao mesmo tempo querem "avaliar" (ou seja, censurar e perseguir) os que não dizem amém...
São Paulo, sábado, 11 de julho de 2009
São Paulo, sábado, 11 de julho de 2009
A confiança na comunidade científica
por ROBERTO ROMANO
O COLLÈGE de France, instituído por Francisco 1º no Renascimento, foi planejado como antídoto contra a orgulhosa Sorbonne. Esta, na época, deveria ser chamada, segundo o historiador J. Le Goff, de "a corporação dos queimadores de livros". Nos cursos livres do Collège, os cidadãos encontram alimento para o intelecto sob os auspícios do Estado francês.
Em data recente, ali se realizou um colóquio cujo tema era a autoridade. Dentre as palestras proferidas, é relevante -quando debatemos os abusos nas informações curriculares dos pesquisadores- um título expressivo: "Como justificar a autoridade científica?". Jean Bricmont fornece resposta complexa à questão.
Após analisar os vários campos do saber, ele discute as manipulações que atenuam a confiança do público nos operadores da ciência. É verdade que, "se considerarmos o fato de que a comunidade científica reúne seres humanos, e não anjos, as fraudes ou os erros são pouco frequentes e não deixam de ser denunciados". A desculpa seria eficaz. Mas, diz Bricmont, "o grande público não tem os meios para avaliar a frequência das fraudes ou dos erros, o que gera com certeza uma forte perda de legitimidade".
Da não confiança na autoridade científica, em termos coletivos, segue a fuga dos recursos. Quando governos tentam resolver a carência de verbas sentida pelos pesquisadores, apelam para as empresas nacionais ou transnacionais. Estas últimas não se preocupam em demasia com a autoridade dos cientistas, o que agudiza a desconfiança da opinião pública e da mídia nos procedimentos acadêmicos.
Surgem, afinal, os elos entre ciência e indústria bélica, com frutos que, se considerados fatos recentes ocorridos na África e mesmo na Europa, são muito questionáveis. E conclui Bricmont: "Para ser digna de confiança, a comunidade científica, bem como a que a envolve e financia, deveria seguir regras éticas extremamente estritas. Mas não vemos como elas poderiam ser aceitas ou impostas". (Antoine Compagnon [ed.]: "De L'Autorité", Odile Jacob, 2008).
A Plataforma Lattes procura diminuir o abismo entre a opinião pública, os operadores do Estado e a comunidade científica, além dos setores que "a envolvem e financiam". Equívocos podem ser corrigidos, segundo sua maior ou menor gravidade (se próximos ou distantes da fraude), o que define uma questão técnica e moral. O programa em debate exige que as informações sejam assumidas pelos pesquisadores. Daí não ser possível, nele, usar a retórica canhestra do mundo político: "Eu não sabia".
O rigor maior na correção das "distrações" é tarefa da "accountability", exigência a ser atendida pela comunidade acadêmica, tanto coletiva quanto individualmente. A publicidade oferecida pela Plataforma Lattes tem sido eficaz no reforço da transparência e da autoridade científica. Tanto é verdade que fraudes ou equívocos surgem e são corrigidos. Mas punições severas devem ser aplicadas contra os abusos. Na mesma linha, são desastrosos os atos sigilosos dos assessores "ad hoc" nas fundações que financiam pesquisas com recursos públicos. Sem revelar o nome de seus autores, pareceres enviesados surgem em todas as áreas do saber e cortam jovens promissores (cuja infelicidade é não pertencer a um grupo dominante nas coordenações das agências) ou derrubam inimigos minoritários nos campi.
É de admirar que o Ministério Público não tenha, até hoje, instaurado procedimentos para corrigir essa anomalia. Numa república, verbas oficiais não podem ser empregadas de maneira secreta. O Senado evidencia os malefícios de sigilos corrosivos, que também desvirtuam as fundações acadêmicas oficiais. Em plano mundial, existe farta bibliografia que demonstra os perigos da avaliação anônima efetivada por colegas (G. Moran: "Silencing Scientists and Scholars in Other Fields", Ablex, 1998).
Alem desses problemas internos da academia, temos no Brasil as ligações perigosas entre pesquisadores e poderosos. Aos intelectuais sobra prestígio, mas faltam votos, disse um filósofo. Políticos bem votados adoram ilustrar seu currículo com títulos acadêmicos. Daí a necessidade da maior prudência nesse particular.
ROBERTO ROMANO, 63, filósofo, é professor titular de ética e filosofia política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor de, entre outras obras, "Moral e Ciência - A Monstruosidade no Século XVIII".
por ROBERTO ROMANO
O COLLÈGE de France, instituído por Francisco 1º no Renascimento, foi planejado como antídoto contra a orgulhosa Sorbonne. Esta, na época, deveria ser chamada, segundo o historiador J. Le Goff, de "a corporação dos queimadores de livros". Nos cursos livres do Collège, os cidadãos encontram alimento para o intelecto sob os auspícios do Estado francês.
Em data recente, ali se realizou um colóquio cujo tema era a autoridade. Dentre as palestras proferidas, é relevante -quando debatemos os abusos nas informações curriculares dos pesquisadores- um título expressivo: "Como justificar a autoridade científica?". Jean Bricmont fornece resposta complexa à questão.
Após analisar os vários campos do saber, ele discute as manipulações que atenuam a confiança do público nos operadores da ciência. É verdade que, "se considerarmos o fato de que a comunidade científica reúne seres humanos, e não anjos, as fraudes ou os erros são pouco frequentes e não deixam de ser denunciados". A desculpa seria eficaz. Mas, diz Bricmont, "o grande público não tem os meios para avaliar a frequência das fraudes ou dos erros, o que gera com certeza uma forte perda de legitimidade".
Da não confiança na autoridade científica, em termos coletivos, segue a fuga dos recursos. Quando governos tentam resolver a carência de verbas sentida pelos pesquisadores, apelam para as empresas nacionais ou transnacionais. Estas últimas não se preocupam em demasia com a autoridade dos cientistas, o que agudiza a desconfiança da opinião pública e da mídia nos procedimentos acadêmicos.
Surgem, afinal, os elos entre ciência e indústria bélica, com frutos que, se considerados fatos recentes ocorridos na África e mesmo na Europa, são muito questionáveis. E conclui Bricmont: "Para ser digna de confiança, a comunidade científica, bem como a que a envolve e financia, deveria seguir regras éticas extremamente estritas. Mas não vemos como elas poderiam ser aceitas ou impostas". (Antoine Compagnon [ed.]: "De L'Autorité", Odile Jacob, 2008).
A Plataforma Lattes procura diminuir o abismo entre a opinião pública, os operadores do Estado e a comunidade científica, além dos setores que "a envolvem e financiam". Equívocos podem ser corrigidos, segundo sua maior ou menor gravidade (se próximos ou distantes da fraude), o que define uma questão técnica e moral. O programa em debate exige que as informações sejam assumidas pelos pesquisadores. Daí não ser possível, nele, usar a retórica canhestra do mundo político: "Eu não sabia".
O rigor maior na correção das "distrações" é tarefa da "accountability", exigência a ser atendida pela comunidade acadêmica, tanto coletiva quanto individualmente. A publicidade oferecida pela Plataforma Lattes tem sido eficaz no reforço da transparência e da autoridade científica. Tanto é verdade que fraudes ou equívocos surgem e são corrigidos. Mas punições severas devem ser aplicadas contra os abusos. Na mesma linha, são desastrosos os atos sigilosos dos assessores "ad hoc" nas fundações que financiam pesquisas com recursos públicos. Sem revelar o nome de seus autores, pareceres enviesados surgem em todas as áreas do saber e cortam jovens promissores (cuja infelicidade é não pertencer a um grupo dominante nas coordenações das agências) ou derrubam inimigos minoritários nos campi.
É de admirar que o Ministério Público não tenha, até hoje, instaurado procedimentos para corrigir essa anomalia. Numa república, verbas oficiais não podem ser empregadas de maneira secreta. O Senado evidencia os malefícios de sigilos corrosivos, que também desvirtuam as fundações acadêmicas oficiais. Em plano mundial, existe farta bibliografia que demonstra os perigos da avaliação anônima efetivada por colegas (G. Moran: "Silencing Scientists and Scholars in Other Fields", Ablex, 1998).
Alem desses problemas internos da academia, temos no Brasil as ligações perigosas entre pesquisadores e poderosos. Aos intelectuais sobra prestígio, mas faltam votos, disse um filósofo. Políticos bem votados adoram ilustrar seu currículo com títulos acadêmicos. Daí a necessidade da maior prudência nesse particular.
ROBERTO ROMANO, 63, filósofo, é professor titular de ética e filosofia política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor de, entre outras obras, "Moral e Ciência - A Monstruosidade no Século XVIII".
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