TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Para pensar uma vida não fascista...

Por Roberto Romano aqui

Sobre o fascismo perene. Acabei de ler, lápis na mão, o livro tremendo de Fabrice d´Almeida, La vie mondaine sous le nazisme (Paris, Perrin, 2008). Uma análise diferente da hecatombe : o autor examina as assim ditas elites alemãs (aristocratas, alta finança, burocracia civil e militar) que, gradativamente no início, depois de maneira célere, entraram para as hostes do Partido, servindo ao mesmo como suavizador e tranqüilizante junto ao Estado e à boa sociedade. São traçados três círculos naquele inferno da high society: os que entraram em conúbio estreito e estrito com os dirigentes nazistas e lucraram muito (os mesmos aristocratas, financistas, industriais, altos dirigentes civis e militares, incluindo a imprensa e o judiciário, sem esquecer os artistas e, sobretudo, as artistas), formaram uma simbiose perfeita com o Partido. Depois os que lucraram menos, mas dedicaram fervor ideológico eficaz na tarefa de impor o totalitarismo. Finalmente, uma camada de simples arrivistas que, também lucrando, proporcionaram a ligação com as chamadas massas populares. É mostrado o processo de transferência das riquezas e de lugares sociais e políticos dos judeus ricos (e pobres) para os alemães de "boa cepa" e de "bom sangue ariano". O nazismo foi um roubo cometido pelos donos do Partido e pelas elites tradicionais. A vida mundana (bailes, banquetes, teatro, opera, festas, etc.) que reunia os dirigentes como Hitler, Goebbes, Göring et caterva serviu como canal de passagem de riquezas e de ideologia assassina. A imprensa, alemã e internacional, trabalhou (e com muita festa, regalias, etc) na tarefa de tornar palatável para a opinião pública européia e norte-americana, sem falar em outras terras, a prática dos genocidas. São evidenciadas as provas da sua cumplicidade, em companhia da elite e dos nazistas no roubo coletivo e no genocídio. Dá para recordar o dito de Santo Agostinho: "que são os Estados, senão grandes latrocínios?". No Estado nazista, tal proeza teve o perfume francês, as roupas de Paris, a gourmandise dos bons restaurantes parisienses, nas mesas e salões dos abutres ricos e "nobres". O que leva ao segundo livro que li na semana : La dénazification (Paris, Perrin, 2008), coordenado por Marie- Bénédicte Vincent. É assustador notar o quanto a "denazistificação" foi uma...mistificação. Tanto no lado "democrático" quanto no setor soviético, o que ocorreu foi uma pequena purga, deixando nazistas aos montes (multidões) à solta, em seus cargos. Nada que já não tivesse sido indicado por autores de antes, como é o caso de Lionel Richard (Le nazisme et la culture, Bruzelas, Ed. Complexe, 1982). O mesmo Richard já citava A.-P. Lentin: "os 43 banqueiros e industriais alemães condenados como criminosos de guerra por seu apoio à política nazista (Relatório da Comissão Americana Kilgore, 11/outubro/1945) foram anistiados, liberados e postos à frente da economia alemã". O artigo de Lentin se intitula "Adenauer na pista de Hitler", Cahiers Internationaux, 53, Richard página 162, nota 3. Em nosso caso: sou a favor da Comissão da Verdade? Sim, idealmente. Mas na prática, sei que todos os da elite que muito lucraram com o regime civil-militar (é mentira que a ditadura tenha sido apenas militar) serão intocados. Se nazistas receberam anistia, tendo em vista os interesses econômicos e a razão de Estado dos EUA e da Europa, é tolice imaginar que os novos donos da raison d´État cabocla (a ex-querda) deixarão o realismo em favor da inefável "busca da verdade". A verdade, a justiça? Elas foram enunciadas por muitos pensadores e satíricos. "Justiça deste lado do rio, injustiça na outra margem" (Pascal). "A lei? Ora, a lei é uma teia de aranha que prende os pequenos insetos e é rasgada impunente pelos grandes". (Solon, segundo Diógenes Laércio *). Os filhos de Hitler foram perdoados...por sua gente e pelas "potências vencedoras", que os apoiaram na busca gerar empregos, riqueza, festa, pão e circo. E champanhe (a capa da edição que li, postada acima, é genial: uma flüte com a suástica, em azul...) tendo em vista o lucro dos happy few que ficaram ainda mais happy, a partir dos saques contra os judeus. O livro de d´Almeida analisa cada detalhe, cada tipo de relação social, cada esporte, cada arte. Não sobra ninguém, todos colaboraram ativamente. Algum espanto se o nazismo "retorna" hoje em dia, em atos e palavras, no mundo inteiro? "O espanto habitual de que as coisas que hoje experimentamos são ´ainda´possíveis no século 20, não é filosófico. Tal espanto não é o início da sabedoria— pelo oposto, ele é o saber de que a história que o faz surgir é insuportável" (Walter Benjamin, Teses sobre a Filosofia da História). Espantos diante dos assassinos dos "bairros nobres" é conivência, falsa ingenuidade, ou... Roberto Romano * Ἔλεγε δὲ τὸν μὲν λόγον εἴδωλον εἶναι τῶν ἔργων· βασιλέα δὲ τὸν ἰσχυρότατον τῇ δυνάμει. Τοὺς δὲ νόμους τοῖς ἀραχνίοις ὁμοίους· καὶ γὰρ ἐκεῖνα, ἐὰν μὲν ἐμπέσῃ τι κοῦφον καὶ ἀσθενές, στέγειν· ἐὰν δὲ μεῖζον, διακόψαν οἴχεσθαι. Ἔφασκέ τε σφραγίζεσθαι τὸν μὲν λόγον σιγῇ, τὴν δὲ σιγὴν καιρῷ. "Ele (Solon) tinha o hábito de dizer que as palavras são imagem dos atos e a força faz o direito dos reis; que as leis se parecem à teias de aranha, resistentes aos pequenos esforços e rompidas pelos grandes; que é preciso selar o discurso com o silêncio, e o silêncio com o tempo". Mudou a lingua, mas a realidade é sempre a mesma. É sempre a eterna luta do fraco inseto contra o forte. E tal é nome da Justiça...

Um comentário:

ADM Reset disse...

Achei ótima esta lembrança, pois isso pode estar entre nós seja ingenuamente ou propositadamente...

Braziu!

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