texto enviado pelo Professor José Augusto Carvalho
ERROS MAIS COMUNS
José Augusto Carvalho
Professor Dr da Universidade Federal do Espírito Santo
Há alguns poucos erros que se cometem no dia-a-dia e que, por não soarem mal, são encontradiços até mesmo em textos de bons usuários da língua.
1. Face a, frente a. – As locuções prepositivas que têm por núcleo um substantivo têm sempre duas preposições: uma antes e outra depois do substantivo (exceto “graças a” e “mercê de”, exceções que expliquei no meu artigo “Dicas para quem escreve (I)”, publicada neste espaço no dia 17-04-06): a favor de, em nível de, com respeito a, em atenção a, em função de, a fim de, por causa de etc. Como face e frente são substantivos, temos: à frente de, em frente a, em frente de. Vale dizer: “frente a” e “face a” não existem.
2. Um óculos – As lentes que se usam diante dos olhos para corrigir defeitos visuais ou proteger o usuário da luz forte se chamam óculos, sempre no plural: meus óculos se quebraram, comprei outros óculos, etc. Não se deve usar nunca o determinante de óculos no singular. Não se diga, pois, “o meu óculos” ou “comprei um óculos”, por exemplo, mas “os meus óculos”, “comprei óculos”
3. Ele foi perguntado se daria entrevista – A frase é duplamente incorreta. Não existe objeto direto na voz passiva em português, porque o objeto direto da voz ativa se transforma em sujeito da voz passiva. Por exemplo: a) Ele viu a rosa (voz ativa) – b) A rosa foi vista por ele (voz passiva). O objeto direto “a rosa”, da oração a) passou a sujeito da oração b). A oração começada pelo SE, no exemplo inicial, é objeto direto de “daria”, mas “perguntado” está na voz passiva, o que não é aceitável. Corrija-se: Ele foi inquirido sobre se daria entrevista. Note-se que “perguntado” foi substituído por “inquirido”, porque “perguntar” é transitivo direto de coisas e indireto de pessoas: perguntar alguma coisa a alguém. O objeto direto da ativa se transforma em sujeito da passiva, como vimos, mas o objeto indireto permanece objeto indireto quando se faz a transformação da ativa em passiva: “Dei um emprego a ele” – “Um emprego foi dado a ele” (A ele, objeto indireto, permanece inalterado, na mesma função.) Coisas, portanto, podem ser perguntadas, não pessoas. Como na voz passiva o objeto indireto permanece nessa função, os verbos transitivos indiretos, a rigor, não podem ser usados na voz passiva. Muitos gramáticos condenam adequadamente frases como “a pergunta foi respondida”, “o filme foi assistido”, “a ordem foi obedecida”, porque os verbos perguntar, assistir (com o sentido de ver) e obedecer não têm objeto direto, mas apenas objeto indireto. Verbos transitivos indiretos, intransitivos e reflexivos estão no que se chama “voz medial”, e a única voz verbal que pode ser transformada em voz passiva é a voz ativa. (Falaremos oportunamente na voz depoente, em que verbos passivos têm significado ativo, como em “Ele é um homem lido”, isto é, um homem que lê, e não um homem que é lido... Também falaremos, oportunamente, em verbos formalmente ativos, mas semanticamente passivos, como em “Ele levou um soco”, “Ela pegou gripe”.)
4. Preferir mais do que – O verbo preferir é transitivo direto e indireto, isto é, tem dois complementos: preferir alguma coisa ou pessoa a outra coisa ou pessoa. Ex.: Prefiro o Vasco ao Flamengo, as loiras às morenas, o sorvete ao refrigerante. Também é possível usar o verbo preferir apenas como transitivo indireto, com o sentido de ser preferível: “Um livro prefere ao filme”. Não se deve, portanto, dizer “Prefiro mais uma coisa que outra”, pois preferir, obviamente, indica preferência, numa comparação implícita que descarta o emprego de “mais... do que”.
5. “A você, amigo José, ao assumir essa importante missão, fazemos uma homenagem pelo seu sucesso.” (Texto extraído de jornal) – Essa frase não tem erros gramaticais, mas apresenta erros semânticos, isto é, erros de significação e de sentido. O texto pretendia dizer que José assume uma importante missão e é, portanto, digno da homenagem que nós lhe fazemos. No entanto, o que o texto diz é que, quando assumimos essa importante missão, fazemos uma homenagem ao José pelo seu sucesso. Se o sucesso é de José, por que nós é que assumimos a missão importante?
O problema reside numa regra simples que nem sempre é respeitada: se o sujeito do infinitivo ou do gerúndio não está expresso na frase, então ele será o mesmo da oração principal. No texto citado, o sujeito de “assumir”, que não está explícito, é o mesmo de “fazemos”, nós: “ao assumir(mos)... fazemos uma homenagem”. Para que a frase fique adequada à idéia que a originou, ou acrescentamos o sujeito de “assumir”, ou — melhor ainda — alteramos a construção, suprimindo o infinitivo: “A você, amigo José, ao assumir você essa importante missão, fazemos uma homenagem...” OU: “A você, amigo José, que assume essa importante missão, fazemos uma homenagem...”
O mesmo problema ocorre com o gerúndio: se o gerúndio não tem seu sujeito expresso, o leitor entenderá que o sujeito do gerúndio é o mesmo da oração principal. Na frase “Saindo (ao sair) da fábrica, o cão mordeu o operário”, o que se pretendeu dizer é que o operário saía da fábrica, mas o que efetivamente se disse é que o cão é que saía da fábrica. Para assinalar que o operário saía, temos de dizer: “Saindo da fábrica, o operário foi mordido pelo cão”. Ou evitamos o gerúndio: “O cão mordeu o operário que saía da fábrica” OU: “O operário que saía da fábrica foi mordido pelo cão”.
6. Aluga-se casas. – Sempre que, numa oração, houver o pronome SE, o sujeito dessa oração será sempre o primeiro substantivo ou pronome que aparecer SEM preposição. Vejamos as seguintes frases: a) Precisa-se de empregados. b) Vive-se bem aqui. c) Nunca se é feliz em terra estranha. d) Aluga-se esta casa. Nesses quatro exemplos, todos com o pronome SE, o único que tem um substantivo sem preposição é o último: esta casa, que é o sujeito simples. Nos outros exemplos, o sujeito é indeterminado (isto é, não tem núcleo): o verbo fica sempre no singular. Na última frase, em que o sujeito é simples (esta casa), se o substantivo (sujeito) for pluralizado, o verbo terá de ir para o plural: alugam-se estas casas. Como o sujeito pronominal de 3ª pessoa é ele/ela, se substituirmos “estas casas” por um pronome pessoal, teremos: “Alugam-se elas”. Isso pode parecer estranho, mas é o correto.
7.Sequer – O advérbio “sequer” significa “ao menos”, “pelo menos”. Não tem valor negativo por si só: “Ele foi ao cinema porque sequer tinha algum dinheiro” (isto é: “ele foi ao cinema porque ao menos tinha algum dinheiro). “Ele nem sequer abriu o livro, mas sabia a lição.” (Para que “sequer” tenha valor negativo, é necessário explicitar a negação: nem, não, nunca, etc.)
8. Ele não tinha qualquer dúvida. – O pronome indefinido “qualquer” só deve ser usado em frases afirmativas. Se a frase for negativa, use “nenhum/nenhuma”. No exemplo acima, não ter qualquer dúvida significa ter uma dúvida especial, não uma qualquer. Vale dizer: “Qualquer” não tem valor negativo.
José Augusto Carvalho
Professor Dr da Universidade Federal do Espírito Santo
Há alguns poucos erros que se cometem no dia-a-dia e que, por não soarem mal, são encontradiços até mesmo em textos de bons usuários da língua.
1. Face a, frente a. – As locuções prepositivas que têm por núcleo um substantivo têm sempre duas preposições: uma antes e outra depois do substantivo (exceto “graças a” e “mercê de”, exceções que expliquei no meu artigo “Dicas para quem escreve (I)”, publicada neste espaço no dia 17-04-06): a favor de, em nível de, com respeito a, em atenção a, em função de, a fim de, por causa de etc. Como face e frente são substantivos, temos: à frente de, em frente a, em frente de. Vale dizer: “frente a” e “face a” não existem.
2. Um óculos – As lentes que se usam diante dos olhos para corrigir defeitos visuais ou proteger o usuário da luz forte se chamam óculos, sempre no plural: meus óculos se quebraram, comprei outros óculos, etc. Não se deve usar nunca o determinante de óculos no singular. Não se diga, pois, “o meu óculos” ou “comprei um óculos”, por exemplo, mas “os meus óculos”, “comprei óculos”
3. Ele foi perguntado se daria entrevista – A frase é duplamente incorreta. Não existe objeto direto na voz passiva em português, porque o objeto direto da voz ativa se transforma em sujeito da voz passiva. Por exemplo: a) Ele viu a rosa (voz ativa) – b) A rosa foi vista por ele (voz passiva). O objeto direto “a rosa”, da oração a) passou a sujeito da oração b). A oração começada pelo SE, no exemplo inicial, é objeto direto de “daria”, mas “perguntado” está na voz passiva, o que não é aceitável. Corrija-se: Ele foi inquirido sobre se daria entrevista. Note-se que “perguntado” foi substituído por “inquirido”, porque “perguntar” é transitivo direto de coisas e indireto de pessoas: perguntar alguma coisa a alguém. O objeto direto da ativa se transforma em sujeito da passiva, como vimos, mas o objeto indireto permanece objeto indireto quando se faz a transformação da ativa em passiva: “Dei um emprego a ele” – “Um emprego foi dado a ele” (A ele, objeto indireto, permanece inalterado, na mesma função.) Coisas, portanto, podem ser perguntadas, não pessoas. Como na voz passiva o objeto indireto permanece nessa função, os verbos transitivos indiretos, a rigor, não podem ser usados na voz passiva. Muitos gramáticos condenam adequadamente frases como “a pergunta foi respondida”, “o filme foi assistido”, “a ordem foi obedecida”, porque os verbos perguntar, assistir (com o sentido de ver) e obedecer não têm objeto direto, mas apenas objeto indireto. Verbos transitivos indiretos, intransitivos e reflexivos estão no que se chama “voz medial”, e a única voz verbal que pode ser transformada em voz passiva é a voz ativa. (Falaremos oportunamente na voz depoente, em que verbos passivos têm significado ativo, como em “Ele é um homem lido”, isto é, um homem que lê, e não um homem que é lido... Também falaremos, oportunamente, em verbos formalmente ativos, mas semanticamente passivos, como em “Ele levou um soco”, “Ela pegou gripe”.)
4. Preferir mais do que – O verbo preferir é transitivo direto e indireto, isto é, tem dois complementos: preferir alguma coisa ou pessoa a outra coisa ou pessoa. Ex.: Prefiro o Vasco ao Flamengo, as loiras às morenas, o sorvete ao refrigerante. Também é possível usar o verbo preferir apenas como transitivo indireto, com o sentido de ser preferível: “Um livro prefere ao filme”. Não se deve, portanto, dizer “Prefiro mais uma coisa que outra”, pois preferir, obviamente, indica preferência, numa comparação implícita que descarta o emprego de “mais... do que”.
5. “A você, amigo José, ao assumir essa importante missão, fazemos uma homenagem pelo seu sucesso.” (Texto extraído de jornal) – Essa frase não tem erros gramaticais, mas apresenta erros semânticos, isto é, erros de significação e de sentido. O texto pretendia dizer que José assume uma importante missão e é, portanto, digno da homenagem que nós lhe fazemos. No entanto, o que o texto diz é que, quando assumimos essa importante missão, fazemos uma homenagem ao José pelo seu sucesso. Se o sucesso é de José, por que nós é que assumimos a missão importante?
O problema reside numa regra simples que nem sempre é respeitada: se o sujeito do infinitivo ou do gerúndio não está expresso na frase, então ele será o mesmo da oração principal. No texto citado, o sujeito de “assumir”, que não está explícito, é o mesmo de “fazemos”, nós: “ao assumir(mos)... fazemos uma homenagem”. Para que a frase fique adequada à idéia que a originou, ou acrescentamos o sujeito de “assumir”, ou — melhor ainda — alteramos a construção, suprimindo o infinitivo: “A você, amigo José, ao assumir você essa importante missão, fazemos uma homenagem...” OU: “A você, amigo José, que assume essa importante missão, fazemos uma homenagem...”
O mesmo problema ocorre com o gerúndio: se o gerúndio não tem seu sujeito expresso, o leitor entenderá que o sujeito do gerúndio é o mesmo da oração principal. Na frase “Saindo (ao sair) da fábrica, o cão mordeu o operário”, o que se pretendeu dizer é que o operário saía da fábrica, mas o que efetivamente se disse é que o cão é que saía da fábrica. Para assinalar que o operário saía, temos de dizer: “Saindo da fábrica, o operário foi mordido pelo cão”. Ou evitamos o gerúndio: “O cão mordeu o operário que saía da fábrica” OU: “O operário que saía da fábrica foi mordido pelo cão”.
6. Aluga-se casas. – Sempre que, numa oração, houver o pronome SE, o sujeito dessa oração será sempre o primeiro substantivo ou pronome que aparecer SEM preposição. Vejamos as seguintes frases: a) Precisa-se de empregados. b) Vive-se bem aqui. c) Nunca se é feliz em terra estranha. d) Aluga-se esta casa. Nesses quatro exemplos, todos com o pronome SE, o único que tem um substantivo sem preposição é o último: esta casa, que é o sujeito simples. Nos outros exemplos, o sujeito é indeterminado (isto é, não tem núcleo): o verbo fica sempre no singular. Na última frase, em que o sujeito é simples (esta casa), se o substantivo (sujeito) for pluralizado, o verbo terá de ir para o plural: alugam-se estas casas. Como o sujeito pronominal de 3ª pessoa é ele/ela, se substituirmos “estas casas” por um pronome pessoal, teremos: “Alugam-se elas”. Isso pode parecer estranho, mas é o correto.
7.Sequer – O advérbio “sequer” significa “ao menos”, “pelo menos”. Não tem valor negativo por si só: “Ele foi ao cinema porque sequer tinha algum dinheiro” (isto é: “ele foi ao cinema porque ao menos tinha algum dinheiro). “Ele nem sequer abriu o livro, mas sabia a lição.” (Para que “sequer” tenha valor negativo, é necessário explicitar a negação: nem, não, nunca, etc.)
8. Ele não tinha qualquer dúvida. – O pronome indefinido “qualquer” só deve ser usado em frases afirmativas. Se a frase for negativa, use “nenhum/nenhuma”. No exemplo acima, não ter qualquer dúvida significa ter uma dúvida especial, não uma qualquer. Vale dizer: “Qualquer” não tem valor negativo.
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