Artigo do Professor José Augusto Carvalho, Professor da Universidade Federal do Espírito Santo
NÚMEROS CABALÍSTICOS
A palavra cabala veio do fenício por intermédio do hebreu rabínico qabbalah, que designa a tradição esotérica do Velho Testamento, por oposição à lei escrita. Cabala designava inicialmente a revelação das runas, os caracteres do alfabeto gótico e escandinavo. Runa, primitivamente, designava em gótico “coisa difícil, secreta, oculta”. A cabala, portanto, é a revelação de segredos.
Uma consulta a um bom dicionário de símbolos, como o de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant (Dictionnaire des symboles, Paris: Robert Laffont/Júpiter, 1982), por exemplo, pode revelar que, na verdade, nenhum número é particularmente cabalístico, porque todos o são.
O número um representa Deus único; também representa o homem ativo, por sua aparência fálica; simboliza, portanto, o princípio ativo, a própria fonte de tudo. É um símbolo unificador e poderoso.
O dois simboliza a oposição, o conflito (a palavra dúvida tem o número dois em sua formação etimológica); representa a origem das divisões bipartidas (Sol/Lua, dia/noite; masculino/feminino; branco/preto, etc.), e, portanto, o princípio feminino; por isso o número dois era atribuído à Mãe, na Antigüidade. Simboliza o dualismo, o antagonismo, como o Yin e o Yang chineses.
Além da Santíssima Trindade, o três é o número das moradas do Além, na mitologia católica (céu, inferno e purgatório); três eram as classes básicas da sociedade – clero, nobreza e povo; não é à toa que a palavra tribo se origina do número três.
Quatro é o número que possibilitou a ordem dos nomes dos dias da semana astrológico-mitológica em muitas línguas modernas; quatro são as estações do ano, as pontas da cruz, as semanas do mês, as fases da lua, os pontos cardeais, as letras do nome de Deus (o tetragrama IHWH, de Iahweh) e do primeiro homem, na mitologia judaico-cristã (Adão). Quatro simboliza o sólido, o tangível. Quatro são os elementos (fogo, terra, ar e água). Quatro são as proposições aristotélicas.
Cinco é o símbolo do poder (cf. o Pentágono, em Washington), o centro da harmonia e do equilíbrio; cinco são os sentidos; a palavra quintessência ou quinta-essência designa o que há de melhor, de mais elevado e puro. Cinco, entre os maias, era o símbolo da perfeição.
Seis é o número da besta do Apocalipse (666), do selo de Salomão (a estrela de Davi, de seis pontas, símbolo de Israel); seis é o número de Vênus, deusa do amor (sexta-feira é o dia consagrado a Vênus, na nomenclatura dos dias da semana em várias línguas ocidentais); é o número da criação (o número de dias que levou Deus para criar o mundo, na mitologia judaico-cristã); seis é o número de lados da perfeição arquitetural dos favos apiários; é o símbolo das artes e das letras.
Sete é o número de dias da semana, dos graus da perfeição, das maravilhas do mundo antigo, das artes (o cinema é a sétima arte; e criança criativa “pinta o sete” quando faz “arte”); sete são os pecados capitais; sete é o número do culto de Apolo; sétimo é o dia de “descanso” do Deus hebraico; sete braços tem a menorá, para sete velas; sete são os mares, sete são os anjos dos sete céus; sete anos mais sete serviu Jacó a Labão para ter Raquel. Sete são as falas de Cristo na cruz. Sete é o símbolo da plenitude dos tempos e do dinamismo total.
Oito é o número do equilíbrio cósmico. O símbolo do infinito, na matemática, é um oito deitado; oito são os sábios do mundo (entre os quais se encontram Jesus, Sócrates e Confúcio); o oitavo dia (o dia posterior ao “descanso” do Senhor) é o dia da ressurreição, do anúncio de uma nova era.
Pela Internet divulgou-se uma constatação de que em muitas línguas ocidentais, a palavra noite se relaciona morficamente com o número oito: al. Nacht/acht; ing. Night/eight; port. Noite/oito; esp. Noche/ocho; fr. Nuit/huit; it. Notte/otto... Trata-se, possivelmente, apenas de coincidência, do contrário, haveria a contraparte com “dia” (day, jour, Tag, giorno, día), a associar-se a outro número ou ao mesmo número!
Nove é um número ritual, o da plenitude, o do Yang chinês. Por ser o último dos números, anuncia o fim e o recomeço, isto é, a transposição para um outro plano.
Uma consulta a um dicionário de língua poderá ajudar a fazer um levantamento de palavras e expressões que consagram os números em português ou deles se originam, e estudar as mudanças semânticas, quando aconteceram (como “um é pouco, dois é bom...”, união, único, dúbio, terço, tribo, tresler, trevo, o diabo a quatro, quaresma, esquartejar, pentecostes, quintal, sesmaria, sesta, assestar, bissexto, semana, pintar o sete, setembro, oitante, outubro, novena, novembro, dezembro, dízimo, etc.).
Um trabalho para mestrandos...
(*) José Augusto Carvalho é Mestre em Linguística pela Unicamp e Doutor em Letras pela USP
Nenhum comentário:
Postar um comentário