Texto do jornalista Ruy Fabiano, postado no Blog do Noblat
Fatos, versões e circunstâncias
Em política, ensinava José Maria Alckimin, lendária raposa do extinto PSD, vale a versão – não o fato (a frase, inclusive, é de Gustavo Capanema, mas coube a Alckmin difundi-la e apossar-se de sua autoria, comprovando assim a veracidade de seu enunciado).
A partir desse fundamento, a mentira ganha curso legítimo – e, mesmo em alguns casos, foros de nobreza e engenhosidade. Vejamos um caso presente. O deputado Devanir Ribeiro, do PT de São Paulo, elaborou semana passada proposta de emenda constitucional que permite uma segunda reeleição ao presidente da República.
Ou seja, o terceiro mandato presidencial consecutivo a Lula. Esteve com ele na quinta-feira da semana passada, em audiência individual, no Palácio do Planalto, e jura que não tratou do assunto. Vejam o que disse: “Passei no Palácio do Planalto na quinta-feira da semana passada para dar um abraço de aniversário no presidente, já que no dia da festa eu estava no interior de São Paulo”.
Nada mais. Um simples abraço. Vejam bem: o autor de uma emenda constitucional altamente polêmica, que exporá o presidente da República (já está expondo) à suspeita de estar conspirando por um terceiro mandato consecutivo, é anunciada pelo referido deputado, provocando críticas até mesmo em seu partido.
Ele a anuncia pela imprensa (ainda não a apresentou, pois está coletando assinaturas de apoio), recebe críticas, vai ao presidente Lula, dá-lhe um abraço atrasado de feliz aniversário e nem sequer toca no assunto. Nem ele, nem Lula.
Falam talvez do iminente rebaixamento do Corinthians no campeonato brasileiro, da seca em Brasília, tomam um cafezinho e Devanir despede-se como se nada mais houvesse. Claro, claro.
Devanir sabe que nenhum jornalista ou político (incluindo ele próprio) acredita em suas palavras, Mas isso é um detalhe. Importa a versão. E assim ele vai repetindo seus bordões, a imprensa os registrando e os leitores absorvendo-os como se verdadeiros fossem.
Alguns pegam, outros não. São chamados de balões de ensaio. Presentemente (e mais uma vez), está em curso o da segunda reeleição. Se decolar, decolou. Se não, tudo bem. Volta-se a falar em Constituinte para a reforma política – e lá, quem sabe, fala-se novamente em reeleição.
Esta semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, que em breve ocupará interinamente a Presidência da República (Lula vai viajar de novo e o vice, José Alencar, se submeterá a cirurgia), mandou desarquivar outra emenda que permite duas reeleições ao Presidente da República. Não explicou por que o fez, nem ninguém, ao que se saiba, o indagou.
A emenda é de autoria do deputado Fernando Ferro, do PT de Pernambuco. São, portanto, agora, duas emendas na Câmara – uma em tramitação e outra colhendo assinaturas de apoio. E nenhum dos dois proponentes conversou com o presidente Lula a respeito. A que estava arquivada foi desarquivada por iniciativa do presidente da Câmara, homem da intimidade presidencial.
Por que a desarquivou? Por simpatia ao deputado Fernando Ferro? Para quebrar a monotonia dos debates? Lideranças petistas mais renomadas evitam o tema, mas o estimulam nos bastidores. É interessante notar que somente a turma do baixo clero, como os deputados Devanir e Ferro, põe a cara a tapa.
Ontem, o ministro Luiz Dulci, secretário-geral da Presidência da República, tratou o tema com o descaso habitual: “Uma reeleição só basta. É convicção dele [Lula]. Ele tem a convicção de que não é bom para o país. Uma reeleição no máximo.”
Em circunstâncias normais, tal afirmação seria um ponto final no assunto. Mas não é. Não significa, a rigor, nada. Amanhã, o ministro pode dizer exatamente o contrário – não será a primeira vez – e apelará para outra frase clássica da política: o império das circunstâncias. Magalhães Pinto dizia que política é como nuvem: “a cada hora muda a forma” – e, com ela, todos mudam.
Lula finge que não é com ele. Diz que é contra, o que não quer dizer muita coisa. Ele era contra a reeleição – e se reelegeu. Era contra a CPMF – e diz hoje que, sem ela, o Brasil é ingovernável.
Era contra a idade mínima de 53 anos para a aposentadoria, alegando que o trabalhador brasileiro não vive tanto – e, uma vez no poder, aumentou-a para 60 anos (queria, na verdade, 65 anos, mas o Senado reduziu sua proposta). Era de esquerda e hoje diz que ser de esquerda, após os 60 anos, é sinal de demência.
Enfim, Lula mistura fatos e versões com tal freqüência e habilidade que já não vale a pena decifrá-lo. Sua palavra tem prazo de validade curto. O que está claro – para quem sabe ver as nuvens da política – é que a manobra pela segunda reeleição está em marcha. Da segunda para a reeleição sem limites, como a de Hugo Chavez, é questão de tempo.
E haja nuvens, impérios e circunstâncias.
Fatos, versões e circunstâncias
Em política, ensinava José Maria Alckimin, lendária raposa do extinto PSD, vale a versão – não o fato (a frase, inclusive, é de Gustavo Capanema, mas coube a Alckmin difundi-la e apossar-se de sua autoria, comprovando assim a veracidade de seu enunciado).
A partir desse fundamento, a mentira ganha curso legítimo – e, mesmo em alguns casos, foros de nobreza e engenhosidade. Vejamos um caso presente. O deputado Devanir Ribeiro, do PT de São Paulo, elaborou semana passada proposta de emenda constitucional que permite uma segunda reeleição ao presidente da República.
Ou seja, o terceiro mandato presidencial consecutivo a Lula. Esteve com ele na quinta-feira da semana passada, em audiência individual, no Palácio do Planalto, e jura que não tratou do assunto. Vejam o que disse: “Passei no Palácio do Planalto na quinta-feira da semana passada para dar um abraço de aniversário no presidente, já que no dia da festa eu estava no interior de São Paulo”.
Nada mais. Um simples abraço. Vejam bem: o autor de uma emenda constitucional altamente polêmica, que exporá o presidente da República (já está expondo) à suspeita de estar conspirando por um terceiro mandato consecutivo, é anunciada pelo referido deputado, provocando críticas até mesmo em seu partido.
Ele a anuncia pela imprensa (ainda não a apresentou, pois está coletando assinaturas de apoio), recebe críticas, vai ao presidente Lula, dá-lhe um abraço atrasado de feliz aniversário e nem sequer toca no assunto. Nem ele, nem Lula.
Falam talvez do iminente rebaixamento do Corinthians no campeonato brasileiro, da seca em Brasília, tomam um cafezinho e Devanir despede-se como se nada mais houvesse. Claro, claro.
Devanir sabe que nenhum jornalista ou político (incluindo ele próprio) acredita em suas palavras, Mas isso é um detalhe. Importa a versão. E assim ele vai repetindo seus bordões, a imprensa os registrando e os leitores absorvendo-os como se verdadeiros fossem.
Alguns pegam, outros não. São chamados de balões de ensaio. Presentemente (e mais uma vez), está em curso o da segunda reeleição. Se decolar, decolou. Se não, tudo bem. Volta-se a falar em Constituinte para a reforma política – e lá, quem sabe, fala-se novamente em reeleição.
Esta semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, que em breve ocupará interinamente a Presidência da República (Lula vai viajar de novo e o vice, José Alencar, se submeterá a cirurgia), mandou desarquivar outra emenda que permite duas reeleições ao Presidente da República. Não explicou por que o fez, nem ninguém, ao que se saiba, o indagou.
A emenda é de autoria do deputado Fernando Ferro, do PT de Pernambuco. São, portanto, agora, duas emendas na Câmara – uma em tramitação e outra colhendo assinaturas de apoio. E nenhum dos dois proponentes conversou com o presidente Lula a respeito. A que estava arquivada foi desarquivada por iniciativa do presidente da Câmara, homem da intimidade presidencial.
Por que a desarquivou? Por simpatia ao deputado Fernando Ferro? Para quebrar a monotonia dos debates? Lideranças petistas mais renomadas evitam o tema, mas o estimulam nos bastidores. É interessante notar que somente a turma do baixo clero, como os deputados Devanir e Ferro, põe a cara a tapa.
Ontem, o ministro Luiz Dulci, secretário-geral da Presidência da República, tratou o tema com o descaso habitual: “Uma reeleição só basta. É convicção dele [Lula]. Ele tem a convicção de que não é bom para o país. Uma reeleição no máximo.”
Em circunstâncias normais, tal afirmação seria um ponto final no assunto. Mas não é. Não significa, a rigor, nada. Amanhã, o ministro pode dizer exatamente o contrário – não será a primeira vez – e apelará para outra frase clássica da política: o império das circunstâncias. Magalhães Pinto dizia que política é como nuvem: “a cada hora muda a forma” – e, com ela, todos mudam.
Lula finge que não é com ele. Diz que é contra, o que não quer dizer muita coisa. Ele era contra a reeleição – e se reelegeu. Era contra a CPMF – e diz hoje que, sem ela, o Brasil é ingovernável.
Era contra a idade mínima de 53 anos para a aposentadoria, alegando que o trabalhador brasileiro não vive tanto – e, uma vez no poder, aumentou-a para 60 anos (queria, na verdade, 65 anos, mas o Senado reduziu sua proposta). Era de esquerda e hoje diz que ser de esquerda, após os 60 anos, é sinal de demência.
Enfim, Lula mistura fatos e versões com tal freqüência e habilidade que já não vale a pena decifrá-lo. Sua palavra tem prazo de validade curto. O que está claro – para quem sabe ver as nuvens da política – é que a manobra pela segunda reeleição está em marcha. Da segunda para a reeleição sem limites, como a de Hugo Chavez, é questão de tempo.
E haja nuvens, impérios e circunstâncias.
Um comentário:
Marta,
Parabéns por este espaço de lucidez !
Leonardo
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