TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Servidão voluntária



Trabalho intenso na pós-graduação: servidão voluntária?



por Antonio Ozaí da Silva in práxis docente



Os professores vinculados à pós-graduação vêem-se pressionados a atingir metas e obedecer a critérios definidos por outros alheios aos programas que participam. No frigir dos ovos, o que importa não é a qualidade do aprendizado, da formação dos mestrandos e doutorandos, mas sim cumprir as exigências da Capes. Os fins são substituídos pelos meios. Disso depende a quantidade de bolsas, reconhecimento do programa, etc.

Por que determinadas práticas tornam-se predominantes na universidade, especialmente na pós-graduação? Por que os docentes introjetam a ideologia produtivista de forma acrítica e “natural”? Por que o ethos acadêmico é essencialmente pragmático e de índole mercantil? O que explica a servidão voluntária de indivíduos considerados cultos aos ditames do produtivismo e do poder burocrático? O que ganham e o que perdem ao se submeterem? Por que mesmo os que são nitidamente prejudicados aceitam resignadamente e não organizam a resistência?

Se tais práticas predominam no campus é porque atendem a determinados interesses. Acomodar-se é garantir parte do provento. O ethos akademikós corresponde a uma estratégia legítima. Há os que pautam suas práticas pela mais valia dos bens simbólicos (status, distinção, poder, etc.), pelos ganhos reais (recursos públicos e privados) e se sujeitam às exigências para atingir tais objetivos. São os plenamente adaptados, dispostos a pagar o preço requerido pela competição fomentada pelos que ditam as regras do jogo.

É correto ver os beneficiados como vítimas? Parece que é uma adesão consciente; uma opção e, como em todas, há bônus e ônus. Como negar o direito de optar? Se o indivíduo, excitado pela disputa, está disposto a qualquer coisa para vencer o jogo – até mesmo a vender a alma e comprometer a saúde física e espiritual – não é seu direito? Pode alguém acusá-lo pelo desejo de possuir mais capital simbólico e o vil metal? Tal crítica não é coisa de espíritos ressentidos? O individualismo e os valores predominantes na sociedade competitiva legitimam-no. É melhor deixá-lo em paz!

Há também os que vivem a se lastimar pelo excesso de exigências, das tarefas a cumprir, etc. Mas também resignam às estruturas burocráticas e à ideologia que influenciam o cotidiano das nossas vidas no campus e no ambiente familiar – e se sentem à vontade para cobrar dos que se recusam a “jogar o jogo”. A despeito dos reclamos e choramingos, se submetem porque não são capazes de abrir mão dos bens simbólicos e materiais a que têm direito enquanto partícipes do “jogo”. Reconheçamos, é uma atitude tão legítima quanto qualquer outra. É uma estratégia motivada por interesses igualmente legítimos.

Há, ainda, os que não aceitam as regras do jogo e se recusam a jogá-lo. Claro, também pagam o seu preço – por exemplo, viver apenas do salário, não ter FGs, bolsa produtividade, o status de professor da pós-graduação, etc. Não é tão legítimo quanto as demais estratégias? Eles também têm motivações legítimas Deixemos-lhes em paz. Até porque, na medida em que se recusa a competir e a “jogar o jogo”, é um concorrente a menos.

Não obstante, por que os docentes envolvidos com a pós-graduação não resistem às imposições? Por acaso, a culpa das circunstâncias em que se encontram é dos que não estão na pós-graduação? Os que aderem aos programas de pós-graduação são vítimas do sistema ou simplesmente aceitam a servidão voluntária, porém interessada? Até quando suportarão?

Se decidirem enfrentar o poder burocrático que nutrem cotidianamente terão o apoio dos colegas da graduação. Mas, por favor, direcionem seus reclamos para o alvo correto e não nos culpem por suas desgraças.

Comentários João disse:
08/08/2011 às 13:11
Acho que tudo já foi dito, no fim é uma questão de status, as pessoas competem para ver quem tem mais poder e mais renome, nunca se pensou nos estudantes em primeiro lugar, nem no tipo de impacto que a pesquisa pode ou não gerar na sociedade. No fim o professor de pós é tão alienado na produção quanto o burgues, ele não pode seguir um caminho diferente daquilo que o mercado indica por que senão ele corre o risco de se ferrar e acabar fora do mercado. E pelo que tudo indica continuaremos nessa toada enquanto não questionarmos todos esses dogmas e pensarmos em uma universidade e numa sociedade nova, sem competição sem padrões alienantes.
********
Jani disse:
08/08/2011 às 13:07
Diante dos questionamentos, penso que as respostas se encontram no bojo da luta de classes que vivenciamos no cotidiano. Somos pertencentes de uma mesma classe de trabalhadores: os professores. Acredito que essa luta no enfrentamento às condições políticas que o capital impõe, sendo a Capes um dos seus instrumentos, não é apenas uma luta dos docentes que atuam na pós-graduação. A luta é de todos os envolvidos direta ou indiretamente. Todos nós professores atuantes também na graduação temos que enfrentar a política imposta pela Capes. Ademais, quero ainda enfatizar que ao interpretar a história do nosso tempo não nos cabe buscar culpados, errados, transgressores no interior da luta que travamos. A história se faz num processo dinâmico, dialético, no qual cada realidade traz dentro de si o princípio da sua própria contradição e que gera a transformação constante na História. Portanto, a nossa luta é a luta de classes. Não vamos nos separar, ocasionar um sectarismo entre docentes da graduação e docentes da pós-graduação…Isso só enfraquece ainda mais a nossa classe… Responder

Pedro disse:
07/08/2011 às 11:15
Antonio
Bom dia
A competitividade nas instituições, organizações, empresas e mesmo no serviço público fazem a regra em nosso país. Situação que passa a justificar uma conduta que privilegia o “Eu” (individualismo) em detrimento do nós (equipe). Em se falando unicamente do Serviço Público observa-se que não temos regras objetivas que tratem do assunto (regramento jurídico de abrangência nacional). Infelizmente temos milhares de servidores (as) que recebem menos que o salário mínimo. Por outro lado temos alguns que ultrapassam R$ 70.000,00 mensais (O Estado de SP, 07/08/2011). Esta suposta “competitividade” que privilegiaria os que mais se esforçam, estudam e conseqüentemente em tese mais produziriam esconde na prática as enormes distorções existentes no seio do Estado brasileiro e infelizmente presentes também na sociedade. A nosso ver, em termos de Serviço Público há premente necessidade de se estabelecer pisos nacionais de salários e plano de carreira uniforme (estatocracia e meritocracia), que suprimam os privilégios de minoria em detrimento da maioria miserável. Sem essa oxigenação estaremos a manter um Estado de poucos, para poucos e premido pelo cotidiano dos escândalos.
Cordialmente
Pedro

***************



Jhonatandisse:
07/08/2011 às 2:36
A palavra “jogo” foi muito bem empregada e me lembrou Homo Ludens do Huizinga. Que esse jogo não seja uma roleta russa! O tempo – e a saúde dos players – dirá…


João dos Reis Silva Júnior disse:
07/08/2011 às 0:41
Muitas perguntas e uma reivindicação, contudo há que se indagar sobre o horizonte de possibilidades das práticas cotidianas de qualquer professor na universidade e lembrar-se das características heterogêneas, fragmentadas e desconexas que por meio da burocracia universitária exige – também como parte da estrutura da vida cotidiana – uma resposta imediata. Isto favorece o pragmatismo e o estranhamento de todos; meu e do blogueiro. João dos Reis Silva Júnior

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