TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Rasgando o coração da coreografia do medo....

"Depois dos cinco anos no campo de trabalho eu vagava dia após dia pelo tumulto das ruas, ensaiando mentalmente as melhores frases para o caso de ser preso: PRESO EM FLAGRANTE - pensei em mais de mil desculpas e álibis para essa acusação. Levo comigo uma bagagem silenciosa. Fechei-me tão profundamente e por tanto tempo no silêncio que nunca consigo abrir-me através das palavras. Apenas me fecho de outras formas quando falo".


Frases de HERTA MÜLLER (nasceu em 1953), prêmio Nobel de Literatura em 2009. De origem romena, morando na Alemanha por ter se negado a participar da realpolitik assassina de Nicolae Ceausescu (1918-1989). Corajosa mulher. O livros que escreve mostram o tempo de mentira da Roménia: dias cinzentos de recordações atrozes onde a coreografia do medo não teve limite.



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A pouca piedade de Herta Müller

Texto: Mário Rufino daqui

Em «Hoje preferia não me ter encontrado», Herta Müller interroga tudo, de forma dura e sem piedade, não se colocando no exterior do objecto de análise. Todos são vítimas e culpados da alienação da liberdade individual. Os vigiados também vigiam e os vigilantes têm medo de ser vigiados. O «eu» narrativo permite a aproximação dos acontecimentos narrados à dor e experiência própria da autora (romena e nascida numa comunidade de língua alemã, Herta Müller, Prémio Nobel 2009, esteve sob o regime fascista de Antonescu e, posteriormente, sobre o regime comunista de Estaline. A própria mãe da autora foi deportada, juntamente com cerca de 80 mil romenos de língua alemã, para um campo de trabalhos forçados).

«Não queria pensar em nada, porque mais nada sou, para além de intimada» (pág.47)
(Que frase parecida com o tempo vivido no local onde trabalho)
A narradora viaja sentada num eléctrico com destino a mais um interrogatório. Enquanto o eléctrico avança, a sua memória recua e revela segredos e recordações mais ou menos distantes.
No decorrer da leitura percorremos círculos concêntricos em torno de um sentimento de desagregação humana, seja na sua individualidade ou sociabilidade.
A beleza é deturpada e destruída: Albu, o interrogador, beija-a na mão deixando um rasto de cuspo enquanto lhe aperta os dedos até ela quase gritar de dor; na foto do casamento com Paul, os dois estão de cabeça encostada, num dia feliz, mas no presente mais lhe parecem as duas ameixas, símbolo da aguardente com que o marido diariamente se embebeda.
As ligações familiares incluem o seu ex-sogro, um «comunista perfumado», que deportou os avôs dela e nacionalizou os respectivos bens, o desejo erótico pelo seu pai e o decadente casamento com Paul que se autodestrói devido ao álcool.
O «comunista perfumado» afirma que o tempo em que os avós dela passaram dentro de uma campo de detenção já lá vai e que são somente desculpas para não terem vencido na vida. A ironia de se «ouvir» deste personagem uma frase baseada no «darwinismo social» e tão ligada ao capitalismo exemplifica a presença constante da ironia em «Hoje preferia não me ter encontrado».
O presente fecha qualquer esperança e tenta enterrar e branquear um passado de dor. A memória, essencial ao património cultural da sociedade e do indivíduo, é pressionada pelo esquecimento. Herta Müller luta pela manutenção da memória, contra a paranóia e a loucura.
Já divorciada do primeiro marido e em casa de Paul, ela pergunta-lhe o que é um comunista.
«Quem era suficientemente pobre tornava-se comunista. E também muitos ricos, que não queriam ir para os campos de trabalhos forçados. Agora o meu pai [fascista e, posteriormente, comunista] está morto e, tão verdade como o céu existir, lá em cima ele diz que é cristão» (pág. 173)
Ela e Paul são despedidos por práticas subversivas contra o Estado. A deterioração económica acentua-se.
«Aquilo de que precisam eles [os russos] mandam despachar para Moscovo e empanturram-se com o nosso cereal e a nossa carne. A fome e a porrada eles deixam para nós» (pág. 29)
Apesar de a desconfiança estar enraizada devido a questões histórico-políticas (fascismo e comunismo), alguns elos afectivos ainda prevalecem. Lilli, amiga e colega de trabalho da narradora, é a única pessoa, além de Paul, em quem ela confia. No entanto, ela é assassinada a tiro e esventrada pelos cães quando, motivada pelo amor a um homem, tenta ultrapassar a fronteira com a Hungria. A presença rara destas relações sublinha a substituição do afecto pela desconfiança e paranóia entre as pessoas.
A sociedade está dividida entre ostentação e pobreza, onde as classes sociais mais desfavorecidas sofrem com o flagelo do álcool, e a liberdade de expressão não passa de um conceito impraticável.
«O nosso socialismo até põe os seus trabalhadores a sair da indústria em pelota…» (pág. 86)
A vida, a rotina diária, é pesada e os dias arrastam-se uns atrás dos outros.
«Seria pedir de mais que as coisas a que me habituei me servissem de alguma coisa. Elas até servem de alguma coisa, mas não a mim. Quer dizer, servem quando muito à vida, a vencer o dia. Mas não se espere que elas nos encham a cabeça de felicidade» (pág. 24)
A redução do humano ao seu instinto animal é sublinhada no episódio da feira da ladra, dia em que conhece Paul, onde muita gente precisa de usar uma decrépita casa de banho pública. O polícia encostado à parede abdica de exercer autoridade perante a desordem. E a ansiedade domina as pessoas que esperam para entrar no pútrido cubículo. A avaliação da narradora é mordaz.
«Só lá fora voltei a ser um pedaço de esterco humano» (pág. 144)
«Hoje preferia não me ter encontrado» é um texto pleno de ironia, despido de auto-piedade e muito crítico em relação a ideologias, à sociedade dessa altura e ao próprio indivíduo. Herta Müller não poupa nada nem ninguém.
«Neste entardecer vermelho da cidade, o que agora se recomenda é a cegueira, há olhos de vidro para todos. Mas os pregos do caixão troam especialmente por aqueles que querem construir a sua felicidade dançando ao som de uma canção em que a gente se farta do mundo» (pág. 117)
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Comentários:
Semelhança com a vida no trabalho regida pelo kominter ...semelhança com a vida entre as mentiras, os escombros da academia. Semelhança com os burocratas que querem embutir o medo pela perseguição jurídica. Comunistas aliados da direita infantil? Interventores que param e olham ao léu com as pernas abertas como soldados da PM. Burocrata baixinho que estufa o peito quando me vê, peito de pombo? Mulheres burocratas que dão pulinho de falsa alegria em eventos? Riem como hienas nem desconfiando que parecem as primeiras neuróticas de Freud. Mulheres de salto altíssimo, saltos finos que dão o ar de cegonhas desengonçadas. Um olhar do burocrata mor. Olhar perdido querendo se achar no meio da pequena multidão. Lembro-me do ditador do Chaplin. Baixa estatura, brinca com a bola planeta.

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